quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

POEMA - SAMBA DE CARNAVAL

Quem sabe eu me mate na quarta-feira de cinzas.
Na quarta-feira de cinzas eu me mate, quem sabe...
Talvez assim acabe esta minha sina,
ou minha sina, esta assim, talvez se acabe...

Ou talvez a vida aglutina,
quem sabe ela estanca...
Quiça após o lança e a afetamina
um deus que não dança, dança !

E folião que sou, entrando em qualquer farra.
A fanfarra passa, despassa e compassa...
A chuva que trouxe o gris da madrugada,
ventou por um triz, e do nada,
trouxe-me você e a dúvida danada.

Aí o bloco também se foi,
o boi, tempo de minhas avós, voou, voar...
E um dia o pierrot conquistou mil colombinas,
sabendo que também é sua sina
na quarta-feira de todas as cinzas,
também sua morte proclamar

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

PRO DIA

Se é pra ficar surdo... que eu ensurdeça de música !
Se é pra ficar cego... que eu cegue vendo !
Se é pra ficar parado... que eu pare e continue !
Se é pra morrer... que eu morra vivendo !

Assim segue, assim prossegue...
ainda que o dia esteja morno,
mesmo que no instante haja forno,
aí então tudo se misture entorno,
e no círculo do eterno retorno
eu seja picadeiro...
brincadeira de rua...
buraco da lua...
estando na sua...
céu de brigadeiro...
chuva no sertão...

Talvez ser tão alegre,
tão acre
pro dia anoitecer
e tecer possibilidades.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

FUMAÇA COMO OFERENDA

Triste é saber
que vaca doente de abate vira vela,
vela de funeral,
vela de macumba,
uma vela para Deus
e fumaça como oferenda...

De um protozoário veio o mundo,
nas minhas veias há gene de macaco,
o Beagle imaginário me faz viajar feito cogumelos:
Yellow Submarine !!!
Yellow Submarine !!!

Salve Baudelaire e suas fugas !
Salve o morango no alto da colina !
Salve a salvação dos mendigos !
Prefiro o lixo ao luxo de suas casas...

Pois a fumaça que transcede da vela
é a doença da vaca - um miocárdio em necrose.
A passagem de tudo
é a passagem de tudo
eu como tudo
e o zero não é o nada, não...

Pois a criação de tudo veio por parcelas:
de Deus, de Darwin, das arqueas,
pois meu cérebro indica que estou vivo
e vivo é aquele que se diz esperto.

Sou taciturno,
aguardo a decisão do amanhã.
Não quero o que o mundo quer,
enxugo o que a vida insiste,
desisto
e vou,
pois parar é para os começos.
Intenso
acabo as palavras
e na mudez pálida
árida é a mudança
e as andanças
que o barco, o átomo,o nano
e o não
dão.

(2007)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

PESADO, CONCRETO E DEMASIADAMENTE DESPROPORCIONAL

Poeta:
puta de si,
do si,
anota: da nota
si
silêncio...

Poeta,
foda da ode
dos aedos, doa
doer...
doa-se
esqueça
e aqueça,
uma cabeça de fósforo.

Poeta, descarada forma mutante
sem cara
sem ante
sem antes
cem vozes, poema:
um ovo
um ouvido
um duvido
uma dúvida, uma dívida
vida dividida

insano poeta, só
sol
solidão
um lido
uma praia
um sinônimo
e nada mais.

Mais ?
Nada ?

Poesia, masmorra
morra
mas, nunca
nunca
nunca esqueça:
nuca de pescoço
é o caroço
duma perdição desgraçada !!!!

(2007)

A COR DO NEGRO

A corte do menino é o corte.
A cor te proteja !
A cor te proteja !
A cor te proteja !
A cor do negro.

A cor do sol é o girassol negro.
Flor oferecida a negra Margarida.
A cor te proteja !
A cor te proteja !
A corte do menino.

O reino do moleque é seu terreno.
Terra, sereno, poeira e vento.
A cor te proteja !
A cor te proteja !
A corte do menino.

A cor do céu é sua atiradeira.
Sem eira nem beira, acertando passarinho.
A cor te proteja !
A cor te proteja !
O corte do menino.

A corte,
O corte,
A cor,
o menino,
A cor te proteja !
A cor te proteja !

