sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O DESTINO E O TRAJETO

Pras coisas feitas pelo coração...

Ele – Está chovendo em sua rua. No tédio de não querer sair de sua cama, solta um bocejo maçante e logo se vira pro lado. Vê as horas no rádio-relógio, quinze pras nove... Pensa no que fará pela manhã e constatando nada de tão interessante, logo aproveita pra tirar mais alguns minutos de sono. Sua mãe abre a porta do quarto e, adentrando-o, grita perguntando se o “menino” iria ou não estudar pro concurso público vindouro... Ele já tem 27, um diploma de graduação e preguiça nas células.

Ela – Também chove em sua rua, mas com menos intensidade. Já acordada desde cedo, fizera seu cooper mesmo num tempo tão implausível para tal e diante a mesa do café da manhã, pergunta pelas horas para a mãe. “O quê ?! Quinze pras nove já ?! Estou hiper atrasada !!!”, exclama levando a boca um pequeno pedaço de pão. Calcula dez minutos pro banho, mais cinco ou seis pra se arrumar e de sua casa até a faculdade onde leciona são mais vinte ou trinta minutos, a depender do trânsito. Ela tem 27 incompletos, duas graduações, uma pós e um mestrado a caminho...

Ele – Acordou perto das onze, ouviu sermão da mãe e da irmã mais velha, defecou, escovou os dentes, tomou um café morno vendo desenhos animados na TV. Riu um pouco, ouviu sem prestar muita atenção ao discurso materno de ter maturidade e coisa e tal, levantou-se do sofá, foi para seu quarto e lá rabiscou alguma coisa. Ligou o computador, mexeu nos sites de relacionamento de sua predileção, a mãe continua sua explanação: “Esta criatura não quer nada da vida ! Só pensa em vagabundear, de beber e ficar de trololó com os amigos ! Não tem um emprego, uma namorada, nada, meu Deus, nada... Você não vê o esforço que eu e seu pai fazemos por você, menino !!! Meu Deus, meu Cristo...”. Evoca os nomes santos por duas ou três vezes, logo sai. Então ele resolve dar uma volta pra espairecer...

Ela – Chega com atraso na faculdade e logo se desculpa aos alunos. Começa a dar sua aula e tudo transcorre bem, apesar do retroprojetor ter dado um problema em uma das salas. Até o almoço ela entra em duas turmas, numa delas aplicando prova. Come uma salada verde com frango grelhado, conversa com os outros professores e lembra-se de ligar pro noivo. Tenta duas vezes, mas dá sempre ocupado. Então ela resolve tomar um cafezinho enquanto revisa as pautas duma palestra que iria apresentar para logo à tarde. Então abre sua agenda e vê que teria muito tempo até a conferência. Resolve dar um passeio, já que não teria nenhum compromisso até então. Do carro finalmente consegue falar com o noivo.

Ambos na seção de disco dum sebo - Ele observa vários discos, se interessa por um Paulinho da Viola. Logo desiste ao ver o preço. Ela também passeia por muitas capas, separa alguns de seu interesse, um Dave Brubeck, Coltrane, Fritzgerald... Ele conhece patavina de jazz. Então passa a mão em outros, se fascina com um “Acabou Chorare” de capa estragada, porém com uns escritos tolos: “Para Jane, com carinho de quem te ama, Darcy... Outubro de 72”. Pechincho-o e acabou comprando o disco por dois reais. Sentiu-se feliz, pois ainda lhe sobraram três reais pro “dogão”. Seria o seu almoço. Ela leva cinco vinis, alguns raros. Paga no cartão, pergunta as horas, dá um sorriso de agradecimento e sai sem perceber o cartaz de sua palestra no mural do lugar. Mas ele repara, lê todo o aviso e decide dar uma passadinha por lá. “Estes troços sempre dá muita gatinha...”, pensa enquanto arrota...

Ele – Caminha, pois o local da conferência é distante. Ainda há poças de água no caminho, então tenta desviá-las pra evitar levar banhos casuais. Indaga-se se comprar o cachorro quente fora a melhor escolha, pois estava sem um vintém pro ônibus. Dá uma alisada no disco comprado, tira-o da sacola plástica e confere a contracapa. Fica feliz em ver que muitas das suas músicas favoritas estão naquele álbum. Cumprimenta um conhecido, pede um cigarro e traga o que sabe. Joga-o na rua ainda em fase de pré-guimba e olha para o céu. Algumas nuvens escuras talvez denunciem tempestade. Dá um chute numa latinha, assobia prum grupo de colegiais, solta mais outro arroto e constata que a molho do lanche não lhe fizera bem...

