sexta-feira, 21 de novembro de 2014

PÉ NO CHÃO



Pras infâncias de Rafael

a poeira, a terra batida,
coisas naturas, puras
pé no chão,
passariar passarinhos...

olho que distingue o verde de chuva,
arranhão ao subir um pé de umbu,
bicho de pé, assombração
o gosto bom do café, descobrir de um ninho
infâncias de Rafael...
talvez não conheça Beatles
mas saberá o cantar das cotovias,
a prenhez da vaca,
o sublime do simples...

certamente será um grande homem,
doutor do que quiser,
imaginativo ou sensato,
tratar no tato, o calo e a sabedoria
tudo o que poderia ser, será...

como um poeta de Barros,
forte como sertanejo,
sem traquejos: seu próximo andar

é um mundo todo a girar...

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

INVISIBILIDADE DO SOM


Quando fotos e sons incomodam...

na minha boca não cabe mais sua língua...
sem qualquer míngua de suas mágoas:
são águas que atravesso sem mapa,
minha palma que não cola em seus calos,
seu calor, seu colar de tatuagem
muda e úmida miragem de um brilho qualquer...

o bem que mal-me-quer,
o mal que bem-me-quer,
escolha sem querer,
sem queridos, ferido e ainda ressentido...
sentido até a saudade, tudo sem sentido...

caminhos maduros são mais duros,
cadê suas botas, suas pegadas,
aquilo que pega, atrai e ata?!
me atenho somente ao que tenho:
lembranças tão desbotadas,
desabotoadas de pudor,
descabidas deste poder...

tudo isto enquanto ouço da mata, do mar,
outros bichos malucos beleza:

coube você nesta invisibilidade do som... 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

FOGO AMIGO


Pra musas picassianas... 

solicito, solícito,
que você seja meu solstício, meu fogo amigo,
candeia boa que me prende nos braços,
cadeia indissolúvel, laço que surpreende...

 e o quanto lhe cito, desdigo
sou cálido mendigo
calado, a querer seu umbigo...
me alimento do que você subtrai;
isto atrai meu sub
e meu id também...

idealizo utopias,
este resvalar, este toque, um triscar
trincar de dentes, um par de trincas:
eu, você e euvocê,
uma trilogia cornubar...  

e incubar de seus beijos,
parir de suas vísceras,
das entranhas estranhas de sua estrada,
entrada boa, parar
hipnotizado em seus transes...

e só, um nó
somente um nó, uno

nós dois atados em nós... 

DOLÊNCIA



o sono
não me faz mais meu dono;
faz-me dolente,
lento dos dons,
doente pros sons,
apenas um...

não se entende como sono de sonhar;
este nos faz magnos, belos, anjos...
falo do sono de estagno, paralisia,
a derrota que alicia,
rascante que impede o tino,
que não colabora com o destino
de ver enfim a querida amiga...

o sono vil, senil
não produtivo, apenas a perpetuar
roncos moucos a ronronar:

Zzzzzzzz... 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

PEQUENA


Para Jéssica Alves, a moça da revistaria...  

veio assim, como a descoberta duma boa página,
ou como cheiro bom de folha impressa,
pintou sem pressa,
pincelando meu salivar, minha curiosidade...
me revista, revelando pistas:
de que está à vista
delícias do mês para saborear...

alimenta meu saber,
nosso estranho mundo de coisas superinteressantes,
olhos dissonantes,
sorriso a borear aquele canto de triviais notícias...

achando extraordinário
meu poemar ordinário,
talvez goste de mar,
disto ainda não sei...
curte Cícero?!
mísero detalhe;
talhos esmeros,
esquadros estrangeiros,
quero conhecê-la, lhe quadrinhar
esboçar qualquer carinho,
ser íntimo, mínimo, ínfimo...

pequena podendo ser pequena,
ou algo que amena,
dilema de convidá-la prum sorvete

ou somente contemplar tudo isto dum iglu âmbar... 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

COF COF


tenho uma tosse
que me tísica,
que retorce minhas tripas,
vulcaniza meu interior...

tenho uma tosse amiga, manuelina
que me abraça feito dama,
me ama feito cão,
é meu defeito e unção,
uma oração sonora,
suave oscular do meu pulmão...

tenho uma tosse
ainda que fosse fácil,
tê-la mansa como um fóssil,
face a face com o mal,
um desamparado nasal,

cof cof,
confuso fuso em que entro,
razão em parafuso,
incômodo os cômodos,
os amigos, os próximos,

minha tosse noise,
tão nossa sendo subjetiva
compartilho-a íntima,

feito primeira impressão de namorada... 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

NESTAS ARTES DO ENCONTRO...




