sábado, 29 de novembro de 2008

A PAIXÃO

A paixão mata aos poucos,
como um cálice de veneno letal e demorado que
por nossas artérias consumissem
um momento de insanidade já roubada,
a paixão é o cegar ao ver qualquer luz,
o bronze estandarte nas flâmulas que dançam,
a paixão é o vício químico das palavras,
o cheiro da manhã prometido,
profecia do mar revolto,
a paixão é o "é", o "pós", o "neo"...

A paixão é Lorca:
"Todas as rosas são brancas,
tão brancas qual minha pena.
...a neve da alma possui copos
de beijos e cenas
que se fundiram na sombra
ou an luz de quem as pensa..."
A paixão é o devir dos tempos,
roca que gira e fabrica ilusões,
é o amor além de tudo, além dos pontos,
do sol negro das colinas glaciais,
calor intenso na sua presença.
a paixão é a dissociação,
o caos revelador do ente,
a paixão descreve qualquer sentimento
e procura o céu... ou o inferno...
a paixão é o beijo com luxúria,
bala doce na garganta seca,
mural de lembranças escritas,
a voz do poeta que nos guia...
A paixão é a voz de Elis,
a balada louca que envolve o inconsciente,
dia de chuva ao seu lado,
Porto da Barra na despedida dos astros,
a paixão é o sentido da História,
a própria história é a paixão.
A paixão é o te ver todo dia,
no mesmo local,
no mesmo instante sonhado,
em seus pequenos atos divinos,
a paixão é a sobrevivência sem adeus,
a paixão é o ser sem definições.

(2003)

POEMA DO AMOR NÃO-CORRESPONDIDO

"A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo..." (Vinicius de Morais)

Um desejo bom,
um desejo fora dos nexos
em que embebedo palavras...
a insanidade
de lhe ter
e não lhe ter.
Boca sem cor
abraços entrelaçados num outro deus.
Um desejo único,
amor de ego sem correspondência
de um fruto bom,
aprisionar sua alma e sopra-la.

Ganho brilho,
brilho sem ela não é
ganho brilho dela,
ela é
poema do amor não-correspondido
consciência em gagueira de seu nome,
a atual dor
dor do corpo
corpo de outro...

Num corpo seu
copo meu,
um veneno e o reflexo seu.

(2003)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

SE PUDESSE

Se pudesse
Se não pudesse
Se pudesse antes
Sem antes tentar...
Seria vencido
Sem vencer estar,
Seria caído
Sem cair-tentar,
Se pudesse tentar,
Se pudesse cair,
Seria estar
Sem desistir,
Seria princípio,
Sempre propício,
Ser e estar.
Se pudesse
Se, ao menos, tentasse
Sempre, sempre
Seria.

(2003)

PAIXÃO, VERMELHO E AZUL

"...Procurei exprimir as paixões humanas por meio do vermelho e do azul" (Van Gogh)

A paixão é café a noite.
A paixão é um quadro.
Paixão, vermelho e azul.

Exponho.
Pingo.
Revelo.
A vela.
Aceno.

Verbalizo.
O mundo é feito de ações.
Verbalizo.

A paixão: abaixo de zero,
acima de uns.
Paixão, vermelho e azul.

(2004)

domingo, 9 de novembro de 2008

O DIA COMUM

Há pessoas que procuram olhos
e outros, somente, beijos.
Também há aqueles
de terno, interno e abrigo,
que nada procuram.

E os que procuram
morangos em florestas
e luas em conchas...

Há pessoas que procuram pessoas,
e os que esperam moedas em canecas.

E os que querem
o dia comum,
o cheiro da cor,
o botão da flor...

- Há pessoas que procuram
nos vazios dos homens
suas situações, suas soluções... -

Há pessoas que procuram o verbo,
Há pessoas, de predicados e passados,
que procuram seus adjetivos
na existência.

(2003)

O AMOR

O amor
balançou a roseira
derrubou a flor
arrancou a pétala
O amor
construiu o muro
espalhou a areia
amaldiçoou a sereia
e desvendou o medo
O amor
processou a química
acelerou as partículas
queimou a mata
desencandeou a tempestade
O amor
matou a ânsia
estourou o balão
rezou a prece

E o amor era o devir
o tempo e o movimento

O amor
venerou Vênus
assobiou seu nome
esqueceu a panela acesa no fogão.
O amor
marcou a data
observou o índio
O amor
simplesmente, amou.