Ela – Entra no carro e dá partida. Percebe algum barulho estranho e diz pra ela mesma que levará o carro pra revisão com brevidade. Olha a agenda, sem nem saber por quê... Guarda-a na bolsa e logo pega o celular. Disca pro noivo, diz que o ama e iria comprar vinho. Pára no sinal, nega moedas prum menino que fazia malabares, aperta botões e tenta sintonizar o rádio. Pensou em voltar a fumar, rememorou alguns trechos do que iria falar na palestra, decidiu eliminar alguns chavões do discurso, soltou um bocejo e declarou-se cansada. Então prestou atenção na meteorologia do programa de rádio que anunciava chuva pra noite. Logo depois anuncia o locutor uma música de Chico Buarque das antigas. Ela cantarola junto...

Ambos numa sala de auditório - Ele chega ao local e procura um lugar vago para sentar, de preferência ao lado de alguma garota. Ainda traz no hálito de salsicha em digestão. Acaba achando lugar perto do corredor e ao lado de um rapaz meio hippie. Diz um “putz merda” mentalmente, mas acaba se acomodando. Sente então que o lanche não lhe caíra bem. Já ela chega e vê pelo relógio do som do carro que não estava tão atrasada como imaginara. Deixa o automóvel no estacionamento, anda em direção à sala da palestra, cumprimenta alguns conhecidos e antes do cicerone do evento apresentá-la ainda dá uma olhada nas folhas que lerá para a platéia. Anunciado seu nome, ela entra e logo é saudada por uma salva de palmas. Ela agradece, todos se sentam. Ela também. Posiciona a pequena resma, pigarreia, toma um pouco de água e logo começa sua explanação. O tema da palestra é “Kierkegaard e a crise moderna da existência”. Ele boceja, ora olha pra capa do disco que comprara, ora observa o teto, vira o pescoço pra trás na expectativa de encontrar alguma bela garota. Muitas vezes se perguntou quem era Kierkegaard e que cú ele tinha a ver com aquilo. Então percebeu que a palestrante citou Sartre e Nietzsche, nomes que ele lembrava dos tempos de faculdade. Perguntou então as horas pro hippie do lado e este, meio a contragosto, lhe informara que eram quatro e treze. Calculou que ainda faltavam mais de uma hora pra terminar tudo aquilo. Ela lê toda sua palestra com entonação, sentia que pegara a prática em cada evento que se apresentava. Pulou alguns trechos que achou enfadonho para a ocasião, deu mais uma pigarreada e tomou mais um pouco da água em copo de cristal, naquelas taças de servir vinho. Enquanto passava folha a folha, parava por segundos pra observar a platéia, porém sem contemplar rosto de ninguém. Sentiu um frio estranho na alma, como se um aviso que você não dá muita atenção. Interpretou aquilo como stress, nervosismo momentaneo, algo assim... Ele abana-se com a capa do disco, solta ar pela boca, pensa em pedir um chiclete pro seu vizinho de cadeira. Tenta encarar umas duas meninas, que não lhe dão tanta atenção. Começa a achar tudo aquilo um tédio, pergunta-se o porque dele estar naquele lugar... A palestra termina, mais palmas e começa a sesssão de perguntas. Ele sai neste momento, sentindo que incomodara o hippie e o asco de seu soluço de salsicha aumentava. Ele não percebe nela, nem ela nele...

Ele – Saiu do auditório e lamentou não ter um cigarro. Olho para o céu, constatou os pingos da chuva pela palma da mão. Ainda estava fraca, talvez desse para chegar em casa de boa. Caminhou, olhou as pessoas ao redor, a chuva começou a engrossar. Protegeu-se então num toldo de botequim. Recriminou-se por não ter um tostão prum trago.