Liam o mesmo livro. Não sabiam disto, contudo: ambos antípodas nos lados de trilhos do metrô, separados por metros, não se percebem... Cada um com sua leitura e ocupações diversas: ele um tanto desatento, passeava os olhos pela mesma página, lia repetidamente o mesmo parágrafo, observava a capa em bis, queria um cigarro ou uma bala, quiçá os dois... Ela concentrava-se numa passagem do livro, aquilo que lhe trouxera um estranho arrepio, uma inédita vontade de fumar ou de comer algo doce, olhou o relógio e analisou demoras em sua habitual condução... O sistema de som anuncia atraso numa das vias, ele bufa, observa as horas numa das telas da estação, deduz não conseguir chegar a tempo hábil de uma reunião marcada, resolve procurar uma bebida, decide-se por um café preto num médio copo plástico... Ela lamenta não fumar, tira umas balinhas da bolsa, desembrulha um, marca a página lida com o papel que sobrou; olhando pra frente, descontenta-se pela cafeteria estar tão distante. Ainda não se percebem...
O livro dele estava fechado, acabara de comprá-lo num sebo, edição antiga, folhas cheirando a mofo, imaginava ser uma raridade, “o último deste exemplar foi comprado a pouco por uma jovem...”, lembrou-se de cada palavra do vendedor... Ela, em êxtase por ter aquela obra que tanto desejara, não via a hora de chegar em casa, tirar os sapatos, fazer um chá verde, relaxar em sua preguiçosa e começar a devorar cada página, inebriando-se do odor velho de cada uma delas, o prazer do intemporal destino que alguns objetos saboreiam... Leu uma dedicatória encontrada em uma página, “De Gui para Cicí, maio de 1973”. Achou infantilmente bonito os apelidos, a forma de se tratarem, não sabia quem era o masculino e o feminino, mas torceu pro mencionado Gui ser a mocinha da história, “combinaria mais comigo, sendo meu nome Guilhermina...”, divagou-se sorrindo... Ele pegou o livro do mármore balcão da cafeteria, examinou-o mais uma vez, cheirou-o num repeat já exegese, pediu mais um café, calculou que o atraso do metrô iria retardar a entrega do trabalho acadêmico, premiou-se com um cigarro, logo reprimido pelo guarda municipal e devidamente apagado num vaso de plantas próximo. Riu daquilo tudo sem saber ao certo porquê...

Contrariando algum capítulo de novela, o tempo passou sem um ditame de “meses depois...” e os metrôs finalmente chegam. Ambos se tranquilizam: ele por não querer prejudicar o seu grupo da faculdade, ela por saber que seu tranquilo e utopizado momento íntimo com o livro recém-comprado dependia apenas de variações do movimento uniforme do trem... Cotovelos e empurrões, por sorte conseguem lugar para sentar. “Janela, que bom!”, a moça exclama em silêncio. Acomoda sua bolsa num canto; ele contenta-se com o lugar ruim que lhe era concebido. Os metrôs ainda demoram um tempo para começar suas epopeias diárias, muitos entram, exprimem-se, rostos que pareciam aquele famoso quadro operário da Tarsila do Amaral, mas numa certa desordem nada constelar... Ela olha o teto do local, os transeuntes, um rapaz de boné que mexe em seu minúsculo aparelho de som. Como é de seu hábito, tenta driblar o contorcer natural e ver no visor qual música o dito escuta. A moça quase entra em faniquito ao descobrir que o estranho ouve Cícero, “Açúcar ou Adoçante”. Julgou-o ser seu príncipe encantado, embora não tenha gostado da sua barba por fazer – “quem neste mundo, além de mim, ouve Cícero?! Meu Deus, Cícero é meu, ninguém tem o direito de ouvi-lo, só eu...”, soberanou-se. No outro metrô, para azar dele, ao seu lado senta-se uma velhinha de chapéu e um perceptível mau hálito. Tenta puxar assunto, ele desvia olhares como uma estratégia de guerra. Olha para a janela defronte, tenta ler o que há no outro vagão... Ainda não se percebem.

