Uma entrevista comigo, dada à Marcelo Novaes – inicialmente no “Bloco de Notas” (já desativado), e agora publicada em seu novo blog (futuramente pueril, conforme o próprio) “Uns Tantos” (http://marceloconversacom.blogspot.com)
MN: Mateus, qual o tamanho do passo da prosa cotidiana de cada dia para a poesia?
MD: Em primeiro lugar agradeço a atenção que me é dada pelo “Bloco de Notas”. Nem sei se tenho maturidade suficiente ou obra contunda para uma entrevista de tal porte... mas, respondendo à pergunta: o tamanho deste passo é a própria dimensão da vida. Poesia é descrição de vida, oscilada com pontos surreais e/ou imaginários. Já a prosa é a versão escarrada disto. Viver é um eterno conto a ser contado... ou seria também um poema a ser declamado?! (risos) Me atento em especial ao redundante “cotidiano de cada dia”... sim, porque há dias que não soam tão cotidianos (no sentido mais buarquiano da palavra), né?! Contudo o “cada dia” já nos remete a algo bem cotidiano... ah, sei lá!!!! Sou um eterno paradoxo... (risos)
MN: Diz você, Dourado, em Furta-Cor: sentir-se/ peixinho verde/ no meio/ do mar vermelho,/ enquanto o espelho solene(mente) reflete: “perde, perde...” Das perdas se arrancam poemas? Ou em termos de filme americano: "Are you a loser, man?"
MD: Não sei se necessariamente “arrancam poemas”, mas a derrota faz parte da vida, concorda?! Perder é o primeiro passo para se valorizar uma vitória. Só sabemos o delicado gosto de vencer depois ou através do acre sabor da derrota. Soa meio Los Hermanos e é bem “Loser mano” mesmo (risos). Mas enfim... estes versos em especial, assim como quase toda a minha obra, retratam situações autobiográficas, momentos que se passam comigo e que os criptografo em poesia. Nesta poesia tentei mencionar o lance do procurar “se encaixar no mundo”, tal qual o quebra-cabeça que é o nosso viver... e claro que caminho pelo lado do não-encaixe, por isso mesmo do tal “perde, perde...”. Este talvez seja o meu grande dilema: procurar me encontrar no mundo. E não falo apenas no âmbito social, mas sim e também no aspecto psicológico, econômico, passional, familiar e, principalmente, humano.
MN: Há o impulso de "gravar o selvagem ou as coisificações do puro" [expressão sua], desde as pinturas rupestres. A solidão também impele [ou compele, dependendo do grau], e talvez faça parte da mesma equação. Eu, aqui, te lembro uma pequena coisa: desenham-se animais [ou mimetizam-se suas danças] para depois caçá-los, ou deles se aproximar. Disso concluo que se escrevem poemas para se aproximar "da coisa selvagem" ou dar "alguma forma possível ao puro". A poesia te permite essas duas faces das possibilidades da grafia-ritual, ou, por outro lado, "é um saco ser lido por um psicólogo junguiano"?
MD: (Risos) Só Jung tem poder !!!! (risos) Bem... acho que este verso deve ter sido influência de minhas leituras de Manoel de Barros. Mas analisando-a, sei lá... pode também ser algo rousseauniano, aquela parada de se buscar o primordial homem natural, saca ?! Mas creio nos gráficos como acalanto para a solidão humana, como aquela sensação de achar que o mundo todo te ler ou te lerá um dia, que escrever, pintar, atuar ou qualquer forma de arte te aproxima da humanidade como um todo... poetisar me faz humano (não tão demasiado, mas ainda sim humano...). “Escrevo porque não falo”, já diagnostiquei um dia num escrito meu... e todo mundo precisa dizer algo. E é claro que sempre se diz algo a alguém, como nossas professoras de Português já diriam em aulas sobres verbos e seus transitivos... (risos). E é também a poesia (linguajar dos deuses?!) nosso balbuciar primeiro. Antes o “poemar” do que o pragmatismos dos “pêa-pá, PA... pêa-pé, PE...” que nossos pais nos ensinam para um melhor dialogar!!!!! Falei abobrinhas demais?! (risos)
MN: Caetano e Betânia fazem parte [e são parte] da tua trilha sonora a embalar poemas. Além de serem baianos [como você], esses dois fazem verdadeiros "acalantos". Em termos de "trilha de fundo", o que mais acalenta teus versos? Certa cantiga tua me remete a seresteiros de outrora [talvez você ouvisse os discos de seus pais...]. Fale um pouco deste imaginário poético-musical. Devo lhe dizer que outro dia, vi um documentário sobre Silvio Caldas e Orestes Barbosa e me inspirei... [pra falar de coisas como "calúnia", por exemplo, os antigos pegavam na veia, não só dor de cotovelo...].