Ela – Após a sessão de perguntas, ainda conversou com outros palestrantes, mas nada tão intimista que durasse uma hora ou mais. Pegou suas coisas que estavam numa sala a parte, observou o celular e viu que não havia nenhuma chamada recebida. Deu uma respirada, ajeitou o cabelo pelo espelho encontrado no trajeto, chegou no carro e constatou a chuva, esta que a molhou um pouco. Riu pois lembrou de suas infâncias, ligou o carro e consequentemente o rádio. Cumprimentou e pagou o flanelinha, colocou os óculos escuros e partiu. A chuva engrossara e ela disparou o pára-brisa.

Ele – E então vê aproximar-se um carro. Resolve acenar para pedir carona...

Ela – Percebe alguém pedindo carona. Não é de confiar, mas sentiu que neste caso deveria ir contrária aos seius princípios. Parou...

Ambos no carro dela – Finalmente se perceberam. Ela pergunta pra onde ele vai, o próprio então indica. “Não é tão longe...”, é o que diz a moça. Seguem em silêncio. No rádio toca outra de Chico das antigas. Ele assovia o refrão, ela nem se toca. Pára num sinal de trânsito. Ela observa o saco plástico onde ele guardava o velho disco comprado, ele nota a garrafa de vinho estrangeiro que ela comprara. Não dizem nada. Ele pigarreia, ela pensa em voltar a fumar. O carro volta a movimentar-se, curva-se, passar por poças d’água e encharcar alguns pedestres. Ele afirma “pô, que chuva...”, ela responde em onomatopéia. Mais um sinal de trânsito, um engarrafamento breve, outro um pouco mais longo, um Milton no rádio... Ele finalmente notara o quanto ela era bonita. Tinha uma fragância boa, um cabelo aloirado, sardas na região do nariz. Não pode ver a cor de seus olhos porque ela estava de óculos escuros, mas imaginou-o esverdeados. O carro tinha cheiro de novo, o asco do lanche comido antes voltava incessantemente. No rádio rola “Endless Love” e ele lembra logo de suas primeiras namoradas. Ela também lembrou-se dos amores passados, um em especial, o primeiro... Foi neste momento que percebera o rapaz em ínicio. Acho os olhos dele parecido com os do namorado lembrado. Deu um riso disfarçado. “Por aqui tá bom...”, ele diz. Ela pára o carro e ele desce agradecendo.

Ela – Com um riso de lado, ela lamenta a música ter terminado. Lembrar do namorado de infância e ver oos olhos do desconhecido e nele achar semelhança com o primeiro mencionado foi algo revigorante. O celular toca, ela atende e ouve do noivo palavras românticas. Ela diz que também o ama e que dentro de algumas horas chegaria no apartamento dele com o vinho prometido. Desligou o aparelho, colocou-o na bolsa, olhou-se pelo retrovisor e achou-se bonita. Os olhos do desconhecido lhe veio a mente. Não se ligou muito ao pensamento, a hora em que chega ao apê do noivo...

Ele – Resolveu descer a poucos metros de sua casa, a chuva cessara. Imitou equilibrista andando pelo meio-fio da calçada, chutou uma poça, viu dois cachorros molhados e, sem querer, assoviou novamente “Endless Love”. Então encontra uns amigos que o chama pruma cerveja. Ele diz estar sem grana, mas aceita de gratidão o convite dos conhecidos. Após dois copos relembrou-se da moça que lhe ofertara carona, achando-a finalmente bonita.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

ADAPTADO

Pra algumas sou algo,
Pras algas, sou sal
Pro salmão, uma mão
Pro não, recomeço...

Meço conteúdos,
procuro meandros que me ajudam enquadrar
no estar-sendo adaptado
da grande arte divina:
marionetes do destino...

Pedras no pé
pés descalços na pedra
um trilho ?!
caminho qualquer,
uma trilha, feminino viver.

(2007)

LÁGRIMA, LÁGRIMA

A lágrima
que saltei num dia alegre,
numa noite que chovia,
lágrima que molhou meu rosto raivoso.

Uma lágrima amiga
pro amigo que nenhuma culpa tem,
uma lágrima minha,
uma lágrima por mim...

Lágrima, lágrima
lágrima pela vadia que não merecia nem um tostão
lágrima pela menina-mulher;
lágrima vazia
pela vadia menina-mulher
que não merecia nem um tostão.

