sábado, 25 de dezembro de 2010

O PRÓXIMO

Natal, nascer
Natal, nasceu alguém...
quem ?! quem ?!

o pacote de compras não sabe...
o Papai Noel não sabe...
o corre-corre sem olhar no olho, o comércio desenfreado,
a propaganda de TV em 4 vezes sem juros ou juras de amar,
o presente não sabe...

talvez eu até saiba, mas faço-me de rogado
quiçá esqueça, não lembre, não veja
que no Natal quem nasce também é meu próximo,
o próximo a quem devo amar, a quem devo acolher,
um próximo que morreu e morre pela gente,
gente que não olho, não observo ou absorvo,
povo que deixo passar fomes e sedes, sem sedes ou necessidades,
falta do que ler, aprender, apreender, criar e desenvolver,
ser que não deixo nascer...

Natal do Deus do outro - não do meu, só meu, eu só...

Outrora Natal da manjedoura simples,
dum presépio pretérito...
agora festa sem abraço, sem laços,
sem traços que unam pontos,
apenas, pronto e maquinado: Natal sem repensar nem penar...
Natal que não olho pro lado,
Natal que não é poliedro, é parede lisa
Natal de quem precisa...

Natal, nascer...
Natal, este essencial auto-nascer.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

MEU IMPROVÁVEL ALGUÉM

Alguém pra alguém, alguém pra mim...
mas não aparece ninguém, por quê assim ?!
estaria então além, no imponderável talvez ?!
se todo mundo merece, quando será a minha vez ?!
este meu improvável alguém...

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

JOSÉ, A MULHER

deusa
teu magno corpo, digno de mil elegias,
fazendo do prazer a mais sacra heresia,
e de teus lábios, bálsamo deleite;

delito então pensar assim....
delírio tão somente vê-la, conversar, saber da sua existência...
felicidade plena, doidivana consciência...
quero a volúpia do teus desejos,
quero a cama e teus cheiros,
a líbido vulcância que te faz Afrodite,
não, eu não posso te querer...

estais longe...
tão longe, que mesmo em abreviada distância,
ainda te veria em oásis.

és o José que penitas,
que não morres, que não dança a valsa vienense...
és José, mulher...
sabida feminina, não renegas o nome
nem o fardo, mas sabes ser bela
uma musa aquarela,
o dom do poeta,
o amar do poeta,
a poesia, a nudez
esta coisa sem pudor,
sabes ser o amor
sabes ter o amar...

moras na mãe do Criador
no ninho do contar,
voz muda que inibria,
és então sombria
mas ainda me alumia...

deusa,
meu encanto em horas tortas,
escorres por minhas mãos...
não estais aqui...

e então, renego-me.

EM TEMPO DE MENINO (OLHOS CEGOS)

Para Manoel de Barros

lembro-me, em tempo de menino,
quando diziam que não se podia engolir semente de melancia,

senão outra crescia dentro de você...

e lá ela crescia, crescia, crescia...
até explodir e te estrangular.

Tinha medo então,
e por isso as chupava com extremo zelo...

era um misto de prazer pelo sumo escaldante colorado
(tal qual o infante Buendía em seu primeiro contato com o gelo...)
com o austero esmero de não cometer tal deslize cabal.

Até que um dia - por mera distração ou entregue ao hedonismo rubro
e brilhante da carne em fruto –
engoli da sua semente.
Desesperei-me, tremi em temor, não dormir, não sorri...
não queria a morte eminente...
placebamente senti náuseas, Negra Nhá deu-me banho de ervas...

até que a semente saiu pela natural via escatológica...
achei tudo aquilo chato, perdeu a graça, muito real...

ver o mundo com olhos cegos
fascinavam as vísceras do meu ser.