Os metrôs movem-se, a inércia age como ondas diante um mar de gente, murmúrios como um estranho marulhar ritualístico: broncas, ofensas, palavrões, discursos sobre as más condições do transporte públicos, lamúrias e lamentações, crianças chorosas aqui e ali... Ela abre o livro, ama ler seu parágrafo inicial, “muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo...”. Olha para o rapaz do boné, que freneticamente aperta botões de seu Ipod. “Por que este cara fica mudando de faixas o tempo todo? Cara, ele tá ouvindo Cícero!!! Quem, em sua sanidade normal, ousaria pecar ao não se deleitar duma faixa inteira e interrupta de Cícero?! Ai, devia ter posto meu batom... Aposto que é só pose deste carinha e...”. Hipnótica, ela enxerga algo pela janela. Ambos se percebem...

(Contrariando qualquer lógica do escrito, recomendo, como trilha do encontro das personagens, ouvir em mantra “Pode Ser”, faixa 05 do debút da Banda do Mar...)

Física newtoniana ou desígnios divinos, Cupido ou o “S=so+vt” das equações dos encontros materiais, os vagões, em processo duma desaceleração incomum, se encontram num ponto, culminando numa pane no exato momento em que janelas se defrontam uma com a outra, o instante hollywoodianamente necessário para que ambos se percebam, como já fora mencionado... Ele a acha bonita, observa a coincidência dos livros, das edições, das capas... Ela, embasbacada com aquilo tudo, cogita, doidivana, em sair dali e correr atrás daquela figura que lhe parecia um ímpar espelho... Respira, pensa esmiuçar um sorriso insinuante, congela num derrame qualquer. Ele quer disfarçar o olhar de bobo diante aquilo tudo, não consegue. Admira mais sua beleza do que a obra em comum, mas mantém o livro em haste como alguma espécie de código. Definitivamente ela lamenta não ter passado batom, se sente horrível, mas petrifica-se num magnetismo incompreensível... Alguns segundos depois a solução se apresenta e os metrôs saem da estática. A visão de um do outro se torna passado num passar fugaz, não podiam agir. Desesperam-se... Ele, ainda muito atordoado, blasfema em palavrões audíveis, para horror da senhora adjacente... Ela pondera, pensa como agir e então deduz as paradas em algumas estações que o transporte, de praxe, faria. Se desse sorte dele não descer na próxima e ainda observar a janela, quem sabe conseguiriam algum sinal de proximidade... Pelos cálculos, isto seria em breve, não dava para sistematizar muito... Numa loucura digna dos que ousam goetheanamente, ela pega o batom e escreve na última página do livro, uma mera folha em branca aparentemente destinada para estas emergências... Do nada, ainda abstraiu Caetano “e o meu coração embora finja fazer mil viagens/ fica batendo parado naquela estação...”, substituindo o “naquela” por “nesta” e desenhando uma seta - era uma aposta, esperava que ele entendesse... Os metrôs param, ele se infla duma esperança de ainda ver a garota, observa a janela e vê o recado escrito numa folha de livro. Inclinou-se para ler, não se deu em abstrações ou surrealismos, mas entendeu...

Ao ver a figura saindo de seu campo de visão e indo em direção ao desembarque, ela também fez o mesmo, acotovelando-se na multidão como um bom halback de futebol americano... Ele, em mimetismo, correu entre empurrões, numa disritmia longe de sua racionalidade cética, saindo do vagão e procurando no diluviano populacional aquela que seria talvez o sentido de existir das suas pupilas... Ela se desvencilha dos empecilhos alguns segundos depois, apura sua visão atrás dele, procura-o entre todos, deseja uma escuridão de cinema oriundo de uma iluminação particular de filme, um holofote apenas nele, queria somente aquilo... Encontram-se...

“oi...” – tímido.
“olá... oi” – ofegante.
“pois é... Cem Anos, né...”
“é, a mesma edição e tudo...”
“Guilhermina...” – estende a mão.
“Cícero...”

Ela ri dos destinos... 

