"Haja hoje para tanto ontem" (Paulo Leminski)
"Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia." (Fernando Pessoa)
É estranho
como o hoje
virará, um dia, ontem...
não entendo
como tudo era tão tangível;
agora, tudo pó
na hora: intocável
em minutos, dissipado...
um dissabor,
lembrar ?! Apenas um disse que retornou eco...
antes era tudo praça,
a festa, garrafas, beijos...
Em instantes, distantes vestígios,
apenas destroços,
o vazio das garrafas,
o beijo guardado...
como devorar de traças,
devastar de tsunamis,
a infelicidade do fracasso,
a felicidade do escasso,
óculos, ósculos, escarros
citações de Lispector entre cigarros,
rum com vodca, uísque com Coca,
cacos e cacoetes, amor, suores...
o preservativo que preserva a seiva do ser,
nove meses, nove luas, nove em vinte e nove amizades,
tudo, agora nada.
do nada: o nada.
A madrugada que virou dia,
A noite finda, a consciência vinda,
o acabou...
mutação do pré-pós,
a consagarção do depois,
o ontem...
segunda-feira, 27 de junho de 2011
MAIS UMA PARA LUDMILLA (OU “QUE DIA, FINALMENTE, ELA VAI VER QUE SOMOS FEITOS UM PARA O OUTRO?”)
"E no meio de tanta gente eu encontrei você
Entre tanta gente chata sem nenhuma graça, você veio
E eu que pensava que não ia me apaixonar
Nunca mais na vida..."
(Não vá embora - Marisa Monte)
id
e super id
se fundem,
se fodem,
se osmosem
no conhecer-se a si mesmo...
e daí é preciso se auto-amar,
mas como conseguir isto, sendo eu tão fraco ?!
Tenho que me escorar nos ombros dum gigante
e assim poder alçar belos voos...
E sinto que você é tudo isto: esta força
que me ergue e me faz caminhar, seguir, continuar,
escrever, dissipar e sublimar...
(serei mesmo real dentro do meu mundo surreal ?!)
e cadê você ?!
cadê você, naquele metro quadrado onde estou ?!
cadê você, no meio da multidão, no meio daquela gente ?!
cadê você, que é tão gente...
cadê você, que é agente motor
deste meu poema
feito de sangue e insônia...
como te quero, você nem saiba...
seu sorriso me encanta de forma descomunal...
temo que estas palavras possam ferir o que há
de mais belo entre a gente,
mas estancar este grito
seria o mesmo que podar os cabelos da clássica personagem infantil.
Então o que farei, pergunta uma boa voz amiga:
- Esperas então o cabelo da Rapunzel crescer
Ou procura uma escada, antecipando assim o encontro com sua amada ?!
E saio à sua procura, feito algo no cio
uma bomba em pleno fim de pavio,
algo que preciso dizer, evitar vazios...
Não quero desmurar nosso castelo tão rijo,
(faça de mim ainda seu refúgio, um esconderijo...)
mas tenho que lhe perguntar se há um amor dolente,
se posso ver futuro entre a gente,
se posso sonhar em tê-la, minha amizade diferente ?!
Entre tanta gente chata sem nenhuma graça, você veio
E eu que pensava que não ia me apaixonar
Nunca mais na vida..."
(Não vá embora - Marisa Monte)
id
e super id
se fundem,
se fodem,
se osmosem
no conhecer-se a si mesmo...
e daí é preciso se auto-amar,
mas como conseguir isto, sendo eu tão fraco ?!
Tenho que me escorar nos ombros dum gigante
e assim poder alçar belos voos...
E sinto que você é tudo isto: esta força
que me ergue e me faz caminhar, seguir, continuar,
escrever, dissipar e sublimar...
(serei mesmo real dentro do meu mundo surreal ?!)
e cadê você ?!
cadê você, naquele metro quadrado onde estou ?!
cadê você, no meio da multidão, no meio daquela gente ?!
cadê você, que é tão gente...
cadê você, que é agente motor
deste meu poema
feito de sangue e insônia...
como te quero, você nem saiba...
seu sorriso me encanta de forma descomunal...
temo que estas palavras possam ferir o que há
de mais belo entre a gente,
mas estancar este grito
seria o mesmo que podar os cabelos da clássica personagem infantil.
