domingo, 27 de julho de 2014

NÃO SAI



Pra descoberta de um alguém com outro alguém...

Leio Urtigão e não sai,
tomo minha Brahma e não sai,
escrevo, emendo, cozinho, coso,
tranco-me em minha casa,
vigio meu ser e não sai...

Vejo outras saias e não sai,
me atento ao que vai e não sai,
não entendo e não sai,
impero-me rei, tempero tempo,
busco distração, alguma atração,
o mínimo de fração
e não sai...

Benzo-me, olho olhos,
pernoito em pernas, prevejo saudades,
lamurio meus ais,
ranjo-me, tanjo-me em procuras,
não há curas, nem caras, faces raras
tudo parece vão, tudo vai
e não sai...

quarta-feira, 9 de julho de 2014

AMÉRICA NÃO, BANGU !!!


- Bangu ?!
- Bangu.
- Não é América não ?!
- Não. É Bangu...
- Jura ?! Bangu ?!
- Juro. Bangu.
- Bangu ?!
- É, Bangu...
Um longo “ah” durante a visualização daquela camisa.
- Ela é bonita, lembra a do Náutico... Tem certeza que é do Bangu ?!
- Tanto quanto a de que somos terráqueos...
- Hum, certo... Bangu mesmo ?!
- É, Bangu...
Longo “hum” após pegar um bolinho de bacalhau. Beberico um gole da já requentada cerveja...
- E por quê ?!
- Por quê o quê ?!
- Por quê América ?!
- Não é América, é Bangu...
- Bangu ?!
- É, Bangu...
- Certo. Por quê ?!
- Por quê Bangu ?!
- Sim, por quê ?!
- Bem, sei lá... Porque achei bonita, acho bonita esta combinação de cores, as linhas verticais...
Mas um “hum”, alternando com dois “ah” e mais um bolinho. Limpa a mão, o canto da boca, pede mais uma pro garçom, logo voltando a indagar:
- Mas você não é tricolor ?!
- Não, vascaíno...
- Eu, vascaíno ?!
- Não, eu. Eu sou vascaíno !
- Mas esta camisa não é do América ?!
- América não, Bangu...
- Bangu ?!
- É, Bangu...
- Você então é vascaíno ?!
- Desde moleque...
- E veste uma camisa do Bangu...
- Ué, e por que não ?! É uma bela camisa, é Adidas...
- Oras, não é do Bangu ?!
- Sim, é do Bangu. A marca que é Adidas... Esta é uma réplica da de 85...
- Certo... Réplica de 85 do Bangu ?!
- Sim, do Bangu...
- Do América não ?!
- Não.
- Mas parece com a do América...
- Parece, mas não é... É do Bangu.
- Bangu ?!
- É, Bangu...
- Será que você não está se confundindo ?!
- Não, tenho certeza absoluta...
- Certeza absoluta que é do Bangu ?!
- É, do Bangu...
- Mas a do América também é vermelha e branca...
- Assim como o Internacional de Porto Alegre. E nem por isso esta camisa é do Inter. Ela é do Bangu...
- Peraí: Internacional ou Bangu ?!
- Bangu.
- Bangu ?!
- É, Bangu...
- E se você for daltônico e esta camisa for, sei lá, do Palmeiras ?!
Quase engasgo mediante tamanha observação.
- Como é que é ?!
- Sim, se você confundir vermelho com verde...
- Eu sei o que é daltonismo...
Chega a cerveja. Ele nos serve. Continuo:
- Isto aqui lhe parece verde ?!
- Não, pra mim isto é vermelho...
- Ora, e então ?!
- Mas a questão não é o que parece pra mim. Tenho certeza absoluta que ela é vermelha e branca. Mas de repente você comprou uma verde achando que é rubra e tal, sei lá, pode acontecer...
- Isto é um absurdo !!!
- Não, é bem possível... Daltonismo é bem mais comum do que pensamos. Eu, por exemplo, tenho uma tia-avó que...
- Esta camisa é do Bangu, é vermelha e branca, como nós a enxergamos e pronto, papo encerrado !!!
Dou um leve murro na mesa, o suficiente para chacoalhar o prato com os quitutes. O outro me observa meio de lado, parece pedir uma calma inconsciente, tira um maço do bolso, observa não haver mais cigarros, bufa, olha pra mim, pro copo, dá um gole ávido, logo proclamando:
- Tu é louco mesmo, Ramos...
- Ramos não. Pereira.
- Pereira ?!
- Sim, Pereira. Meu nome é Menervino Pereira...
- E eu disse...
- Você disse Ramos. Ramos é o contínuo, eu sou das finanças...
- Ah, certo... Pôxa, Pereira, você é louco...
- Louco por quê ?!
- Torcer pro Bangu... É Bangu, né ?!
- Não, eu torço pro Vasco...
- Vasco ?! Pois então... Vascaíno e usar uma camisa do América...
- Pela enésima vez: América não, Bangu !!!
- Bangu ?! Mas você negou a pouco que fosse Bangu...
- Não, não... – olho pro teto, impaciente, ainda buscando me controlar pra não esbofeteá-lo – Deixa eu explicar com calma, seu... Seu ?!
- Mendonça, não lembra ?! Chefe de almoxarifado...
- Certo, Mendonça, Mendonça...
Repito mais uma vez o nome dele, desta vez baixo, mastigado, ruminante, com raiva...
- Eu sou vascaíno, mas comprei uma camisa do Bangu apenas por capricho, por achar bonita, como se fosse um belo paletó, enfim...
O mentecapto sorri.
- Ia ser gozado um paletó do Bangu...
Rendo-me ao seu senso de humor e esmiúço um riso amarelo. Nos calamos por uns minutos, cada um com seu copo e fração de bolinhos. Mendonça corta o decretado silêncio ao perguntar se eu tinha cigarros. Nego, me impero uma saída pra urgente, ponho meu chapéu, esforço uma levantada, quando ele então solta:
- América, cara... Tu é maluco mesmo...
Neste instante pulo em cima do pescoço dele, tentando esganá-lo com uma fúria animalesca inédita para mim. Cria-se uma roda de transeuntes, uns gritando, outros apenas olhando... Amigos adjacentes então me puxam para fora do bar, contudo saio gritando:

- América não, Bangu... Bangu !!!