Uma lágria, pra quê tanto ?
Ainda há amigos
e o carnaval nem acabou...
Não despismos as máscaras,
todos ainda são tudo
e somos simbiose numa multidão de foliões
e amanhãs querendo tardar.
Lágrima, lágrima
chore, sorria !!!
Nada vale a sua vida, nada...
A embriaguez do jovem, o beijo carrasco,
a desvelação dos seres,
dissecação do incosnciente...

Então, ciente
me recolho numa esquina
e espero o bloco passar...
Há um cordão mais tarde,
haverá um enquanto você viajar.

(2007)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O TRAGO

"Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina..." (Adélia Prado)

Traga
o trago
atrás
do afago.

Fago e cito,
como e quando
enquanto tácito,
tranço e traço.

Contudo sou nada.

(2007)

PERÍODO

Maria
via
da janela
a vida que passava
e lhe sorria.
Maria esperava alguém
que não veio...
Maria observava o vaso
que rosa não brotou...
Maria queria um vento
que não passou...
Maria condenou sua idade,
Maria na sua janela,
Maria, por ela, queria,
outro flerte da vida...

Vida - o mesmo senhor de chapéu...

Maria
via da janela
a vida que passava
e lhe absorvia.
Era o tempo,
o tempo não era mais.

(2003)

BASBAQUICE

Hã ?!
perdão a basbaquice...
a vida passou sem porquê,
a luz desfez-se.

Não mudou ?!
Peço desculpas ao tempo.
Ele retribui-me:
Oportunidade,
refazer o eterno.

(2002)

UM VAPOR

Vejo o grito no quadro,
dos espaços, um vapor...
Aroma das dores
Morre som, não morre a pouca luz
faz-me cego
o poeta morre...
As estrelas caem.

A vida é irônica;
talvez a única ironia.
O poeta morre
na praça vienense.
Imaginar o céu amortece, talvez,
a queda.

Morre som,
calado, o poeta.

(2002)

LISTA DE COMPRAS

poema totalmente inspirado em Ferreira Gullar

Acabou o pão
a manteiga
o papel
e meu amor.

Ponho na lista de compras:
comprar pão
manteiga
mais pó de café
pílulas pra dormir
papel
e um novo alguém.

(2007)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

FEITO PRA ADÉLIA PRADO

Quero um amor
de encarar nos olhos,
destes que não desviam olhar
um amor de olhar...
Quero um amor destes de propôr fugas,
destes de dizer "me espera..."
"sim, te espero !", "me espera mesmo..."
"sim,sim, te espero..."
E aí, mesmo que se passem vinte anos,
vinte frondosos anos,
mesmo que se passem os tempos de explodirem as estrelas,
mesmo assim
estará ela
no local marcado,
vestida de verde e laços,
tão maquilada e feliz...

Quero um amor de gravar iniciais em árvores
ou em cimentos frescos que serão eternos,
quero dedicar poemas e líricas,
de amor feinho, confeito, pro Zé
feito pra Adélia Prado
feito pro amor
feito pra amar memorial
amar marmóreo
amar caducamente
feito pro amor de um soninho...

Quero um amor simples,
quero uma mulher com rosto de esposa,
rosto simples, rosto de mãe...
Quero um amor que me faça vagar,
que me faça sumir, sublimar, abstrair, crescer menino
um amor que se confunda com as luas,
um amor das ruas e das rimas facéis,
amor perdido, amor com gosto de feijão com arroz

Um amor pra dizer é meu
um amor pra ser só seu
um amor que conflita meu eu
um amor e milhares de adeus,
um amor do céu
um amor de anjinhos
um amor que queima brasas
amor de criar asas
amor de amar, amor de mar, amor demais...