Então o que farei, pergunta uma boa voz amiga:
- Esperas então o cabelo da Rapunzel crescer
Ou procura uma escada, antecipando assim o encontro com sua amada ?!
E saio à sua procura, feito algo no cio
uma bomba em pleno fim de pavio,
algo que preciso dizer, evitar vazios...
Não quero desmurar nosso castelo tão rijo,
(faça de mim ainda seu refúgio, um esconderijo...)
mas tenho que lhe perguntar se há um amor dolente,
se posso ver futuro entre a gente,
se posso sonhar em tê-la, minha amizade diferente ?!
domingo, 26 de junho de 2011
PRA TE LEVAR
Pra Ludmilla, minha fã mais que especial...
Só queria ter um Fusca
pra te levar
aos céus ou ao Hades,
lá onde o sol arde,
cá onde solo aquele blues intimista,
ali, onde tudo parece bom...
Só queria ter um meio qualquer
de te fazer enxergar
que aquele momento não criou dissabor,
que o instante não desabou,
os cigarros ainda estão na estante,
e o antes não é mais prima da saudade...
Só queria a brevidade do para sempre,
só queria ter aquele velho Fusca
pra te levar ao altar,
ao andar dos prédios imovéis,
pra te levar ao alto daquela montanha,
ao topo do seu cabelo que se assanha na trepa dos ventos,
à vida – tão ínfima, meu Deus... – que insiste em nos afastar,
pra te levar ao começo de tudo,
ao beijo tácito do nada,
te ouvir citar Lispector,
saber que você leu minha mão,
e que nela você desenhava nossa união,
cobrindo este sonho de luas e estrela,
píntando nela uma sela para cavalgarmos
no nosso encontro embriagador...
pra te levar e sentir sinceridade nos seus olhos,
se encantar como se eternamente nos vissemos pela primeira vez,
descobrir o quão idiota fui antes de você,
ver, cego, que não te percebia...
sentir o quanto perdia por causa disto...
pra te levar, me sentir gigante por te conhecer
pra te levar comigo, indivisível e constatando o óbvio:
não precisar daquele Fusca, basta ter seus pés
pra te levar...
Só queria ter um Fusca
pra te levar
aos céus ou ao Hades,
lá onde o sol arde,
cá onde solo aquele blues intimista,
ali, onde tudo parece bom...
Só queria ter um meio qualquer
de te fazer enxergar
que aquele momento não criou dissabor,
que o instante não desabou,
os cigarros ainda estão na estante,
e o antes não é mais prima da saudade...
Só queria a brevidade do para sempre,
só queria ter aquele velho Fusca
pra te levar ao altar,
ao andar dos prédios imovéis,
pra te levar ao alto daquela montanha,
ao topo do seu cabelo que se assanha na trepa dos ventos,
à vida – tão ínfima, meu Deus... – que insiste em nos afastar,
pra te levar ao começo de tudo,
ao beijo tácito do nada,
te ouvir citar Lispector,
saber que você leu minha mão,
e que nela você desenhava nossa união,
cobrindo este sonho de luas e estrela,
píntando nela uma sela para cavalgarmos
no nosso encontro embriagador...
pra te levar e sentir sinceridade nos seus olhos,
se encantar como se eternamente nos vissemos pela primeira vez,
descobrir o quão idiota fui antes de você,
ver, cego, que não te percebia...
sentir o quanto perdia por causa disto...
pra te levar, me sentir gigante por te conhecer
pra te levar comigo, indivisível e constatando o óbvio:
não precisar daquele Fusca, basta ter seus pés
pra te levar...
quinta-feira, 23 de junho de 2011
MIUDEZA
Guardo uma latinha cheio de coisas inutéis.
coisas futéis, manoelinas...
gosto da inutilidade do fútil,
do microcosmo tão macro daquilo que se esconde,
da miudeza da mudez, do velar calado,
do que não se destaca, do que passa desapercebido,
o que passa cabido, o que passa meramente...
Reconheço-me nestas coisas.
Também tento ser oculto, obtuso,
invisível em certos momentos, estar sem estar...
Não conheço tudo: sou íntimo do nada.
coisas futéis, manoelinas...
gosto da inutilidade do fútil,
do microcosmo tão macro daquilo que se esconde,
da miudeza da mudez, do velar calado,
do que não se destaca, do que passa desapercebido,
o que passa cabido, o que passa meramente...