(Junho, 2007)

domingo, 20 de janeiro de 2008

O MENINO AZUL

Esta história eu ouvi da minha avó, que diz ter escutado da sua avó,e esta da avó de minha bisavó. Apócrifa ou não, lendária talvez, contudo seduziu-me pela beleza e por alguns trocados eu contá-la-ei para todos vocês... Sim, sim, isto, isto, muito carecido e agradecido... Por favor, ajudem este pobre arlequim que aqui vos pede pela migalha esmolar de cada dia... Muito obrigado, muito obrigado ! Todos são servos de Deus e que o grande São Bastião, que vive abraçadinho com o louvado Padim Ciço, os abençoe e protejam-nos para todo o sempre...
Bem, dizem que pelas bandas do sertão vivia um humilde garoto cujo nome fora esquecido por todo o sempre. Filho de família de tamanha pobreza, um pai, uma mãe, alguns irmãos mortos e dois cachorros esquálidos e cheios de nobreza no olhar. Pois este menino, meninote mesmo, mirrado e de shorts, pés descalços e bodoque, tinha alguns dons especiais. Um deles era de, por pura marotice, transformar pedras em pássaros. De todos os tipos e jeitos, sabiás, quero-queros, bem-te-vis... Ele ia até o riacho seco e lá catava alguns pedregulhos. Do nada, fechava os olhos e supimpa ! Uma revoada de pássaros que voavam e cantarolavam pelos cantos em desencantos dali. Todos se assombravam pela repentina chuva de pássaros que por aquela região seca havia de aparecer. O menino escondia de todo mundo este milagre que poderia ocasionar somente com o poder de suas mãos. Quer dizer, escondia de todos, menos de Piaf, a minha tetravó, nome de cantora francesa que o pai dela escutava num gramofone comprado das mãos de uns ciganos que por ali sempre passavam.
Pois então... Piaf, minha finada tetravó, guardava este segredo e via, com os próprios olhos, ao milagre acontecer. Achava-o lindo ! Piaf, do canto de pardal... Dizem os mais antigos que minha tetravó nasceu cantando. Talvez fosse a sina do nome, concordam ?! Sempre fora a primeira solista do coro da igreja, destaque dos reisados, atração das quermesses de São Pedro... Mas voltando ao menino: outro de seus dons era a visão que ele tinha de Omolu, orixá Senhor das Mortes. Todos os dias, numa plantação de mamona existente entre cercados do povoado, ele conversava com a entidade. No começo achava-o engraçado e belo com sua palha-da-costa como vestimenta, contas em vermelho, preto e branco. Ignorava sua divindade, tinha-o como uma excêntrica figura humana. Omolu dava-lhe pipoca e ensinava ladainhas que deveriam ser invocadas em momento de luto. Este segredo ele não contou a minha tetravó Piaf. E nem precisava: logo todos perceberam o colóquio travado entre o menino e o vazio. Começaram a duvidar de sua sanidade. Mas logo concluíram se tratar de um fenômeno quando a população se via, todos sem exceção, às lágrimas diante da visão. Também foram de notar que o cenário iluminava-se duma luz azul proveniente dum feixe vindo do céu. Por este motivo passaram-no a chamar de “O menino azul”. Por pedido do orixá, o menino dizia aos aglomerados que conversava com São Lázaro. Durante o verdadeiro mantra em que se envolvia o menino, minha tetravó rezava cabisbaixa e ,em êxtase, cantarolava canções em diversas línguas inexistente na cultura e sabedoria do local. Diante de tal canto, Omolu dançava sua opanijé e a atmosfera exalava-se de colônia e cheiros de flores. O espetáculo, milagre, sabe-se lá como denominá-lo, demorava umas duas horas e acontecia sempre nas segundas, durante o pôr-do-sol. O menino não entendia o porquê dos alvoroços e caravanas que ali se concentravam. Para ele era apenas uma brincadeira com um moleque travesso, vestindo uma roupa diferente e segurando o que o próprio dizia ser um “xarará”, mas que para o menino não passava de um chocalho de búzios.
Acontecido isto tudo, o povoado passou a ser freqüentada por vigílias que queriam devotar a imagem encarnada de santo. O menino assustava-se com aquilo tudo. Todos os dias no seu casebre de taipa era um fuzuê de romeiros em procissão, todos em busca de uma palavra ou de uma cura que o menino azul não sabia dizer ou fazer. Então apenas inspirava e concentrava-se, logo dizendo algo que soava como parábola ou premunição. Viu, por exemplo, a morte de mais de vinte pessoas, detalhando data, momento, situação e local. Em alguns mencionava até o motivo ! Aquilo só fazia aumentar o número de pessoas querendo comprovar tais milagres. O menino só queria brincar, fazer pedras transformarem em pássaros e em troca disto poder ver as calcinhas de Piaf. Minha tetravó fazia isto enquanto cantava “Non, je ne regrette rien”, a canção que embalava seus sonos. Claro que seu pai não a cantarolava no francês original, contudo balbuciava no dialeto que interpretava dos 78 rpm que detinha em sua casa.
