Especialmente
para Samy Lemos
“Foi
meu professor
Foi meu cúmplice
Sua mente, eu sei
Só chego ao índice...” (O Cometa –
Rodrigo Amarante) (o que me inspirou...)
Intervalo entre aulas, ela em tédio,
batendo o lápis como uma baqueta nervosa, esperando pelo próximo professor que
adentraria sua sala, o mesmo marasmo, o mesmo enfadonho blá-blá-blá... Olhou o
teto, passeou o olhar pelo ambiente, viu uns colegas fazendo bagunça, outros
mexendo em seus celulares; abriu o caderno e analisou um desenho que fizera bem
acima de uma matéria anotada e, aproveitando então, rascunha uns detalhes
faltantes neste. Logo resolve saber qual seria a aula conseguinte e, vendo que
seria de Filosofia, solta pra si mesma um “hum, o professor é um mané, mas a matéria
é legal, tem até umas assuntos bacanas...”.
O professor aparece na porta, alguns
percebem e voltam para suas carteiras, outros continuam em suas badernas, contornadas
imediatamente sob broncas e ameaças. Ele finalmente entra na sala, põe sua
maleta em cima da mesa, exige um primeiro silêncio, ainda há murmúrios, repete
sua ordem, o barulho não cessa... O mestre resmunga baixo, mexe em alguns
papéis, pega o piloto e escreve na louça em letras garrafais e com vários
sublinhamentos a palavra “bullying”, logo propondo à turma que se formasse um
semicírculo para uma roda de debate... A menina se entusiasma um pouco, ela
adora debater, contestar, expor suas opiniões... Lamenta, entretanto, que nem
todos da classe compartilhem do mesmo tino, por isso então suas ofensas inconscientes
para alguns colegas. O professor atua, gesticula, tenta estimular alguma
opinião. Entretanto até a garota parecia imóvel, quieta, como se esperando algo
grandioso que poderia acontecer. Nem ela própria entendia o porquê daquela
reação.
Então o professor se dirige para sua
maleta e de lá retira um pendrive. Coisa comum, banal, nem todos dão atenção
para o ato, exceto pela garota. Aquilo lhe enche de uma esperança extasiante,
duma coisa esquisita que borboleta seu estômago, algo que ela não sabia o que
era, mas que a hipnotizava... Na expectativa do que viria acontecer, ela mal
repara nos prenúncios do professor antes de aplicar aquilo que havia no
artefato. Ele diz que vai trabalhar com uma música e pedia pros alunos fazerem
uma analogia desta com o assunto abordado. Um arrepio concomitante, uma
estranha salivação em seus lábios áridos, a ânsia por algo bom, tantas coisas
passam pela mente da garota naquele instante mágico... Ele anuncia que a música
se chama “Tá Bom”, do Los Hermanos. A garota se maravilha dos primeiros
acordes, dos primeiros versos, sentiu-se inserida naquilo tudo, “senta aqui que
hoje eu quero te falar/ não tem mistério, não/ é só teu coração/ que não te
deixa amar...”. Parecia que tudo ganhara um sentido, não sabia se novo ou
caduco, a vida num magma nuclear que finalmente precipita suas labaredas,
descobriu-se como a voz de Gal quebrando o silêncio, “vencer a luta vã/ e ser o
campeão/ pois se é no não que se descobre de verdade...” ressoando batidas de
martelo numa bigorna, um mantra, encontro de seus eus mais ocultos, tão
escancarados e despercebidos, o que havia nela e que se revelava em minutos sem
um mínimo bisar... O professor pergunta se alguém queria uma repetição da
música, porém a menina negligenciou-se num hiato tímido, temendo talvez o
julgamento de ser a única a entender que certos totens não passam duma revelação
singela, um grito mudo, obscuro óbvio...
A aula termina num estrondo de sineta,
alunos correm pros pátios, o professor arruma apaticamente sua maleta. A menina
então, numa contraditória paralisia, respira e vai em direção ao professor, agradece
e pede mais referências sobre a canção, aquele grupo, tudo aquilo que vinha num
fervilhar em cio... O professor espanta-se, mas logo sorri, fazendo daquele
sorriso um emblema, como uma honrosa cicatriz de um soldado de trincheira, o
orgulho que faz valer as sudoreses e os estresses, o salário defasado e as
classes desestimuladas, o nada de Piaget e Vygotsky que aprendera nas cátedras,
a prática do galo sozinho que não tece manhãs, seus afins e enfins... Houve uma
cumplicidade mágica e, naquele instante não sabiam, mas transformariam
sutilmente a rota dos destinos de ambos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário