sexta-feira, 11 de julho de 2008

O QUE VAI

Para Ênio (in memorian), ao som de "Sapato Novo" (Los Hermanos)

O que vai
deixa seus rastros,
grãos de areias de eternas chagas,
lembranças correm, ficam...
A vida é tão doce
A vida é tão oleosa
A vida é ávida
o que é a vida ?
A vida é o amor que se deixa,
a vida é amar.

O que vai,uma pomba
que risca o céu,
uma estrela ao pôr-do-sol,
mais um mar no mapa...
A lágrima cai, brota no sol a rosa fosca,
drena o chão destas marcas,
um vermelho que nossos olhos sempre recordarão.

(2004)

A ÚLTIMA ESTRELA FINDOU

Para Carol (boa colega da época de faculdade)

A última estrela findou
e com ela, todas as esperanças...
A última estrela findou.
Assim, sem deixar vestígios
sem papiros
sem som.
Exausta, a última estrela findou.
A última estrela
sem fim
nem começo.
Ela, um pontinho brilhante
tão distante de qualquer constelação,
tão distante de qualquer homem,
de qualquer observatório.
Um pontinho brilhante, insignificante, ausente...
Essa mesma última estrela,
última estrela...

Deixo o copo de vinho domar o corpo que julgo ser meu.
E um amanhã escuro vence
a retina cansada de ver várias manhãs.

(2004)

EU, ELA E UMA CANOA

Ainda eram tempos de amizades.
Falávamos como siameses separados ao nascer,
tinhamos algo em comum (muitas coisas em comum, acho...).
Talvez eu fosse dela e ela nunca soubesse...
Um dia, numa descoberta:
Eu, ela e uma canoa.
Afastados de tudo e de todos.
Não propusemos uma linda fuga.
Quis beijá-la, então ?!
Beijá-la... e se ?!
Quebrar um voto de amizade ?!
Afastei.
Não quis querendo.
Eu, ela e uma canoa.

E depois disto,o amor,
de tão pouco, acabou-se.
Da gente, apenas trevas...
Mas um dia, sem algo remoto, a lembrança veio-me à tona:
recordei veredas e uma abandonada canoa.
Foi quando a vi.
E achava que o seu fantasma não morava mais em mim...
Escombros de você apareceu-me, assim:
seu sorriso,
seu gosto,
nossas conversas.
Contudo não o alimentei, preferi-lo estático, feito quadro.
Contemplei-o, degustei deste mel.
Então virei pro lado, dobrei esquinas
e quis viver minha vida.

(2005)

terça-feira, 8 de julho de 2008

SONETO PORNOGRÁFICO

Caída manta, vejo teu corpo nu !
Despidos seios magnos de magia,
Bela num brilho interno, és tú
Oh, dádiva, digna de alta elegia !

Eu, num ósculo dádivo de pecados
Despertando instintos em brios
Colhendo da fruta nos lábios tocados,
Decifrando em ti os intocados frios.

Teu corpo no meu, imã do meu viver
Suores e vapores, sal do teu gozar
Urros de minha língua tântrica e vil

A beleza, mulher, molhada em prazer
Tatos e sinestesias, toque pueril
Da noite sem sonos que tu podes me dar.

(2005)

POEMA, SER MORTO

...E que fosse revolucionário !
Podia soar como jargão de um rebelde zapatista...
Mas é, somente, o desejo de um poeta...
O quieto poeta, o poema que não se lê: Poema, ser morto...
Queria alguém para ler este poema
Alguém que lêsse estas palavras invisíveis...
E as traduzisse...
E as interpretasse em torpor...
Saindo do estágio analfabético do blá-blé-bli de meus poemas.

(2005)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A COR

A cor está acima dos telhados
que invento num papel,
somente quero te aquecer
te esquecer ou te guardar no seu bolso...
A cor viajou no mar,
quis namorar, casar contigo...
desbotando em mim, o seu botão em flor.
A cor decorou de cor,
a cor que acabou
ficou acabada, tão cinza de cor.
A cor me cortejou, me fiou,
encheu-me de fios, de favos, de luz.
A cor cansou-se do mar,
das ilhas, do bem-amar,
dos benzinhos e das nuvens.
A cor levou-se a sério:
a cor suicidou-se.

(2006)

UMA ANTIGA CANÇÃO

Para Aurélio, in memorian

Como uma antiga canção que soa nas mentes azuis de assombro
o estúpido destino abraça suas asas do inaceitável,
eu não sei porquê...
Vejo pessoas que choram
e minhas lágrimas invisíveis molham melodias e dias de breu...
Sintetizo minha dor no abraço não dado:
as vezes o melhor abraço é a ausência de abraços -
mando a força de meus braços, tudo bem ?
A vida é erva-daninha
A vida é flor
A vida, muitas vezes, pode ser a extrema raiva,
na vida sempre haverá espaços pros amores e lembranças cruas.
Lembranças que virão, algo que doí
algo que corroí alguma coisa, que constroí, algo que trai...
A vida pode ser o carnaval que emudeceu,
a vida é o Carnaval que não podia acabar.
A faixa preta simboliza a vida que, ausente do corpo,
tornou-se coração e viajou.
Como uma antiga canção lembrada para todo o sempre.

(2006)

PROS OLHOS DE MEU BEM

Estes olhos cálidos, calados
um cajado de madrepérola
diamante lapidado
olhos límpidos...
Brilho dádivo
divino olhar
olhos do bem
olhos do meu bem, do meu bem viver
olhar...
Estes olhos mel,
olhos meus nos seus,
olhar vago no seu olhar invasor
seu olhar censor
estes olhos libertinos...
Olhar clandestino
um puro olhar
austeros olhos que quero
estes olhos que tentam
olhos da menina que atenta
olhos que me nutre e sustenta
olhos que elevam, gravitam constelações
executam oscilações;
olhos negros de tão claros
azul marinho, verde lorquiano...
Pare com este olhar !!

Pros olhos do meu bem
a canção do rouxinol-carcará
no abrir da rosa mais orvalhada...
Onde estará este olhar que me diz
exatamente nada
quando há tudo por olhar ?
Estaria olhando pra dragões ainda invisivéis
ou para os cantos demasiados cantos ?
Estaria cantando o coral nos corais do solo-mar ?
Olhar que delira este poema-fantasia,
a razão mais concreta (o exame oftalmológico !)
e o cegar gris que me faz ser tão micro...
faz-me cego pro seu ego
ou clarividentes sintonias que desviam curvas quaisquer...
Tudo isto nos seus olhos,
apenas no seu olhar...

(2006)

quinta-feira, 3 de julho de 2008