(2007)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

NU E CRU

Conversavam nus, era a única hora que tinham para isto. Trabalhavam muito. E o momento do encontro de ambos era aquele: horário de almoço em suas repartições. Trabalhavam em lugares distintos, distantes. Sob a luz de uma fresta, conversavam nus. O quarto do vagabundo motel era o mesmo, o 302. Já tinham tamanha intimidade com o local que a moça já trouxera suas roupas intimas e o senhor, suas flâmulas de time de futebol. Também tinham porta-retratos espalhados pelos móveis da sala. Conversavam nus, apenas nus.
“É gozado isto, né ?!”
“Gozado o quê ?!”
Pensou em não dizer o que seria. O senhor dera sorte de estar com aquela mulher, quase trinta anos mais nova.
“Tu não disse. Gozado o quê ?!”
“Esqueça, Estela...”
Ele tinha nome de velho: Asdrúbal.Pais espanhóis e uma pele amorenada.
“Não, Asdrúbal ! Me diz ! O quê há ?!”
“Não é nada de interessante...”
“Mas eu quero saber !”
A juventude de Estela o assustava. Era casado, mas escondia a aliança para vê-la. Estela já sabia da condição do matrimoniado.
“Poxa, você não crê em mim mesmo...”, faz cara de dengo.
“Não é isto. É que é uma coisa tão idiota...”
“Uma coisa tão idiota que a idiota aqui não pode nem saber !”
Ele levantou-se e colocou o Rolex no pulso. Sempre começara deste jeito. Resolveu logo tirá-lo. Afinal, só nus conversavam.
“Você já percebeu que nós só conversamos assim...”
“Assim como ?!”
“Quando estamos aqui...”
“No motel ?!”
“É. Exatamente neste instante, depois de tudo.”
“Depois de quê ?!”
“Depois disto aqui ! Ah, você me entende...”
“Entendo não.”
“Estela, você conversa comigo ?! Liga pra mim por acaso ?!”
Pensou em responder que sabia que ele era casado, mas deixou pra lá. Talvez o fetiche de tudo era exatamente o mistério de suas identidades. Respondeu:
“Bem, Asdrúbal... Ah sei lá porque eu não te ligo !”
Lembrou-se que não tinha o número de telefone dele. Mas também ocultou isto.
“Pois bem, Estela. Então o momento de te conhecer é justamente aqui, neste local, assim...”
“Pombas, como assim ?!”
“Assim...”
“Assim como, raios ?!”
“Assim, nus...”
“Nus ?!”
“Nus !”
“E ?!”
“É estranho...”
“Como estranho ?!”
“Você é muito complicada !”
Levantou-se e novamente pôs o relógio. Pensou e acabou-o tirando. Voltou para a cama.
“Tu tá estranho, bem...”
“Eu estranho ?! E você ?! Sou teu namorado, não sou ?!”
Pela primeira vez ele declarou-se assim. Estela realmente não sabia o que Asdrúbal era para ela: amante ?! ficante ?! um casinho ?!
“É, tu é meu namorado. E daí ?!”
“Daí que você nem me conhece direito...”
“Sei o básico. Não basta ?!”
“O que você chama de básico ?! O nome ?!”
“Sei lá o que é básico... O básico é que eu gosto de estar com você.”
Asdrúbal pensou em se declarar casado. Não agüentou o fato de sua jovem amada nada saber dele...
“Tu sabe o nome de mamãe ?!”
Maria Aparecida. Vira na identidade.
Calou-se.
“E do meu pai ?!”
José Gregório. Também vira no RG.
Calou-se.
“Sabia que tenho um cachorro ?!”
Esta ela não sabia.
“Pra quê tudo isto, Asdrúbal ?!”
“Sabia que eu sou...”
Freou-se.
“Sou ?!”
“Que sou...”
“Vamos, Asdrúbal, diga ! Sou o quê ?!”
“Que sou... que sou... que sou Fluminense !”
Sabia. Já haviam discutido isto.
“Sabia. Você já havia me dito isto...”
“Já ?!”
Pensou em dizer algo que ela não soubesse.
“Qual o nome de meu melhor amigo ?!”
“Januário. Foi ele quem nos apresentou...”
“E de qual fruta eu gosto mais ?!”
“Desconfio que seja jambo. Você sempre pede jambo pra recepção...”
Calou-se.
“Também sei que você tem um Fusca 78, que prometeu nunca mais votar no Lula, que tem uma unha encravada, que...”
“Nada disto é útil !”
“Sim, e o que é útil ?!”
Encurralou-o.
“Tu não acha que tá bom deste jeito que tá não ?! Veja, pouco me importa saber o que você sabe de mim. Tu é bom de cama, é meu namorado...”
“Único ?!”
“Como ?!”
“Eu sou teu único namorado ?!”
Pior que não era. Estela saia com outro cara, um colega de repartição. Sempre as tardes, entre as três e as quatros...
“Hein ?!”
“E você ?! Sou tua única namorada ?!”
Engasgou. Levantou-se e vestiu-se, começando pelo Rolex. Ela também se levantou e vestiu-se. Saíram.
Nunca mais conversaram. Nem quando estavam nus.
Mas sempre se encontravam, horário do almoço, no 302 do mesmo motel...