(2003)

PEQUENA HISTÓRIA

Uma velha casa...
Uma velha casa com um lorde,
na velha casa amarela e depedrada.

À caminho,
o lodo afunda o lorde,
sujando sua bota verde.
Brota do verde a maçã, revelação:
a ação revela no escuro.
A vela, ponto vermelho, a maçã...

A velha clama,
chama, por seu bem, chama...
A chama da vela no fim
bem no fim, o chamar da velha.

O lorde demora,
casa pra morar quer o lorde.

Quero o lorde pra casar ! - a velha.
casa pra morar ! - o lorde.
Não demora ! - a velha.
Não, de morar ! - o lorde.

Uma velha casa com um lorde,
comum lorde,
casa velha pra morar.

(2003)

MAR NUBLADO

O mar hoje está cinza -
ele apenas incorporou a cor da neblina,
assim como os amantes
misturam-se em seus perfumes.
Será que o mar sempre foi assim ?
Será que o mar sempre foi ?
Será que o mar sempre ?
- o mar levou minhas perguntas...
... afundou-se, minhas perguntas -

O mar é o céu errante
o mar e seu errante,
sou eu a olhar o mar.
Alguém poetiza o mar, mas
o mar cinza já é um poema,
o mar é o céu errante.

O sol colore o mar
o mar já não é tão cinza
então, vejo:
o mar é minha história
(e a história é um remorso...),
o mar é meu pensamento.

(2003)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

POEMA-TÁCITO

"Olha lá, quem acha que perder é ser menor na vida..." (Los Hermanos)

Lá vem a falange negra,
Lá vem o negro folião,
Lá vem a folia constante,
Lá vem o poeta barroco,
Lá vem o poema-tácito,
Lá vem o silêncio revelador !

Lá vem a derrota,
Lá vem a jovem vitória
(e ambas se beijavam,
grudando-se para todo o sempre...)
Lá vem a guarda real,
Lá vem o quadro de Goya.

...E vindo vinha
a vida, sem
idades, cor
corante
antes
ou depois.

(Dezembro, 2003)

NADA DISSO

A chuva
que molha a folha...
A mesma chuva
que derrubou o formigueiro...
A mesma formiga
operária, molhada
e que teve o trabalho
de repartir a folha...
A mesma folha
arrancada,
que seria flor...
que seria fruto...
e que não foi nada disso.

O mesmo formigueiro,
a mesma formiga
morta pelo sapato distraído,
que seria pluma...
que seria peso...
e que não foi nada disso.

(São Lázaro, 2003)

UM CANTO

Um canto para nós
no lugar bem afastado,
e no rádio, faixa AM...
um canto sem voz,
sem canto,
sem ontologias
e cheio de eu e você.

- Mas tem que ter uma rede...
- Sim, concordo.
- Nem morte haverá lá...
- Perfeitamente !
- E chamarei-o poema...
- Tudo bem, apesar que prefiro chamá-lo canto !

(2003)

MIRÓ

Miró desenha, agora, as estrelas
e destroça as constelações com seus traços,
um toque infantil,
como todo surrealista deve ser.

Miró e suas meninas,
Miró e seus sonhos presos.
Uma tela, um fato
uma nova detreminação...

Miró é poesia
poesia muda,
sincrônica...
E que o poetar seja como um coral
de pássaros surrealistas...

Miró pinta, eternamente, uma figura de Deus
pondo-lhe bigodes sensuais,
abusando da androginia que Deus têm.
E Miró joga-lhe os dados,
atrapalhando a criação divina:
propõe uma nova estética
para uma realidade tão pessoal...
Propõe, também, mais vazios tão cheios...
e traços, traços, traços.

(2004)

CHECK-UP

Check-up,
preciso de um check-up...
rápido, urgente !
Check-up
para melhorar meu inglês,
ver minah taquicardia,
saber o dia,
marcar na agenda:
dia 6, check-up...

