As duas na repartição, horário do cafezinho: uma paradoxal a outra – a mais jovem, recatada, cabelo preso em coque, vestido longo e longe de qualquer devassidão, nenhuma maquilagem, casada. A mais velha, fogosa, vestido com fortes estampas de frutas tropicais, farto decote e colônia barata, casada e com amante. E deste era que, na exata conversa, a mais velha declarava vantagens:
“Ontem de noite meu boyzinho me fez chegar às nuvens...”
A mais nova (de nome Odeth) não gostava de ouvir tais histórias, mas por educação (ou por ser tão recatada), não a recriminava e ouvia com paciência. A mais velha (popularmente chamada de Zizi) continuava:
“Era umas posições que eu nunca imaginei que existissem... Ah, muito acima de qualquer papai-e-mamãe da vida...”, dizia entre suspiros e um constante limpar no colo do decote.
Odeth apenas pega o adoçante e o adiciona (quatro gotas, nada mais) no copo de plástico, quase a metade de café.
“Seu marido já quis te chupar ?!”, perguntou Zizi.
A mais nova quase cuspiu o café de volta. Respirou fundo e perguntou:
“Como ?!”
“Seu marido... ele já quis...”, e fala baixinho, “...lhe chupar ?!”
“Bem...”, não sabia o que responder diante tamanha devassidão.
“Tu não sabe o que tá perdendo...”
“Meu marido é homem de bem, de Jesus. A gente não faz estas...”, pensou em palavra feia. Logo se censurou:
“...estas devassidões, pecado mortal da carne !”
Zizi exagera nas colheradas de açúcar. Nunca ligara para suas taxas de diabetes.
“Pecado ou não, o que sei é que é bom pra cacete !”, disse.
Odeth deixara de ruboriza-se com o palavrear da colega de trabalho. Contudo torcia para que sua transferência de setor acontecesse logo. Casara há pouco tempo. O marido era filho do pastor do templo que iam todas as quintas e domingos. Eram jovens, o marido mal completara 24 e estudava Teologia numa faculdade particular - bancado pela família.
“Meu boyzinho me pegou pelo cabelo assim, sabe, tipo Neandertal...”, diz Zizi.
“Acho que já tá na hora da gente voltar pro escritório, né ?!”
“Qualé, Deth...”, sempre a chamava assim, ocultando a vogal inicial do nome. Prossegue:
“Relaxa, ainda temos uns minutinhos...”. Zizi tinha 43, mas sempre mentia a idade. Casou-se cedo (e com o primeiro namorado) e teve três filhos. Detestava o marido e sempre que possível o traia. Agora se vangloriava de ter um caso extraconjugal com um garoto de vinte e poucos... Detestava tanto seu nome original (Zilmar) que exigiu (e conseguiu) mudar seu nome no crachá da repartição.
“Uma boa chupada no grelo leva uma mulher as alturas !!!”, diz a mais velha quase em grito e risadas.
“Eu vou voltar pro escritório e...”
Odeth dormiu com aquela conversa na cabeça. O marido demorava em chegar. Aliás, nos últimos meses assim era: ele chegava muito depois das onze, se trocava, tomava uma ducha, vestia pijama e dormia. Há tempos não a procurava. No começo ele respeitava tal ritual: como uma boa cristã que era, aceitava e entendia que o serviço do marido era deveras pesado. Mas aquelas palavras da Zizi não saia de sua mente. “Nunca fui chupada... Nunca fui chupada...”, pensou alto. Recriminou-se num tom de voz bem baixo, dando pequenas palmadinhas na boca. Pegou a Bíblia que sempre ficava em cima da escrivaninha e leu o último versículo que fora trabalhado em sermão pelo pastor. A cabeça não se distraia, então folheou o sagrado livro, parou no Cântico dos Cânticos de Salomão: “Beija-me com os beijos de tua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho...”. Parou e olhou pro teto. Deu uma respirada, olhou para o relógio, dez para onze. Voltou à leitura para algum outro versículo do mesmo Livro: “Eu sou um muro, e os seios, como as suas torres...”. A palavra “seios” deixou-lhe estranhamente excitada. Retornou a Bíblia ao seu lugar de praxe e levantou-se. Olhou-se de corpo inteiro no espelho. “Sou bonita, mas nunca fui chupada...”, indagou. Logo concluiria: “A decrépita da Zizi é bem mais amada que eu...”. Então se dirigiu ao banheiro e lá se despiu. Entrou no box, deixou-se inundar o corpo da água morna. Maculou-se, ineditamente, por uma masturbação natural, sem racionalismos ou a moral, tocava seus seios com uma volúpia escondida, curiosidade infantil, ar de menina, de mulher. Os dedos circulavam pelos mamilos enrijecidos, nunca sentira prazer igual. E numa hipnótica prece, dizia “Nunca fui chupada, nunca fui chupada, quero ser chupada...”. Logo caíra em si. Então se limpou da vergonha e enxugou-se da água.