(2006)

PRETO VELHO

vermelho
verme velho
cravo
encravado
cavado
preto e branco
preto velho

cravo
rosa
va ra
so ro

cravo-rosa num vaso raro
aro raso reza brava
cava cova Sara Rosa
só será rara
quando arar a glosa
quando glaciar o tanto
o tato
e o ato

(2007)

O PEIXE-CHINÊS

O peixe-chinês
parece uma pipa.
O peixe-chinês
com nada parece,
com nada parece,
ele apenas nada
apenas aparece
apenas nada
nada com nada
nada nadando
com nada parece
o peixe-chinês.

(2004)

TEMPO AO TEMPO

“Não é difícil de comparar/ Nosso cérebro com a castanha do Pará...” (Movéis Coloniais de Acaju)

Às vezes só quero uma voz dizendo “vá !”,
só desejo um silêncio para calar estas vozes que estão em mim.
um pássaro rasgado
inventa de voar
no meu ar, neste ar tão cheio do vazio deste corpo...
e então desvendo palavras e patavinas,
ouço o zumbido deste eco,
da consciência que rumina minha mente
ou da mentira por onde desvio o fio...

Dou tempo ao tempo
do tempo,
mas ainda haverá tempo
para tudo temperar ?
Temperatura, a altura
mista da visão embaçada
e o encosto que assombra e dá aconchego.

Aí chego ao fim
e vem o enjôo da chegada:
reinvento um novo ir
e caminho para onde os relógios viciem
nalgum ácido
e descumpra a ordem
de sempre
ir.

(2007)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

MAR TEU AMIGO

P.S:Poema do meu amigo Jason feito em minha homenagem... Valeu amigo !!!

Mar teu som e de vida
Mar tão gigante quanto o amor, pela vida.
Vida de quem ama a vida
Mar teu brilho
Mar teu som
Mar teus amigos só um
Mateus
Lagrimas que enchem o mar
Lagrimas de emoções
Lagrimam sinceras se misturam com canções
Na poesia a riqueza e na verdade dos que dizem
Boas coisas da vida e amizade
Mar teu amigo é só um
Mateus

MENINA DO MAR

Menina do mar,
Janaína de areia,
Fez-me tão homem
amando sua carne em louvor,
querendo sua arte quão marinheiro,
tentando aspirar este seu gosto de sol e sal...

Garota estrangeira,
destas que vem dum sonho e, ninfa que é, descortina
a coisa gris do meu corpo que só deseja o seu
que só deseja o céu
que só deseja você !

Moça tão clara,
cujo ventre exala vulcão,
dona da lua, oratório de meu ser,
sua pura vontade titânica;
do mar é deusa, sereia de encanto
fazendo-me vassalo do seu querer,
tornando-me menino querendo crescer...
E nesta explosão de sexo, alma,
amalgama da coisa cristalina,
assim mulher, lágrima de menina,
buscando acalanto no dorso meu,
neste sossego cego, tateando breus,
menina do mar,
algo de bom que me aconteceu...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