Respeitavel público, aqui tenho que finalizar esta história e creio que vocês estejam muito curiosos para saber de tal fechar... Bem, não me vejam aqui como um mercenário mesquinho ou como este mal fadados e engravatados burocratas marajás que tudo têm, tudo podem... Se peço mais uns trocados não é para cachaça, pois deste mal já me livrou meu Nazareno Senhor !!!! Se careço de vintens é por causa da fome louca que atormenta este arlequim de lugar nenhum que aqui vem vos contar mirabulante, contudo verdadeira friso, história. Pois bem, aqui estendo meu chapéu para que nele brote a solidariedade em cada um de vós... Sim, sim, muito obrigado, sim, obrigado senhora... Não mereco tanto, mas agradeço ao coração de cada um que puderam colaborar com mais um esfomeado deste mundão de meu Deus... Em troca tenho que contar-lhes o final do quiprocó que aqui iniciei, sem ainda adiantar da conclusão...
Pois a fama do menino azul estendeu-se pelas cercanias e atravessou os montes, logo chegando ao mar. E assim viu-se inflacionado aquele flagelado vilarejo e grato estavam a pequena e única bodega, pois ali cresceram o número de fregueses, a delegacia que pode contar com presos e a igreja que, graças aos donativos de cada missa de domingo, conseguiu recursos para a reforma tão necessitada. Mas tudo aquilo trazia consternação para o menino azul. Passou então a desejar nunca mais a visita do moleque travesso com quem brincava nas tardes de segunda. Chegou então na plantação de mamona e lá invocou que ele sumisse. Omolu fez-se translúcido e indagou o porquê de tamanha ira. O menino explicou-lhe e mostrou o povoado seco na forma duma enorme tenda mercantil: imagens e santinhos sendo vendidos, o sua casa transformada num templário, a mera brincadeira dos dois encenando um palco de adorações e busca de milagres. “Não os condene...”, sentenciou o orixá, “... se buscam conforto, é porque assim precisam. Se procuram paz, é por causa da guerra que fez-se em suas vidas. Onde há missão há mudanças. E transformações são necessárias...”. O menino, tão laico de todo aquele proclamar, apenas achou bonito os ditos e chorou. Minha tetravó Piaf aproximou-se dele e enxugou-lhe a face. O menino permanecia imóvel, diáfano diante tudo. Pela primeira vez enxergava Omolu como um adulto, como um ser superior, figura distante. Também pela primeira vez teve medo. Soltando um urro surdo, do céu cravejou-se de borboletas noturnas de brilho descomunal, cósmico que tornou-se estrelas e pousavam nas mãos de cada um daquele lugar como uma lembrança, logo desfazendo-se feito areia. E então a luz azul tornou-se fogo, logo afastando o menino daquela paralisia. Dali passou a chorar feito a criança que era, recebendo em troca o afago nos braços dos pais. Do fogo fez-se fogueira e desta incêndio, queimando assim o mamonal ali existente. Do crespúsculo escuro então choveu pedras em brasas, algumas atingindo o corpo de muitos dos devotos. O menino azul pedia, numa prece muda, que aquele horror em apocalíptico deixasse ali.
E logo o menino percebeu que algo saia de seu âmago, de suas visceras, um calor, um bolor, algo motor em essência, sentiu dores, sentiu calma... E então sua essência desfazia da carne, logo tornando-o apenas carcaça. De si saiu um plasma de cores surreais, que assustaram a todos no povoado e provocaram o tremor nos pais que apenas seguravam um cádaver em couro e osso somente. Fora como se tivesse-lhe sugado o mais íntimo que ali havia, o menino azul então tornou-se num ser de luz que contornou-se em pomba, exalando um brilho visto em todos os cantos da redondeza. Omolu soltou um grito em iorubá, cantando como num kitolo... E de todos os cantos do planeta pode ouvir este pranto-banzo, um som que fez despertar em precoce (ou em prece), sem pressa e cheio de pureza, todas as flores que guardavam em si a potencialidades de outros ramalhetes, de mil estrelas, larva de vulcão... A luz azul, então, foi fraquejando, tornando-se inexistente e logo trazendo a noite ao local. Assustados, todos fugiram para suas casa e aos poucos os poucos fifós das casas foram desfazendo o brilho de astro. A localidade emudeceu e escureceu.