MD: Não consigo conceber poesia sem música. Me parece insensato um poema concebido em estado de total mudez... e, graças a lira de Orfeu, a música industrial-comercial nos delicia com bons instantes e insights de contemplação e hedonismo... Agora mesmo respondo esta pergunta ouvindo o incrível “Matita Perê”, disco de Tom Jobim de 1973 (e quando menciono referências não é com intenção de ser ou parecer esnobe, besta... cito-as com sinceridade, com espírito solidário, vontade de dividir o que ouço com meus leitores...). É um ato altruísta, saca?! Como se eu pudesse dizer “cara, leia este poema ouvindo tal álbum, tal som...”. Gosto muito da rotulada MPB no geral, rock nacional e internacional, samba (Cartola já embalou muitos momentos meus...) e outros, outros... agora minha tara maior é música antiga. Costumo dizer que me excito com música cheirando a mofo (risos) – quando vejo uma data tipo anos 50, anos 60 do século passado, ah... entro em transe total !!!!! (risos) Meus pais são musicais ao estilo deles, cada um na sua (minha mãe, por motivos religiosos, tem cadência pelo gospel; já meu pai permeia por sons mais interioranos, especialmente Luís Gonzaga e música melódico-brega...). Não tive, portanto, uma típica “herança musical”: muito do que ouvi descobri na rua, através de amigos e/ou conhecidos, na minha época de faculdade, aos poucos e num processo meio autista, entende ?!
MN: Poetas, por falarem para poucos [ou "nenhuns"] por vezes fantasiam coisas interessantes, que são brados. Eu escrevi um poema vociferante contra a letargia acadêmica e o retardo do olhar da crítica frente à literatura com um poema: "Voo solo". Agora, encontro no teu blog um "monograma". Pergunto: uma andorinha em voo solo dá pistas sobre a estação do ano? ou poesia, para ser vista e descoberta, precisa de "agito coletivo", "organização do ímpares em pares", ou movimentos, como ocorreram no passado? [A Semana de Arte de 22 seria o marco mais emblemático desse tipo de pensamento]. Quem ausculta vozes solitárias? [Se você ora, certamente concebe quem ausculte, mas não "horizontalmente"...].
MD: Já me arrisquei a fazer um “poema-coletivo”, mas confesso que gosto da coisa “casulo” que a poesia lhe proporciona, para deste então brotar o escrito... é meio transcendente, como se “as moiras da poesia” não viessem gritando para todos, mas sim num sussurro para escolhidos... Não faço parte de movimentos, mas me utilizo de alguns de seus artifícios, como a atividade poética dos concretistas, por exemplo... Poesia é me trancar no quarto e num lapso escrever... e aí você me pergunta: seria então escrever ao léu?! Bem, creio que sempre escrevemos para alguém, como já disse na pergunta 3. Hoje em dia temos muitas formas de nos divulgar de uma maneira mais introspectiva (bem tautológico esta parada de se “divulgar introspectivamente”, não ?!), seja através de rede sociais, ou então pela própria atitude de se bancar a publicação seus escritos... ou seja, podemos lançar nossa garrafa ao mar sem que necessariamente haja um receptor. Quando escrevo é assim: jogo minha mensagem e se ela atingir alguém, tudo bem... se não, o que há de se fazer?! Dizem que a criação é um dejeto que precisamos jorrar de alguma maneira... ao vencedor, as batatas, aos meus leitores, minhas fezes?! (risos)
MN: Quando você "brinca sério" de pensar o criar, salta do Logos ao Lego, retrocedendo até o apeiron como matriz primeira das coisas, antes das delimitações e conotações. Ou seja: você chegou a Anaximandro! Diga-me uma coisa, enquanto poeta pensante [não importa se incipiente]: pra que serve o filosofar sobre as questões primeiras e últimas [ainda que só cheguemos às segundas ou terceiras, e às antepenúltimas]? Filosofar é escolha ou escolho diante de nossa falta de escolha? Somos levados à filosofar, para além [ou aquém] da escola? Ou pensar em tudo isso acaba sempre em "lobotomização" ou "curto-circuito neuronal"?