Já vestida de sua camisola composta e adornada de florzinhas singelas, deitada em seu cobertor, viu no despertador da escrivaninha o horário em que o marido chegara: onze e onze. Sorrateiramente sentou-se na cama, tirou os sapatos, desafogou a gravata, desabotou a camisa. Levantou-se, dirigiu-se ao banheiro, demorou uns dez ou quinze minutos. O barulho da descarga fez Odeth rezar pelos pecados cometidos no mesmo espaço em que o vaso se encontrara. O homem chega, levanta a coberta e adentra-se ao leito. Odeth finge acordar:
“Miquéias... Chegou tarde meu bem...”
O marido beija-lhe a testa dizendo:
“O trabalho, a faculdade, tudo amor...”, e vira-se pro lado desejando boa noite.
“Miquéias...”, chama novamente a mulher.
Miquéias apenas grunhe.
“Sabe...”, prossegue a esposa, “...Eu tô usando aquele perfume que você adora. Cê percebeu ?!”, insiste Odeth, passando seu mindinho por entre os caracóis capilar do marido.
“Hum, hã ?! Ah é ?! Poxa, que bom... Mas agora me deixa dormir Odeth... Tou cansado...”
Odeth ainda beija-lhe a face barbada por fazer, o pescoço... Ali percebera uma marca roxa não antes existente. Não quis questionar o motivo daquilo. Ainda olhando para o marido por dormir, pensou no tempo em que não faziam amor. Pensou na mancha quase hematoma no pescoço do cônjuge, pensou que ainda não fora chupada... Virou-se para seu canto de descanso e lá adormeceu.
Odeth adiantara seu horário do cafezinho. Esperava por Zizi, que não tardara em chegar.
“Zizi...”
“Oi Deth !”
“Posso lhe perguntar uma coisinha ?!”
“Evidente... Por favor, me passe o açúcar...”
Odeth lhe passa o recipiente. Depois pinga as mesmas quatro gotas de adoçante no seu já frio café.
“Sabe...”
“Pode dizer...”, e Zizi põe a boca na borda do copo, antes lhe soprando o interior.
“Você ontem se encontrou com seu...”
“Com meu boyzinho ?!”
“É...”
“Sim.”
“E que horas foi ?!!”
“Hum... porque este assunto assim agora ?!”
“Sei lá...Curiosidade...”
“Acho que foi por entre as oito, nove...”
“E vocês se encontram aonde mesmo ?!”
“Num motel na Lapa...”
“Certo, certo... Quantos anos o seu boyzinho ?”
“Não sei ao certo... Creio que tem a sua idade. 24 ?!”
“É...”
Odeth (mais corada que tudo) bebe rapidamente o resto de café no copo. Olhando pra Zizi, pergunta:
“A última: creio que você nunca me disse o nome do seu amante, né ?!”
“Não, nunca disse... Mas nunca falei porque nem eu sabia qual era. Ele usava um apelido. Mas ontem, enquanto ele tirava um cochilo, eu verifiquei no RG dele... O nome dele é Miquéias... Miquéias dos Santos...”
Odeth não queria escutar o nome que ela já desconfiara. Disfarçou o abobalhamento, a consternação, a autoflagelação, a raiva. Abriu a boca discretamente, fingiu tossir e agradeceu as informações. Quando Zizi já se virava na direção oposta à cafeteira, Odeth aborda-a em sopetão
“Perdão, Zizi... Posso lhe perguntar só mais uma coisa ?!”
“Claro...”
“Ontem ele te... bem...”
“Ele o quê ?!”
“Ele...”, e deixou que se fizesse voz aquela ordem de seu inconsciente, “...te chupou ?!”
Zizi riu e respondeu:
“Divinamente...”
Odeth deixou Zizi sumir por entre o corredor e somente rezou um Pai-nosso.
Um comentário:
Grande mestre!
Textos como esse não podem ficar escondidos nas gavetas da tua casa, não! De jeito nenhum! O mundo precisa lê-los! Que final, viu! Qual o tipo de cola que você usa? Super Bonder? Grudei do início ao fim! Fantástico. Abraço, Germano.
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