segunda-feira, 12 de maio de 2014

APRE(E)NDER



Especialmente para Samy Lemos

“Foi meu professor 
Foi meu cúmplice 
Sua mente, eu sei 
Só chego ao índice...”  (O Cometa – Rodrigo Amarante) (o que me inspirou...)

Intervalo entre aulas, ela em tédio, batendo o lápis como uma baqueta nervosa, esperando pelo próximo professor que adentraria sua sala, o mesmo marasmo, o mesmo enfadonho blá-blá-blá... Olhou o teto, passeou o olhar pelo ambiente, viu uns colegas fazendo bagunça, outros mexendo em seus celulares; abriu o caderno e analisou um desenho que fizera bem acima de uma matéria anotada e, aproveitando então, rascunha uns detalhes faltantes neste. Logo resolve saber qual seria a aula conseguinte e, vendo que seria de Filosofia, solta pra si mesma um “hum, o professor é um mané, mas a matéria é legal, tem até umas assuntos bacanas...”.
O professor aparece na porta, alguns percebem e voltam para suas carteiras, outros continuam em suas badernas, contornadas imediatamente sob broncas e ameaças. Ele finalmente entra na sala, põe sua maleta em cima da mesa, exige um primeiro silêncio, ainda há murmúrios, repete sua ordem, o barulho não cessa... O mestre resmunga baixo, mexe em alguns papéis, pega o piloto e escreve na louça em letras garrafais e com vários sublinhamentos a palavra “bullying”, logo propondo à turma que se formasse um semicírculo para uma roda de debate... A menina se entusiasma um pouco, ela adora debater, contestar, expor suas opiniões... Lamenta, entretanto, que nem todos da classe compartilhem do mesmo tino, por isso então suas ofensas inconscientes para alguns colegas. O professor atua, gesticula, tenta estimular alguma opinião. Entretanto até a garota parecia imóvel, quieta, como se esperando algo grandioso que poderia acontecer. Nem ela própria entendia o porquê daquela reação.
Então o professor se dirige para sua maleta e de lá retira um pendrive. Coisa comum, banal, nem todos dão atenção para o ato, exceto pela garota. Aquilo lhe enche de uma esperança extasiante, duma coisa esquisita que borboleta seu estômago, algo que ela não sabia o que era, mas que a hipnotizava... Na expectativa do que viria acontecer, ela mal repara nos prenúncios do professor antes de aplicar aquilo que havia no artefato. Ele diz que vai trabalhar com uma música e pedia pros alunos fazerem uma analogia desta com o assunto abordado. Um arrepio concomitante, uma estranha salivação em seus lábios áridos, a ânsia por algo bom, tantas coisas passam pela mente da garota naquele instante mágico... Ele anuncia que a música se chama “Tá Bom”, do Los Hermanos. A garota se maravilha dos primeiros acordes, dos primeiros versos, sentiu-se inserida naquilo tudo, “senta aqui que hoje eu quero te falar/ não tem mistério, não/ é só teu coração/ que não te deixa amar...”. Parecia que tudo ganhara um sentido, não sabia se novo ou caduco, a vida num magma nuclear que finalmente precipita suas labaredas, descobriu-se como a voz de Gal quebrando o silêncio, “vencer a luta vã/ e ser o campeão/ pois se é no não que se descobre de verdade...” ressoando batidas de martelo numa bigorna, um mantra, encontro de seus eus mais ocultos, tão escancarados e despercebidos, o que havia nela e que se revelava em minutos sem um mínimo bisar... O professor pergunta se alguém queria uma repetição da música, porém a menina negligenciou-se num hiato tímido, temendo talvez o julgamento de ser a única a entender que certos totens não passam duma revelação singela, um grito mudo, obscuro óbvio... 
A aula termina num estrondo de sineta, alunos correm pros pátios, o professor arruma apaticamente sua maleta. A menina então, numa contraditória paralisia, respira e vai em direção ao professor, agradece e pede mais referências sobre a canção, aquele grupo, tudo aquilo que vinha num fervilhar em cio... O professor espanta-se, mas logo sorri, fazendo daquele sorriso um emblema, como uma honrosa cicatriz de um soldado de trincheira, o orgulho que faz valer as sudoreses e os estresses, o salário defasado e as classes desestimuladas, o nada de Piaget e Vygotsky que aprendera nas cátedras, a prática do galo sozinho que não tece manhãs, seus afins e enfins... Houve uma cumplicidade mágica e, naquele instante não sabiam, mas transformariam sutilmente a rota dos destinos de ambos. 

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