MD: Pertinente esta sua pergunta... bem, sempre penso num “filosofar” do nosso senso comum, o filosofar longe dos academicismos herméticos e livre no seu mais puro pensar... é a filosofia vulgar, embrionária e eugênica, sem contaminações, o filosofar primeiro, da letra minúscula, “filosofia”... e talvez nisto aí lhe remeta aos pré-socrático. Falo da filosofia antes da Filosofia (com F maiúsculo), a indagação sem conceitualidades pré-moldadas, sem rótulos ou influências... é claro que Hegel, Nietzsche ou Merleau-Ponty tem o seu grau de importância, reverencio os seus totens e deles me embeb(ed)o... mas gosto do filosofar primário duma cantiga de vaqueiro, da filosofia das rezas populares, a filosofia indagativa do nosso cotidiano, a filosofia de bar, de calçada, das brincadeiras infantis... a philosophia anterior à Filosofia dos meus professores catedráticos!!!! (rsrsrsrsrsrsrsr). E isto é natural: balbuciamos, inocentemente, nossos primeiros “porquês”. Então é evidente que isto reflita nos meus poemas – escrevo naturalmente, as coisas veem, o filosofar é inato a isto tudo... uma premissa longe das redomas e ampolas empíricas do que nos é imposto, nos moldes da “educação pela pedra” que João Cabral de Melo Neto propõe...
MN: O amor é uma desgraça também para quem ama, ou só quando se é enjeitado?
MD: Isto faz parte da minha vertente paradoxa, saca?! (risos) Assim... o amor é tudo o que quero, é o que não consigo e por isto ojerizo... o odeio e o amo, amo-o e deixo-o... falo, evidente, do amor passional – não tenho problemas com os outros amores e desamores... a minha eterna busca pela parceira perfeita, a parte que falta para saciar meu romantismo piegas, a Ariadne, a Isolda, a Julieta, Ismália... musa carnal de meus poemas, o amor é a desgraça que quero, a experiência que falta, a inveja que sinto das mãos dadas na praça, o beijo da novela que me faz chorar... então creio que o amor (pelo menos este que decalco) seja nocivo e sujo para os enjeitados. O amor é um prêmio, apenas uma cobiça... canto-o como um trovador em tudo, meus contos são recheados de estórias rocambolescas e imbuídas de amor brega, daqueles bem “empregada que se mata por causa do namorado, bebendo ácido muriático e ao som de Odair José” (risos).
MN: Como é participar de um blog coletivo como o dos "Homens Hediondos"? Que crimes vocês impetram com a palavra? E o que [por enquanto] ainda está fora do alcance da tua palavra [longe da tua "alça de mira" de “jagunço palavrador”?].
MD: O “Homens Hediondos” foi a injeção de alucinógenos que precisava enquanto escritor. É evidente que o poeta não quer sua obra guardada ad infinitum em suas gavetas de criado-mudo... a notoriedade, o holofote, a vaidade é “a anima” do poeta!!!!! (risos) E saber que há, nalgum lugar, pessoas reunidas para divulgar seu antes “secreto escrever” é motivador, algo que nos ativa, dá combustível para ir e seguir... só tenho a agradecer ao Germano Xavier por ter me chamado pra participar desta patota motriz da literatura digital. Os “crimes” formam este “nomenclaturar hediondo” – o de transgredir, pinchar na moral canonizada de nossas “Pasárgadas manuelinas ou bilaquianas”, ou seja, do imutável caretismo dos padrões para a escrita! Fora o pitagórico na escrita!!!! (risos). Me fiz claro?!
MN: Eros é um menino tolo e travesso, eu já disse isso em algum lugar. Certamente, imaturo. Num poemeto próprio pra twitter [144 caracteres, exercício ao qual você se dedica, vez por outra] você se pergunta se "Dionísio seria um erê". Uma das melhores perguntas sobre Dionísio dentre as muitas afirmações que leio ou ouço sobre o dito cujo. Já obteve a resposta, ou ela se dissipou depois da embriaguez?
MD: Cara, tenho total certeza que Dionísio é um infante traquinas!!!! (risos) A embriaguez nos dá esta clara evidência – embebe(da)r nos transporta pra nossa tal “felicidade clandestina” de ser criança e descobrir Monteiro Lobato, de usar bodoques e barro, de brincar e ser quixotesco nos atos e atitudes... é a manifestação do lado dionisíaco do ser!!!! Bebo, ora me torno um erê, silogismo puro!!!! Este “quase-haikai” específico surgiu diante aquele questionar sobre suas tolas ações diante dum porre – o porquê de tornar-me tão bobo diante uma boa “cachaçada” entre amigos?! Não sei se a dúvida é universal, mas a universalizo para o cruzamento comum que a literatura nos permite... (risos) E quanto ao “poema-twitter” que mencionou (sei que não é o mote da pergunta, mas ainda sim senti necessidade de falar - se é que me é possível tal hiato aqui...) é a uma tentativa íntima para as adaptações que as gerações e as eras nos impõem, como a revolução do verso livre para os parnasianos, por exemplo... a necessidade da reciclagem, do mover as teias de aranhas em nossos nebulosos cantos, enfim... você deve ter percebido que adoro usar três pontos em meus argumentos, não é?! Seria uma forma de pôr respostas sem uma conclusão padrão?! Como já disse aqui: “sou um eterno paradoxo” (risos).
MN: Obrigado, Mateus.
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