Check-up...
O que seria dos médicos
e do meu poema Pneumotóraxiano
sem a presença
do presente check-up ?

Check-up
de um coração
que doí por um amor
e pelo stress...
Check-up
do fumante
do hipocondríaco
e da gestante,
check-up.

(2002)

HOMO HOMINI LUPUS

"O sono da razão produz monstros." (Goya)

Se o seu sono racional
criou monstros,
e se os raios da manhã
cortar o céu, e causar trevas -
o amanhã pode ser criado
dentro do criado-mudo,
mudo e fora de si...

Se a existência não
lhe diz nada,
- o nada é o escuro do pensamento -
Se o homem lobo do homem,
há de se criar uma faca
em cada coração.
A realidade é escrita,
descrita por sujeitos,
impregnada por seus jeitos,
o real é histórico e materialista.

Parem ! - Lá vem a crítica mortaz
da consciência...
Fez errado !
O errado se fez.
O feito feito,
o feito feto,
o feio feio,
o errado erro.

Estava certo, então !
Tão certo estava !
Alguém determinou...
E tinha o errado como misto.
O certo perto.
Certo, certo...
Perto do certo,
perto, (bem) perto...
O erro
do erro e da criação.

(2003)

TÍTULO

Palavra Palavra
Palavra Vírgula Palavra
Palavra Palavra Palavra
Palavra Palavra Ponto

Palavra Letra
Letra Palavra Palavra
Reticências Números
Palavra Palavra Palavra
Dois pontos Letras
Palavra Palavra Palavra
Ponto de interrogação
Ponto de exclamação
Ponto Vírgula
Palavra Palavra Palavra
Palavra
Palavra Ponto final

(2003)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

PARA HAROLDO DE CAMPOS

(in memoriam)

Todo poeta que morre,
imortaliza-se.

Poeta da forma,
da fôrma,
formato
que o poema-cloaca ganha.

Poeta da imagem
imaginário,
palavras que não se lê,
letras do contorno:
- em torno do poema
circundam
todas as emoções... -

(Agosto, 2003)

DE CHICO

Eu sangro uma vez por mês -
é o canibalismo de Deus !
Mudo meu humor, minha essência,
meu gênero...
Será que a Eva de Dürer menstrua ?
Sua imagem,
miragem da mulher cabível,
é a flor aberta ao sol descortinante.
- Deusa terra,
Deusa lunar, deusa viking
Elfos, profetisas, mãe... -

Eu sangro uma vez por mês -
semente abortiva do tempo,
descobertas de minhas percepções.

(2002)

SEU AMAR ENTRE OBLÍQUOS

Revê-la
revela
a parte podre que ainda há em mim;
Tê-la
como numa tela:
sonho, posse,
na pose da musa
encanto das medusas.
Abstrato, obscuro:
o furo que cura,
o trato que tateia,
teia tecida, presa na surpresa de sua prisão...
Seu amar entre oblíquos,
amor oblíquo, como o prisma do equilibrista
trapézios múltiplos, triplos e piruetas
Pirata em transe, filho do sono
me leve, leve e pesado nas asas de Morfeu.

(2005)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

FAMILIAR

Silêncio na sala de TV:
Meu irmão
Minha mãe,
o pai.
Nenhum pio...

Apenas a voz na propaganda de carro.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

JACI, MINHA LUA

Para Jaciara, eternamente amada.

Meu bem
É quem amo
Dela é tão somente meu amor
Ela é o calor que alimenta minhas noites de frio
Ela está tão longe
Tão distante,
Mas ela é tão próxima...
Minha lua
Minha mãe d’água
Minha Jaci
Minha Iara
Sereia minha
Guiar meu
Jaciara
Sou tão teu
Que às vezes vejo-me assim, tão só
Mas tão seu
Que você, inexplicavelmente, está tão perto
Estão tão em mim
Tão dentro de mim
Que durmo cálido e manso no meu rio,
E como sua sombra, lua
Projeta-se nas águas que também é você.
Meu bem
O que me faz bem
Meu dengo, meu amor
Jaci, minha lua
Jaci, minha vida...