Reconheço-me nestas coisas.
Também tento ser oculto, obtuso,
invisível em certos momentos, estar sem estar...
Não conheço tudo: sou íntimo do nada.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
NÃO ACABOU
Não acabou.
Se antes a via com olhos de cristal,
é porque não havia distâncias
entre nossos caminhos e o meu eu....
Mas não acabou, acredite...
você ainda será bela,
(dadivosamente bela)
a mais harmônica aquarela,
aquela a quem me refugio,
a serenidade que me traz estio,
vitalidade que me nutre
diante meus vazios...
agora sua beleza não é mais utópica:
meu sonho em tê-la se desfez, feito areia;
você nunca esteve tão distante,
contudo ainda está em mim de alguma maneira...
seu corpo nunca será meu:
seremos como promessas de Julieta a Romeu – santos
que não devem ser tocados,
peregrinos que profanam num beijo cálido
a alma chagada dos que amam e querem...
nossa estrela é ainda ligação,
nela me atento, peço em oração
que o verbo de nossas carnes conjugue um eterno amar,
uma inefável concisão...
este paradoxo em ser fraco,
deixar-me opaco,
de não ir ao seu encontro
de não ser perfeito pra você...
é um amar mais consciente agora, friso;
você ainda e será o que preciso,
mas agora compreendi que o final desta ciranda
poderá ser solidão de rede na varanda,
mas ainda perpertuará esta amizade concisa
nela me atenho, não quero sua censura...
Você é quem me faz homem com lisura,
meu palíndromo mais oculto,
inaudível que mais ressoa em mim...
Se antes a via com olhos de cristal,
é porque não havia distâncias
entre nossos caminhos e o meu eu....
Mas não acabou, acredite...
você ainda será bela,
(dadivosamente bela)
a mais harmônica aquarela,
aquela a quem me refugio,
a serenidade que me traz estio,
vitalidade que me nutre
diante meus vazios...
agora sua beleza não é mais utópica:
meu sonho em tê-la se desfez, feito areia;
você nunca esteve tão distante,
contudo ainda está em mim de alguma maneira...
seu corpo nunca será meu:
seremos como promessas de Julieta a Romeu – santos
que não devem ser tocados,
peregrinos que profanam num beijo cálido
a alma chagada dos que amam e querem...
nossa estrela é ainda ligação,
nela me atento, peço em oração
que o verbo de nossas carnes conjugue um eterno amar,
uma inefável concisão...
este paradoxo em ser fraco,
deixar-me opaco,
de não ir ao seu encontro
de não ser perfeito pra você...
é um amar mais consciente agora, friso;
você ainda e será o que preciso,
mas agora compreendi que o final desta ciranda
poderá ser solidão de rede na varanda,
mas ainda perpertuará esta amizade concisa
nela me atenho, não quero sua censura...
Você é quem me faz homem com lisura,
meu palíndromo mais oculto,
inaudível que mais ressoa em mim...
segunda-feira, 13 de junho de 2011
RETALHOS DADAÍSTAS (VOO SER)
“É preciso transver o mundo.” (Manoel de Barros)
Novas rugas do meu pai,
velhas rusgas de mim...
abro meus olhos fechados.
Fecho então meu olhar aberto:
é lá onde lhe encontro...
Meus dentes sangram minha vaidade feia;
duma idade que vai,
entre tantos ais,
deixando cais,
ancorado num coroado ser...
Não acabar,
sim caber
apenas carpir...
ver além
a ler mãos,
a ler manhas...
escrevo o que vejo,
linhas paralelas que são meus olhos,
assim,
dizendo perco a força do que sou.
Então cravo: escrevo...
e faço como pássaro fazendo bioma
no dorso do rinoceronte...
bocas que não beijei,
bocas que me disseram não:
eu
não
ou eu vão ?!
retalhos dadaístas,
nexo sem anexar,
axiomas que beira-mar
marcas ou cacos...
dizer (des)dizer
desdenhar da fala,
desenhar o fato
transver o mundo...
seguir sem significados,
poema sem moral fabular
apenas inventar
ventar a pena que não voa,
translúcida, apenas...
planar, homem alado...
dizer, pra quê ?!
o poema é o que sou...
sou o que o poema é:
quebra-cabeça, cuca, cuco...
tempo templo,
tic-tac...
tudo numa brusca busca,
juntando quandos,
andando andares
passar passeando
passar e andar,
pedaços de cadarços,
nós de laços,
unção de nós...
de você...
de mim,
do fundo do rim,
dum eterno voo ser...