Passaram-se dias e anos, passou-se o tempo do esquecimento e de memorizar apenas as queimaduras de alguns, estas passadas de geração em geração como se um sinal. Minha tetravó Piaf conheceu meu tetravô Tertuliano, casaram-se e tiveram onze filhos, um deles meu trisavô Vavá, que dizem as más bocas que era lobisomem. Mas este acabou por casar com Violeta, que de tão fraquinha só deu a luz a uma única criança, meu bisavô Bartolomeu. Este casou num dia de São Pedro com minha bisa Isabel, a Bebé, ou Bebezinha do Beijú. Oito filhos depois, vemos meu avô Cilinho casando com Ninraguá, minha avó de origem paraguaia. Quatro crias, dois abortos espontâneos e mais um que morreu com três dias de nascido, e num dia de chuva e época de fartura, meu pai Tertin pediu a mão da filha do coroné Guarajubá, a mocinha mais linda da região, Maria do Céu.
E vim a nascer, crescer ao lado de meus irmãos, aprender a tocar viola e cantar cordel com Bitoba e ouvir histórias de minha avó Niná... Dizia ela que, mesmo depois de todo alarido, de toda esta quase peleja, da amnésia de muitos, mesmo depois de tudo isto, ainda continuava o garoto azul a visitar sua bisavó, minha tetravó Piaf. Com a mesma fidedignidade, mesmo local e horário, sempre, sempre o menino aparecia, as vezes em forma de passarinho, noutras de borboletas, algumas vezes de vento ou de redemoinho... E assim seguiu-se, de filho pra filho, até chegar a mim, que indo em muitas veredas, pareço escutar o uivo do maroto e o brotar de pássaros em pedra. Juro, juro meus queridos ouvintes e servidores destas caridades que me daram o que nutrir de corpo !!!! Eu vejo o menino azul em tudo o que há de bonito, numa nuvenzinha cinza de chuva, no brotar da flor de caruá, na macaxeira que nos alimenta, no sorriso de minha mãe que não vejo a mais de quatro anos... Também posso vê-lo nestes arranha-céus tão cheios de gente, neste asfalto tão marcado de carros, na fome quando me aperta o estômago, na esperança, na reza, no choro, no chiar do rádio logo no primeiro raiar de sol, nesta praça tão abarrotados de nordestinos como eu, nestas moedas e na minha maquilagem, no olhar daquele menino, vejo o menino azul que trouxe, num mesmo paradoxo, a morte e a vida para o local de minhas lembranças, de minha infância, feito poema, conto bom de contar, feito rima de repente, de cordel, feito canção de vó... Muito obrigado pela atenção de vocês, sigam suas vidas e lembram-se de escutar sempre a voz do menino azul, este que brota no coração de cada um de nós feito juá na terra seca... Vão com Deus e Padim Ciço, amém !!!!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

REVERSO

Não sou filósofo,
eu filosofo.
Poetizo como todos,
canto os desecantos, os desencontros...
apenas faço versos e reverso.

Não sou solução,
sou a lição
a ser descrita,
uma escrita a desvendar,
a venda para escurecer-me,
a luz do esquecimento.

Sou o motor que corre,
não o "mato, morro e vou prum céu agudo..."
Sou o surdo, mudo-mudando
mudas e mundos,
ando e ardendo vou.

Afinal, caminhando voo

(2006)

POESIA PERFUMADA

"Teus ombros suportam o mundo e êle não pesa mais que a mão de uma criança..." (Drummond)

Eu me isolando
enquanto o mundo passa ao meu redor.
Eu sol
quando a terra brota a bota e a dor...
Eu de lado
quantos a seara do será, da rabeca, da flor ?
Da Rebeca, do farinhar, da rosinha sem odor, do prazer incolor ?

Eu trotando minhas andanças,
eu criança, eu criando
eu tato, eu ando
eu tratar, eu trazer...