CALABOUÇO


Para Faby 

como explicar esta falta que você faz?!
este desatino que não produz paz,
o instante que nada benéfico traz,
como explicar?!
como entender que o silêncio distante,
tal qual uma mágica mutante,
insere uma completude faltante
na voz oca, inaudível, mas constante?!

a distância da voz, do toque
dos tiques, chiliques,
calor, do corpo, do torpor...
como explicar o que me faz bem, sem ser íntimo?
isto que acalanta como Holiday,
desajuizando o que já sei,
ou não sei, sei lá...
teorizar o que não entendo,
nem tendo compreender;
este calabouço a me apreender,
prender meus sentidos, sem esboços
deixando-me num fundo do poço,
mudez maior que a reta,
diretas que me embriagam em miudezas,
pequenezas que me faz gigante...

você, de longe
parece me entender mais que meu cego ego,
você, apenas uma tela em que espero letras...
você, loucura minha
meu doce íntimo,
meu segredo bom de fazer ninar...

dependência ou impotência? 

não me negue não... 

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

COM COR


Pensando muito em canções de Péricles Cavalcanti...

Manhã, ogiva
manhas, orgias:
tudo acontece, tudo acontece
tudo tece com cor...
O amanhã que aborta hojes,
que aportou as partes
ou têm, ontem...

Pra cancionar,
estacionar este acionar,
dissipar o ínfimo, os íntimos
o par, parir...

Para ir além do além,
lembrar que o que há
não há...

terça-feira, 23 de setembro de 2014

PIERROT, COLOMBINA...



Pra antigos carnavais...

quando tudo se revela
e nada se resvala,
é vela, é vala:
é reles valsa;
falsa dança,
tétrica andança, 
passo infalso em falsete
um baile todo, num cacoete
bailam todos no deleite...

pierrot, colombina...
na Colombo, na retina
a grafitar o céu, gravitar ao léu
melindroso, em fel...
alguém chora,
implora por seu calor;
mas agora,
agouram seu alalaô,
voam serpentinas, serpente que atina

colombina, arlequim e pierrot... 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

SIMPLESMENTE NÃO É...


Qualquer relação com a realidade soará como mera coincidência...

- Casou?!
- É, casaram...
- Como assim casou?!
- Casou casando, ué...
- Mas é casou casou ou só casou?!
- Como assim “casou casou”?! Eles casaram, tá aqui no Facebook: “Isla e THC estão casados...”
- Vixi, assumiram na rede é porque o troço tá sério...
- Fudeu, amigo...
- É, fudeu... Quer uma cerveja?!
- Ah, quero sim...
Poeta simplesmente continua a olhar fixamente pra tela do laptop. A luz emanada por ela dava um ar blasé pra coisa, não sabia definir... Célo volta da cozinha com duas latas de cerveja, passando logo uma pro seu colega.
- E agora?! – ele diz.
- E agora o quê?!
- Como o quê?! E você?!
- Eu o quê?!
- Você e ela, como vai ser?!
- Ué, não éramos mais... Vai tudo continuar na mesma. – Poeta beberica, como se querendo calar-se diante uma situação.
- Mas tu ainda tá na dela, né ?!
- Eu?! Assim, sei lá...
- Pra mim tu ainda é boladão na dela... – diz, bebericando.
- Ah, sei lá... Não queria, mas não consigo... – Poeta olha novamente para a tela do aparelho, repete pra si mesmo “casados”, “casados”... O mantra é então interrompido por Célo:
- Porra, trocar um cara como tu... Ali é uma desmiolada... Aposto que só tá com esse cara por causa da erva...
- Ah, estipular coisas pra quê?! Ela tá com ele, oras... Que sejam felizes.
Levanta a lata, propondo brinde. Célo recusa.
- Não brindo pra este bundão...
- Ah, fala assim não do cara. Nem ela merece nossos julgamentos. Foi sua escolha, precisamos respeitá-la...
- Ora, Poeta... Tu é muito sentimental, aceita tudo facilmente. Se eu fosse tu eu ia lá e pêi, dava lhe uma nas fuças...
Poeta não esconde o riso:
- Não, não, Célo... O amor acabou, pra quê chorar?! Claro que fico um tanto chateado, ainda gosto da mina e tal... mas, enfim...
Põe um jazz, “Blame It On My Youth”, Harry Allen.
- Tem seda, cara?!
- Ô, se tenho… Já tava dichavando unzinho aqui pra gente...
Poeta sorri, levanta-se e vai até o interior da casa, deixando Célo sozinho no ambiente. Este procura algo, contenta-se com um bocal de caneta.
- Porra, dichavas esta porra toda assim não !!! – diz, quase em prantos, Poeta.
Célo continua mudo, observa que Poeta carrega consigo uma garrafa.
- Hum, que parada é esta?
- Uísque Black & White, o verdadeiro cão engarrafado...
Célo não entende. Observa a garrafa.
- Não entendo...
- Este uísque era o predileto de Vinicius...
- O Vinicius Cabeleira?!
- Não, seu merda: o de Moraes...
- Moraes?! O Moreira?!
- Não, porra !!! Vinicius de Moraes, o poeta...
- Ah, tá certo... Tem isqueiro aí?!
- Tem ali no fogão, pega lá...
Célo levanta-se, sem antes ouvir pedidos de Poeta:
- E traga copos !!!