Novas rugas do meu pai,
velhas rusgas de mim...
abro meus olhos fechados.
Fecho então meu olhar aberto:
é lá onde lhe encontro...
Meus dentes sangram minha vaidade feia;
duma idade que vai,
entre tantos ais,
deixando cais,
ancorado num coroado ser...
Não acabar,
sim caber
apenas carpir...
ver além
a ler mãos,
a ler manhas...
escrevo o que vejo,
linhas paralelas que são meus olhos,
assim,
dizendo perco a força do que sou.
Então cravo: escrevo...
e faço como pássaro fazendo bioma
no dorso do rinoceronte...
bocas que não beijei,
bocas que me disseram não:
eu
não
ou eu vão ?!
retalhos dadaístas,
nexo sem anexar,
axiomas que beira-mar
marcas ou cacos...
dizer (des)dizer
desdenhar da fala,
desenhar o fato
transver o mundo...
seguir sem significados,
poema sem moral fabular
apenas inventar
ventar a pena que não voa,
translúcida, apenas...
planar, homem alado...
dizer, pra quê ?!
o poema é o que sou...
sou o que o poema é:
quebra-cabeça, cuca, cuco...
tempo templo,
tic-tac...
tudo numa brusca busca,
juntando quandos,
andando andares
passar passeando
passar e andar,
pedaços de cadarços,
nós de laços,
unção de nós...
de você...
de mim,
do fundo do rim,
dum eterno voo ser...
segunda-feira, 6 de junho de 2011
EQUÍVOCOS (A CARA DO AFONSINHO)
Os seres humanos estão no mundo pra comerem uns aos outros. Assim pelo menos pensava Tobias, mequetrefe metido a galã, pegador digno, nato e de carteirinha. Contudo ele será o antagonista desta história. Foquemos no seu antípoda, Fidípedes, que desembaraçadamente encontra-se naquele mesmo bar, reduto dos happy hours de alguns escritórios e empresas adjacentes...
- E aí, Fidípedes ?!
Este dá apenas um leve aceno e um “oi” inaudível.
- Tudo na paz, meu querido ?! Posso me sentar aqui ?! – apontando pruma cadeira vazia.
Fidípedes concorda.
- E aí, como vai esta caçada ?!
Ele estranha o termo “caçada”.
- Caçada ?!
- Sim, seu mané... Caçada de mulher, de sexo selvagem, me entende...
A pergunta soa como uma certeza de entendimento. Porém Fidípedes não entendia nada. A única coisa que ele queria era tomar seu chope em paz, pegar um táxi, chegar em casa, preparar algo no microondas, ver alguma série na TV (talvez até a National Geographic, cogitou...) e dormir cedo. Pensou em listar tudo isto para ele, contudo Tobias intervêm:
- Hoje é sexta, cara... Sexta !!! Sacou ?! Sexta-feira é dia de dar umazinha, é de lei, obrigação universal !!!
Sexo certamente era a última coisa na qual pensara. Não que fosse adepto à quaisquer celibatos, muito contrário disto: há tempos que se definira “na seca” e sentia uma certa necessidade de “dar umazinha”, conforme o dito por aquele que naquele momento estava numa intercomunicação com uma garota duma outra mesa...
- Bem, pelo jeito minha noite vai ser das melhores... – diz pondo a boca na tulipa de chope do outro.
Fidípedes dar uma olhada discreta pro lado e percebe uma loira, linda, tipo estagiária, 20 aninhos estourando... Tobias se levanta em direção a esta. Mas, antes, ainda diz pro inócuo:
- Cara, percebi agora: você é a cara do Afonsinho... Você deveria usar isto a seu favor. O carinha traçava geral...
Antes mesmo que Fidípedes pudesse questionar quem seria o tal mencionado, Tobias avança em direção à garota. Não tolerava aquele sujeito. Quer dizer, não que fosse uma má pessoa, muito longe disto... Era um garotão, destes que chegam na contabilidade ainda cheirando à mamadeira. Certamente tinha a inexperiência de não ter lido um Proust na vida... Mas, mesmo entendo se tratar dum infante, para Fidípedes esta criatura chegava ao terror dum nefasto ser do Hades !!!