Memoriais de ais e eus,
memorando, memoriar...
No raiar das lalarias
laranjais e ferrovias,
bando de cotovias
em brando assobia,
sibila, no ares...
Pomares e céus...

Numa poesia perfumada
e letras com tamanho de infâncias.
Sem distâncias,
nem ânsia
ou azia vazia.
Um vaso cheio da cheia lua,
o sereno tão sereno que não desperta madrugadas,
cheiro bom de café
e um rádio que nunca desliga.

(2006)

P.S: Este poema já fora publicado bem antes. Só dei uma "recauchutada" neste poema - consertos e adição de uma epígrafe...

QUASE SONETO

A pedidos de um amigo...

Queria você ao meu lado,
queria apenas você, queria conhecê-la, poder conhecê-la,
queria estar na sua vida bem calado, escutando sua respiração.
Queria que você notasse que meu querer é sincero e coração.

Queria que todos os sonetos pudessem expressar o que sinto,
queria que todos os invernos suportassem sua ausência,
queria não mais os reclames da consciência,
queria a lua aqui, mesmo parecendo insano numa primaveril tarde deste azul infinito...

Queria a quimera tenra só pra poder lhe enfeitar de sonhos,
queria o deitar em campos verdes só pra afagar suas madeixas,
queria versar o seu íntimo profundo em desvario

Queria o animal forte em cálido cio,
queria ser as horas para subtrair suas queixas,
queria o lábio para os momentos mais tristonhos.

E acima de tudo, queria você em dobro,
para suprir esta angústia de não vê-la na minha casa,
velar pelo sono bom, lhe dar esperanças como num sopro
e saber que ainda vivo mesmo sem adquirir suas asas.

Queria somente sorrir num sorriso seu,
Queria tudo sem adeus,
Queria lhe ofertar meus minutos de paz
Queria aquilo que alegre te faz...

Somente queria não mais quer - queria logo ter !
E estar na sua companhia e saber o quanto é bom
Poder ir contigo e assoviar seu som
Sentir a coisa impar que é estar com você...

Nada mais...

(2006)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

SIMPLÓRIA RIMA DE AMAR

Para Jacky

Senhora rosa, dona de mil estrelas
Do orvalho penhora, nunca tê-las
Foste tão rapidamente, amor não sacralizou
Tornando-se ave condizente, quimera que não despertou
O amor coroando ninfas, porém sem podê-las...

Nosso lance, de tão macro na lembrança
Tornou-se sacro na constância,
No momento em que a memória
Tornou-se então história
Algo tão concreto e muito além da distância...

Você, já que tão linda
Hoje, mais e mais ainda
Será coisa bela de lembrar e eternizar
Ser que gostei, gostei de amar
Mesmo sendo tão calefação, momento que finda...

Guardarei no coração os versos que criei
Para expressar esta coisa que provei
Sendo apenas vão, escrever não descreve
O sentimento tão terno e leve
Que vivi; e dizê-lo jamais saberei...

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A IMAGEM DO CÉU (DA CARNE DA FRUTA)

Para Tom Zé, após ver uma entrevista dele ao programa “EntreLinhas” (TV Cultura)

A palavra
pariu
palavras;
e desta sopa vulcânica chamada brisa,
a sopa,
a polpa
caramelada
da carne
da fruta

Vendo-me
a imagem do céu:
um nublado sem nublar estrelas.
Na busca da poesia semiótica,
mãos que tateiam,
tatos que me negam,
navios que somem horizonte adentro,
um vagar
vazio que não respiro.

RIMA RITMÍCA

para Adherrio Surre, amigo bom de orkut

O sol dá dó
do dado
do soldado
da solda
que molda
o molde,
a pedra de sal
que declara sereno

do dominó
do domino
do domínio,
raiz do raciocínio –
A razão...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A GAROTA MAIS BONITA