Metade da garrafa, dois baseadinhos... Poeta continua a olhar aquele indicativo de rede social, Célo, deitado num sofá, folheia uma Playboy. Solta, antes de sorver sua dose:
- Isto que é mulher, Poeta!!! Olha que peito, que coxão, que bunda...
Ele, segurando um cigarro, ao som de Conte Candoli, diz:
- Cara, eu sou um cuzão... – abaixa o rosto, chorando...
- Ué, seu couro de rola... e por quê esta agora?!
- Deus vai me permitir perder uma mulher como Isla...
 Célo se aproxima.
- Poeta, levanta este rosto...
- Me deixa, porra!!!
- Bôra, seu merda, levanta esta porra de corpo e aja como homem, caralho!!!
Célo puxa a cabeça de Poeta com força, deixando cair um pouco de uísque no chão. O cigarro também cai mediante o impacto. Os dois se olham, Poeta ainda em lágrimas. Célo observa a tela, respira e aponta:
- Cara, não deixe vadia nenhuma lhe desmerecer, caralho!!! Você é um cara bacana, muitos te amam, te respeitam e tal... Tu vai se deixar abater por causa disto?! Caralho, levanta a poeira e dá a volta por cima!!! Aposto que deve ter milhares de garotas doidinhas por você...
Poeta se levanta da cadeira, logo se agachando, numa quase posição fetal...
- Eu sou um merda controlado pela minha irmã!!! Quer apostar que daqui a pouco a puta me liga pra saber onde estou?!
O tempo de uma respirada e o celular dispara.
- Atende não, porra!!!
- Se eu não atender é pior...
Poeta pega o celular e o aciona:
- Oi, Carola... Sim, sim, estou bem... Não, não estou bebendo, nem fumando... Ora, por quê cê não vai cuidar de sua vida?! Sim, eu sei que mãe tem diabetes... eu mudei de casa pra continuar assim, é?! Carola, tenho que terminar umas paradas aqui e... Como “quê paradas”?! Paradas minha, coisas da escola... Ah, vá se fuder... Você também, bem tomado neste seu cu, porra!!!
Bufa algo no ar, observa Célo.
- Assim, cara... Aja assim, deixa ninguém te controlar não...
- Ah, eu me conheço... Daqui a meia hora ligo pra pedir desculpas...
- Tudo bem, não tem problema... Pelo menos você desabafou, tentou se impor...
- Foi por isso que Isla não me quis mais...
- Foi nada. A verdade é que ela nunca te amou...
 Célo acende mais um. Continua:
- Pelo menos não do mesmo jeito que você...
Poeta anda em direção à janela. Perto há uma luneta. Ele se posiciona e observa.
- Caraca, Houston Person é o cara!!! Olha a suavidade, combina demais com a bagana...
- Isla também adora a lua. A de hoje tá particularmente perfeita...
Célo se aproxima.
- Cara, se você não quer esquecê-la, tudo bem, é contigo... Mas tenta sofrer o menos possível. Isto não te faz bem... Toma, beba um pouco – e lhe oferece um copo – Vou lhe ser sincero: sou mais o Poeta solteiro. Cê namorando é um porre!!!
Poeta ri, vê Célo se afastar, olha tudo ao seu redor, os poucos cômodos, garrafas vazias, guimbas pisadas no chão... Decreta:
- Pois vou esquecê-la de vez. E vou fazer isto da forma mais lírica: nunca mais vou escrever sobre ela. Este será o último conto, o último ponto, o último canto... Nem verso ou prosa haverá Isla, ela será uma nebulosa nublada, em sépia, velha e desbotada, num gosto acre de dissabor, uma lembrança longe, arcaica e caduca... Adeus, Isla, delete, nunca mais...

Assim, Célo aplaudiu, Poeta apertou o botão e...