Mal ele poderia imaginar o quão importante seria a informação lhe dada. Quando começava a abstrair o porquê duma possível coincidência facial com uma pessoa do qual não sabia da insígnia, uma moça – destas que nunca falaria com ele – chega e lhe aborda:
- Afonsinho, quanto tempo...
Embasbacado com aquilo, respondeu no automático:
- Não, a senhorita se confundiu... Não sou o Afonsinho...
Logo pensou o porquê de ter aplicado o artigo “o”, assim no definido, como se conhecesse este homem do qual carregaria a sina da semelhança... Contudo, mal assentado estava estes seus paradoxos mosaicos, chega uma outra, morena cor de jambo, mulata escultural... Enroscando-se em seu pescoço, logo sai exclamando:
- Afonsinho, seu puto... Cê tá sumido hein... Esqueceu-se da sua Íris aqui, foi ?!
Dádivo daquilo tudo, Fidípedes faz da honestidade um rícino que desce-lhe a goela:
- Queria até sê-lo, mas não sou este Afonsinho. Perdoe-me...
Logo a garota desgruda-se do cachaço alheio:
- Bem que eu percebi... Faltou-lhe a pegada do Afonsinho, sei lá... Eu é quem lhe peço desculpas. Foi mal...
E sai. Não entendia aquela lógica: quem seria Afonsinho ?! Seria um monstro que sugou-lhe a mais visível de suas essências, parte siamesa da qual fora abastado , fruto bom de suas ramificações genealógicas ?! Queria um cigarro, mas prometeu parar de fumar logo que soubera de algumas disritmias um tanto quanto inconstantes, pensou em pedir mais um chope, mas imaginou que a soberba poderia ser pecaminosa e os resultados, desastroso... Decide então ficar congelado no canto, esperando que aquela ironia do destino tivesse um prolongado fim. Bebe duma só vez o resto que havia em seu copo, olha as horas e manda às favas todos os seus tradicionais compromissos. Só não sabia se havia feito aquilo por ousadia ou medo da situação. Suas pernas tremiam. É o momento em que outra figura se aproxima.
- Afonsinho ?!
- Bem, se eu for ele, o que ganho ?!
A moça – sem pedir – senta-se ao lado e retruca:
- Como assim ?! Você é o Afonsinho ou não ?!
Ele bufa, quis esmurrar a mesa de ferro:
- É, você tem razão... Não, não sou o Afonsinho. Está feliz ?!
Sentindo que fora um tanto grosso, quase pede um “desculpa”. Emudeceu, esperando alguma reação newtoniana...
- Bem, assim... Feliz tou não, já que esperava o Afonsinho, mas... Cara, você é muito igual ao Afonsinho viu...
Então Fidípedes resolveu prolongar o “engano”:
- Posso te pagar uma bebida ?!
A moça dá um sorriso de canto, talvez pondera se seria uma boa, olha pro teto, pra janela, pra si mesma...
- Hum, bebida... Acho que não. Mas podíamos rachar uma bagana. Topas ?!
Aquilo estava indo muito além da sua ética. Fidípedes engole seco, logo raciocina: quando, em sã consciência, poderia pegar uma garota daquelas ?! Mas narcóticos, cara, narcóticos... Pensou na mãe assando biscoitos enquanto entoava cantos religiosos. E no avó, manco duma perna e que cantava, em basco, a Internacional socialista. Não sabia porquê viera assim a imagem do avó. Encarou como um sinal e perguntou:
- Maconha ?!
- Fala baixo, cara... – pedindo um certo cochicho – É, maconha... Curte ?!
A maldita balança de pesar consciências... Não sabia o que responder, suava frio, suas mãos estavam empapadas. Sabia que seria mané caso dispensasse uma gata só por questões . Contudo prometera que nunca botaria um entorpecente no seu organismo. Tentou pensar numa música, isto poderia abstrair a situação... Lhe veio então os violinos do The Verve em “Bitter Sweet Symphony”. Tentava em vão extrair algo dos olhos daquela garota...
- E então, seu zé-ruela ?! Vamos ou não ?!
E Fidípedes gagueja barbaramante uma resposta.
- Xi, pelo jeito é careta... Se fosse o Afonsinho não negava não...