Não confundir com aquele conto de Bukowski...
Era a garota mais bonita, a garota mais bonita...
A mais bonita, uma beleza simples, pincelada. A garota mais bonita, era apenas uma garota, a mais bonita da cidadezinha em que nasci e agora regressava para procurar emprego. Não havia empregos, mas ainda existia a garota mais bonita. Não era tão bonita como dantes, engordara ou sei lá. Existiam outras mais bonitas, algumas colegiais, nas praças ou no parque que visitava a cidade. Porém ainda era a mais bonita, a garota mais bonita...
Ela fazia-me lembrar poemas de Castro Alves. Ou cachos de uvas, deusas do Renascimento, ninfas de mármore... Não lembrava mais se era loira ou ruiva. Mas certamente era tintura a morenice atual. A garota mais bonita não tinha esses seios de agora. De conservador apenas seus olhos de amêndoas, únicos. E neles tinham óculos de grau, armação singela. A garota mais bonita, quantas lembranças: ainda lembrava-me das histórias de Pollyana Moça que a professora lia, ou das páscoas, dias de luas e chuvas. Recordo as poças d’águas, o barquinho de papel, “o que serei quando crescer ?”. A garota mais bonita agora usava pulseiras indianas e brincos com adornos tribais.
Passou por minha frente, não disse olá ou nada que ferisse seu ar de tão soberana. A garota mais bonita, a mais bonita. Não sei se descreverei com real louvor tudo o que ela foi. Era destas belezas de ganhar concursos, de miss mesmo. Ainda é vago, mas deixarei do vago o sucinto. Uma daquelas de causar amor platônico, destas que um dia mereceriam uma imortalidade de cancioneiros e poetas populares, suicídios dos tresloucados... E passou por mim, assim sem um cumprimento ou arquear de sobrancelhas.
A garota mais bonita, mais bonita...
Então a olhei secamente, como se lhe pedisse um segredo. Seus lânguidos passos continuavam, continuaram até o sumir de minhas vistas. Resolvi segui-la sem saber porquê. Na cidade já havia fumaça, mas velhinhos ainda jogavam dominó sob a sombra dos pessegueiros. A mais bonita trazia consigo uma bolsa de tiracolo, não parecia perceber a perseguição. Na cidadezinha também já tinha sinais de trânsito e homens que vendiam ouro em enormes plaquetas penduradas no corpo. Ela parou numa lanchonete não muito tradicional e de design arrojado. Sentou-se, procurei uma cadeira e fingi ler o jornal. A garota mais bonita pegou um livro da sua bolsa, um destes de bolso mesmo. Não conseguia ver o título, mas deu a entender que ela não se interessou pela leitura. Uma recepcionista chegou perto dela e ela fez um pedido. O mesmo aconteceu comigo, mas eu não pedi nada. Olhou o relógio várias vezes, aparentava impaciência. Finalmente chegou-lhe a limonada e, quase que imediatamente, um senhor. Sorriu e o senhor sentou ao seu lado. Acariciava-lhe uma das mãos, não sabia se era pai ou amigo. Talvez amante, a garota mais bonita...
Usava pouca maquiagem. Somente uma tenaz quantidade de pó-de-arroz nas bochechas, a boca virginal e vermelha, pura de qualquer artificialismo. Nunca percebera que ao lado de seus lábios havia uma pinta. Ou fora feita com algum lápis ou minha imagem de infância refletia-se difusa. A garota mais bonita (deveria classificá-la mulher ?!) sorveu minúsculos goles do copo, olhava e concordava com todas as falas de seu acompanhante. Ele era calvo, constatei após a retirada de seu chapéu. Pô-lo na mesa, onde também estava o abandonado livro. O senhor pigarreou, olhou as horas e virou a cabeça para um lado e outro.
Levantaram, ela primeiro. Colocou o livro na bolsa e tirou uma carteira, dela algumas cédulas amassadas. Tomou a bebida quase por inteiro e colocou o dinheiro embaixo do copo. O senhor pegou o chapéu (destes de gangster) e levou-o à cabeça, cobrindo toda a superfície nua. Tirou dos bolsos de seu paletó um molho de chaves e ambos dirigiram-se a um carro, um Dodge, creio. Saíram mansamente, nem gravei a última visão daquilo tudo.
A mais bonita, garota mais bonita, apenas uma garota. A garota mais bonita.
Gaguejava mentalmente estes palavreados...
A garota mais bonita.
Garota...
A garota mais bonita.

(2006)

POEMAR

Poesia profunda:
elefante caindo n'água.

Ele falante: o poema !

Splash !!!!

Das anáguas ou da benção:
devo aquilo que deveria ser...
levo aqui o quê lavraria ter...
leve dever, de ver lavouras...

flores de papoulas
flores de poesia,
dolores amar,
Dores do poemar:

Que é verbo
que é carne
que é ação
que é pó e mar, larva, lavra, livro
que é vivo-dividido
que é ouvido
que é ou
que é in;
que é poemar
que é põe
que é pôr
que é sol
que é lá...