Novamente lhe aparecia este fantasma estrangeiro, este nominável sem rosto... Ou pior, com um rosto sim: o do próprio Fidípedes !!! Não sabia o que fazer, sentiu-se como um fausto goethiano diante da perca do tudo...
- É, seu bundão, vou vazar. Ok ?!
Ela se levanta, mas agilmente nosso herói a agarra pelo braço, travando suas intenções.
- Espere um pouco. Que se foda este meu mundinho, que se foda por um momento o Fidípedes que sou... Só por hoje, neste exato momento serei o Afonsinho que não conheço, contudo me parece tão íntimo... – respirou bem fundo, a paralisia parecia findada e ele finalmente se levanta – Vambora fumar esta porra e depois vamos dar umas, baby !!!
Antes da moça sorri ou topar, ele anuncia em catarse:
- Fidípedes morreu e talvez ressuscite no terceiro dia !!! Viva ao novo Afonsinho !!!
E para espanto de Tobias e meia nação de gatos pingados daquele já batido boteco de esquina, Fidípedes sai entrelaçando seu braço numa bela e escultura cintura juvenil de nossos tempos...
- E aí, Fidípedes ?!
Este dá apenas um leve aceno e um “oi” inaudível.
- Tudo na paz, meu querido ?! Posso me sentar aqui ?! – apontando pruma cadeira vazia.
Fidípedes concorda.
- E aí, como vai esta caçada ?!
Ele estranha o termo “caçada”.
- Caçada ?!
- Sim, seu mané... Caçada de mulher, de sexo selvagem, me entende...
A pergunta soa como uma certeza de entendimento. Porém Fidípedes não entendia nada. A única coisa que ele queria era tomar seu chope em paz, pegar um táxi, chegar em casa, preparar algo no microondas, ver alguma série na TV (talvez até a National Geographic, cogitou...) e dormir cedo. Pensou em listar tudo isto para ele, contudo Tobias intervêm:
- Hoje é sexta, cara... Sexta !!! Sacou ?! Sexta-feira é dia de dar umazinha, é de lei, obrigação universal !!!
Sexo certamente era a última coisa na qual pensara. Não que fosse adepto à quaisquer celibatos, muito contrário disto: há tempos que se definira “na seca” e sentia uma certa necessidade de “dar umazinha”, conforme o dito por aquele que naquele momento estava numa intercomunicação com uma garota duma outra mesa...
- Bem, pelo jeito minha noite vai ser das melhores... – diz pondo a boca na tulipa de chope do outro.
Fidípedes dar uma olhada discreta pro lado e percebe uma loira, linda, tipo estagiária, 20 aninhos estourando... Tobias se levanta em direção a esta. Mas, antes, ainda diz pro inócuo:
- Cara, percebi agora: você é a cara do Afonsinho... Você deveria usar isto a seu favor. O carinha traçava geral...
Antes mesmo que Fidípedes pudesse questionar quem seria o tal mencionado, Tobias avança em direção à garota. Não tolerava aquele sujeito. Quer dizer, não que fosse uma má pessoa, muito longe disto... Era um garotão, destes que chegam na contabilidade ainda cheirando à mamadeira. Certamente tinha a inexperiência de não ter lido um Proust na vida... Mas, mesmo entendo se tratar dum infante, para Fidípedes esta criatura chegava ao terror dum nefasto ser do Hades !!!
Mal ele poderia imaginar o quão importante seria a informação lhe dada. Quando começava a abstrair o porquê duma possível coincidência facial com uma pessoa do qual não sabia da insígnia, uma moça – destas que nunca falaria com ele – chega e lhe aborda:
- Afonsinho, quanto tempo...
Embasbacado com aquilo, respondeu no automático:
- Não, a senhorita se confundiu... Não sou o Afonsinho...
Logo pensou o porquê de ter aplicado o artigo “o”, assim no definido, como se conhecesse este homem do qual carregaria a sina da semelhança... Contudo, mal assentado estava estes seus paradoxos mosaicos, chega uma outra, morena cor de jambo, mulata escultural... Enroscando-se em seu pescoço, logo sai exclamando:
- Afonsinho, seu puto... Cê tá sumido hein... Esqueceu-se da sua Íris aqui, foi ?!
Dádivo daquilo tudo, Fidípedes faz da honestidade um rícino que desce-lhe a goela:
- Queria até sê-lo, mas não sou este Afonsinho. Perdoe-me...