Lá, poesia profunda
destas que dizem mil palavras querendo dizer uma,
uma palavra que, em festas, redizem mil...

coisa minha, coisa íntima
coisa última, coisa ultimato
coisa mato, coisa mito
coisa coisa, coisa cozer
coisa dizer, coisa falar
coisa poema, coisa profunda.

Um milhão de pedras caindo num poço,
posso dizer, criando redomas no fundo
poema profundo
poema de pró...
poema do pó
poema depois...
Uma pedra que matou a imagem narcisa
alguma coisa precisa,
cisando aquilo que digo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

CONSTATAÇÃO

Nascer
é difícil...
Crescer
é difícil...

Crescer
edifício,
alicerçar-se e
buscar a forma, o cimento, o que liga,
o que nos torna mais forte:
nascer o edifício...

Quando a vida lhe oferece frutos
e vc é somente uma flor,
o que fazer quando isto ?!
Ficar omisso ?!
Buscar missões ?!

Ter que crescer, notar-se adulto
frondoso e garboso,
todos os "osos" e ossos
ver-se edifício,
um prédio, um pré-dia sem choro
apenas um corte
um suporte pra crescer
forte
fortaleza

e você é apenas uma formiga querendo despertar furacões,
utópica formiga sem útero,
trégua sem régua ou medições,
medida sem ação,
você é tão pequeno que todos passam por sua cabeça...

sábado, 5 de janeiro de 2008

ESTAS ESTRANHAS COISAS DE SEXTA-FEIRA (OU COMO É QUE VOCÊ NUNCA ASSITIU CHAVES ?!)

para a galera de Geórgia...

"A vida vai seguir/Ninguém vai reparar/Aqui neste lugar /Eu acho que acabou/Mas vou cantar /Pra não cair /Fingindo ser alguém Que vive assim de bem..." (Camelo)

E as palavras vêm torpes, como se tropeçassem, tortas que nem justiça divina, doce como a vida agridoce, acre e mel, literal-literato, palavra analfabética, coisa nossa, pura, princípios... E tudo se resume no encanto do conto/canto: "Felicidade Clandestina", de Lispector. Numa mesa de bar, colando-se rótulos para a contagem das garrafas, a certeza que aprendemos mesmo sem querer. Apreender, catalisar, explodir emoções entre maus conhecidos, entre pessoas de estima tão instantânea, a amizade como o máximo aristotélico da felicidade humana...
A noite que ia parecer mais uma neblina, fez-se de luz no breve chamar pra vida: "Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante", cita-me o bom amigo. Nos olhos de cada um não há desconfianças, existe sim esta coisa máxima e delirante chamada sabe lá Deus de quê... Algo inominável, imemorial, extrema-unção de carinhos e nostalgias lógicas. Um violão, uma canção, tudo o que de bom temos... A discussão sobre Matrix ou marxismos baratos. Havia fadas, sim ! Havia fadas e a força da palavra clara, de Clarice, da palavra iluminada em confissões e desabafos, um olhar claro e, claro, esta coisa amalgama que nos unia mesmo sendo tão pouco íntimo.
Talvez ainda nem demonstre o quão foi tudo. Esta minha voz em nada exprime o acontecido, a coisa, o caso e o casulo. Falta-me o talento dos trovadores ou a certeza de mil amores para que o concreto torna-se abstrato aqui. Ainda é ausente o rabo cortado da lagartixa, a infância estampada em nossos rostos já velhos, qualquer coisa transeunte e terno, roca do tear-destino, rocha do rock, alma que pede a lira exata para a exaltação máxima. Somos tão micros, apenas mais um ponto observado no Google Earth por um pequeno menino trancafiado no seu quarto de sorver. Só vendo e crendo para nunca mais crer. Todos nós somos rapazes direitos e só queremos a menina mais bonita, penso como pensa o pensador de alguma geração. É o pensamento que me vem enquanto o disco do tênis de Lô Borges termina...
Estranho é o cara que leva livro pra ler numa praça cheia de hormônios querendo evaporar... Estranhas coisas que só uma sexta-feira a noite poderia ofertar, dádiva ou humanismos ?! Só queria aqui, neste anti-conto que fere qualquer norma das normas das normas normais e mais alguma coisa que não passa pela minha ignorância do só saber que nada sabe, só queria aqui poder pintar com borrões o que o traço do viver me exibiu num momento turvo de quaisquer possibilidades. O talento não é tão válido aqui, o que lido é com esta coisa lida e parida que vocês vêem aqui: algo sincero e de coração, suave como uma cachaça mineira vinda do nada, apenas para um sorrir de alguns, somente a satisfação do ego e dos egos, criança que tenta (ainda) se aliciar com a vida nos ternos momentos de sonos...

APENAS UMA DICA...

Visitem as páginas de dois escritores muitos bons e grandes amigos meus.
Um é Germano Xavier (http://www.clubedecarteado.blogspot.com/) e o outro é Eduardo Oliveira (http://recantodasletras.uol.com.br/autores/eduardooliveira).
Se deleitem, vejam lá...

E não importa a ordem como coloquei aqui - os dois me engrandecem de formas únicas !!!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

CONTINHO CANALHA SEM NADA DE ÚTIL POR DIZER

Podendo ser lido ao som de "Ovelha Negra" (Rita Lee, na versão original-setentona)

Com um Kafka por começar a ler e um vazio na espinha dorsal da alma, o escritor pensa nos grandes desejos de um homem: dinheiro em montante e mulheres. Ou pelo menos uma, daquelas dignas de façanhas de coelhinha da PLAYBOY. O Kafka ninguém sabe se pode esperar (afinal, este "O Processo" estacionado ao lado de seu computador um dia findará ?! Por quantos anos vive um clássico ?! E se um dia ele (o escritor) esbarrar numa ninfeta admiradora de Kafka - aliás, todos os bons autores sonham com uma garota de 15 que curta algum gênio da literatura universal, não acham ?! - ,o que dizer ?! Enrola-la num papo sobre outra coisa, tipo Sartre ou receita de biscoito ?!). Enfim, o autor deveras de aguardar pelos deleites do escriba tcheco.
Mulher e dinheiro, não nesta ordem, mas necessariamente neste destino: mulher que vem depois da grana não é sinal de bons sentimentos... ou não ?! O escritor, que não tivera tantas namoradas assim, ainda galgava pela descoberta do feminino: um clitóris, um temperamento pós-menstruação, os "sins" e "nãos" querendo ser antípodas da semântica, estas vazantes qualquer... Mulher e sua estranha e hieroglífica revelação. Já dinheiro parecia algo bem simplório de se conhecer. Cifrões, uso e valor, um pouco de Marx aqui, caderno de economia do jornal, planos econômicos... Talvez nem seja tão fácil como o pensado, contudo o escritor ainda afirma que contemplar teses sobre o capitalismo da barganha é mais traduzível que os meandros de uma ninfa de 15 que nem sei existir...
Pensando no tinto que deveria estar do seu lado, o escritor se envereda pela alucinação e pela demência real de vê-se tão nítido. A musa poderia ser a moça da padaria, alguma amiga de Orkut, a simples visão de colegiais na praça, qualquer perversão digna de açoites e castigos de padre. Queria escrever algo mais pesado que a palavra, destas coisinhas que serão citadas ad infinitum. Algo tipo frase de Faulkner, tipo Quintana, tipo Lair Ribeiro... Enfim, queria o escritor prostituir-se no tal reino da escrita, não importando quão qualidade deveras sair. Sabia q sua Beatrice só viria após a conciliação do seu ego lírico com seu lado sócio-demonstrativo...
Mas o autor, parado na corda bamba do seu cansaço de espreguiçar, resolve pela inércia de uma esperar sem cavalgar. E como um Cérbero que trucida os amaldiçoados macuinaímaco, o social grita pela frase buarquiana do "vá trabalhar, vagabundo...". Labirinto sem novelo por seguir, o escrevedor escreve sua dor e cria o casulo.
E ainda sim existirão musas e a necessidade de comer e comer...
Com um Kafka por ler e a vontade de copiar algo que fosse mais que um conto amador, o escritor finda suas veias e resolve pela morte invisível. Então o autor,na sua vaidade em totem, aporta no Olimpo e grita de lá que é um deus em preparo... A vida vai andar como num passo de sapato bicolor de malandro.
O autor ainda pensará em criar seus frankensteins de compasso e consolação. A mulher não virá (não contando vadias - estas são sub-mulheres, daquelas que ainda faltam o algo além da beleza...), o dinheiro quem sabe (toda mãe é um banco sem taxas ou cobrador a porta)...

(Inspirado num conto de Woody Allen que li na Playboy de agosto/2007 - "Alugas-se um escritor")

Agosto, 2007.