Logo a garota desgruda-se do cachaço alheio:
- Bem que eu percebi... Faltou-lhe a pegada do Afonsinho, sei lá... Eu é quem lhe peço desculpas. Foi mal...
E sai. Não entendia aquela lógica: quem seria Afonsinho ?! Seria um monstro que sugou-lhe a mais visível de suas essências, parte siamesa da qual fora abastado , fruto bom de suas ramificações genealógicas ?! Queria um cigarro, mas prometeu parar de fumar logo que soubera de algumas disritmias um tanto quanto inconstantes, pensou em pedir mais um chope, mas imaginou que a soberba poderia ser pecaminosa e os resultados, desastroso... Decide então ficar congelado no canto, esperando que aquela ironia do destino tivesse um prolongado fim. Bebe duma só vez o resto que havia em seu copo, olha as horas e manda às favas todos os seus tradicionais compromissos. Só não sabia se havia feito aquilo por ousadia ou medo da situação. Suas pernas tremiam. É o momento em que outra figura se aproxima.
- Afonsinho ?!
- Bem, se eu for ele, o que ganho ?!
A moça – sem pedir – senta-se ao lado e retruca:
- Como assim ?! Você é o Afonsinho ou não ?!
Ele bufa, quis esmurrar a mesa de ferro:
- É, você tem razão... Não, não sou o Afonsinho. Está feliz ?!
Sentindo que fora um tanto grosso, quase pede um “desculpa”. Emudeceu, esperando alguma reação newtoniana...
- Bem, assim... Feliz tou não, já que esperava o Afonsinho, mas... Cara, você é muito igual ao Afonsinho viu...
Então Fidípedes resolveu prolongar o “engano”:
- Posso te pagar uma bebida ?!
A moça dá um sorriso de canto, talvez pondera se seria uma boa, olha pro teto, pra janela, pra si mesma...
- Hum, bebida... Acho que não. Mas podíamos rachar uma bagana. Topas ?!
Aquilo estava indo muito além da sua ética. Fidípedes engole seco, logo raciocina: quando, em sã consciência, poderia pegar uma garota daquelas ?! Mas narcóticos, cara, narcóticos... Pensou na mãe assando biscoitos enquanto entoava cantos religiosos. E no avó, manco duma perna e que cantava, em basco, a Internacional socialista. Não sabia porquê viera assim a imagem do avó. Encarou como um sinal e perguntou:
- Maconha ?!
- Fala baixo, cara... – pedindo um certo cochicho – É, maconha... Curte ?!
A maldita balança de pesar consciências... Não sabia o que responder, suava frio, suas mãos estavam empapadas. Sabia que seria mané caso dispensasse uma gata só por questões . Contudo prometera que nunca botaria um entorpecente no seu organismo. Tentou pensar numa música, isto poderia abstrair a situação... Lhe veio então os violinos do The Verve em “Bitter Sweet Symphony”. Tentava em vão extrair algo dos olhos daquela garota...
- E então, seu zé-ruela ?! Vamos ou não ?!
E Fidípedes gagueja barbaramante uma resposta.
- Xi, pelo jeito é careta... Se fosse o Afonsinho não negava não...
Novamente lhe aparecia este fantasma estrangeiro, este nominável sem rosto... Ou pior, com um rosto sim: o do próprio Fidípedes !!! Não sabia o que fazer, sentiu-se como um fausto goethiano diante da perca do tudo...
- É, seu bundão, vou vazar. Ok ?!
Ela se levanta, mas agilmente nosso herói a agarra pelo braço, travando suas intenções.
- Espere um pouco. Que se foda este meu mundinho, que se foda por um momento o Fidípedes que sou... Só por hoje, neste exato momento serei o Afonsinho que não conheço, contudo me parece tão íntimo... – respirou bem fundo, a paralisia parecia findada e ele finalmente se levanta – Vambora fumar esta porra e depois vamos dar umas, baby !!!
Antes da moça sorri ou topar, ele anuncia em catarse:
- Fidípedes morreu e talvez ressuscite no terceiro dia !!! Viva ao novo Afonsinho !!!
E para espanto de Tobias e meia nação de gatos pingados daquele já batido boteco de esquina, Fidípedes sai entrelaçando seu braço numa bela e escultura cintura juvenil de nossos tempos...
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