FELIZ DIA DOS NAMORADOS

Desejar amar, desejar ser querida. Ela era velha, tinha mais de setenta certamente. Nem ela mesma sabia sua real idade, às vezes dizia ter menos, noutras mentia que tinha mais de cem.Desejava amar, desejava ser querida: em rugas e nunca um beijo dado ou recebido, nenhuma cartinha de amor, nem uma simples piscadela! Talvez já fosse bela na juventude, nunca se vai saber. Ainda maquilava-se. Carregadamente: mantinha muito rimel nos olhos, o batom num vermelho vulgar, quilos e quilos de pó-de-arroz nas bochechas cheia de traços... Usava os mesmo vestidos estampados com frutas tropicais. Os cabelos amarrados, unhas carcomidas, lavanda barata nos suores. Ia ao baile, mesma rotina de tantos anos. Casais envelheciam seus relacionamentos e ela ainda freqüentava o mesmo clube, sentava-se na mesa já cativa e pedia o sempre dry martini. Alguns velhinhos a chamavam para dançar, ela discretamente recusava. Queria rapazes, “brotos” como dizia.
Não percebia, todavia, que seus contemporâneos também envelheciam e que muitos amores do passado também estava grisalhos ou capengavam em suas bengalas. Orgulhava-se do pivô de ouro colocado às custas dos míseros centavos de sua aposentadoria. Naquele dia era um baile especial: era um sábado 12 de junho, dia dos namorados. Quantos dias como aquele já comemorara... Ou nunca comemorara, não tinha idéia de como dizer. Enfim, naquele dia tantos pares enchiam a quadra. E ela não gostava de lugares cheios: vai que o homem de sua vida esteja lá e ela não o encontrasse? Mas, como comecei a narrativa deste parágrafo: ela não percebia que o tempo passava para todos, inclusive para ela e para seus próximos.
Sentou-se na cadeira e todos a olhavam. Muitas vezes sentia-se como atração de um circo, tamanho era a curiosidade sobre sua figura. O garçom, um velho amigo, já trazia o pedido pueril numa travessa. “Será que nunca trocam os copos?”, pensou. Sorveu pouco e caçou quem deveria paquerar a principio. Era brincadeira entre os rapazes apostar quem a velha paqueraria primeiro. Encontrou um homem, faixa de quarenta e camisa listrada de botão. Mas reparara que em sua mesa havia uma bolsa feminina. Casado, confirmou-se logo quando alguém se aproximou dele. Uma mulher.“Lambisgóia!”, falou baixo.
O crooner anunciou que hoje só cantaria Nelson Gonçalves. E começou: “Boneca de pano/ Pedaço de vida/ Que vive perdida no mundo a rolar...”. O cantor parecia bêbado, a banda idem. Casais começam a lotar o palco em danças. A velha bebeu toda a bebida num só gole, olha e procura alguém solitário. Apesar de católica fervorosa, permitiu-se dizer um palavrão. Pegou um pequeno espelho de sua bolsa e viu-se como deveria se olhar: velha. Percebeu que alguns riam de sua desgraça, a todos quis amaldiçoar. Levantou a mão pediu uma segunda dose. Sentiu calor e tirou da mesma bolsa um leque exalante da mais oculta naftalina. Leu a faixa escrito acima do palco: um FELIZ DIA DOS NAMORADOS em vermelho, uma mensagem em aspas e vários balões formavam um coração ao lado do pano estendido. Alguns já murchos, percebeu.
Um senhor aproxima-se. Usava cachecol, apesar da alta temperatura. Tinha bigodes brancos, um chapéu-do-panamá já em desuso, mascava um nervoso chiclete. Pediu para sentar ao lado da velha, tinha elegância nos modos. Perguntou se ela não lembrava dele. Disse-lhe um confirmador não. Então o velho renovou a pergunta num “Tem certeza que não ?”. E ela, “Definitivamente não...”, embora não tivesse certeza da resposta: aquele castanho no olhar pareciam-lhe familiar... Ele então se revelou um antigo colega, dos tempos de ginásio. A velha disse “Mas é você mesmo !”. Aí percebeu que estava velha mesmo. O senhor ajustou seu óculos e disse que o tempo não passara para ela. “Até parece uma boneca de porcelana...”, mentiu sinceramente. A velha sorriu e exibiu o seu pivô de ouro. Logo de cara o velho declarou-se viúvo.“Há cinco anos !”, ressaltou com entusiasmo. A velha tentou não gostar da conversa, mas no fundo achou-o atraente. Talvez fosse este seu amor platônico de normalista. “Nem queiras gostar de mim/ Sem que eu te peça/ Nem me dê nada que ao fim/ Eu não mereça...”, a voz do crooner era visceral. O velho disse que esta era do seu tempo. Ela não queria lembrar o quanto estava velha. Então o senhor proclamou que Nélson Gonçalves que era cantor de verdade, o resto tudo era balela. Ela concordou balançando a cabeça, não sabia se dizendo sim ou não. “Tem um cantorzinho metido a bosta de hoje que canta requebrando...”, disse o senhor. Logo completou que requebrar era coisa de maricas. A velha achou-o vulgar no comentário. Ele perguntou se ela não queria algo. Disse não mas logo depois pediu outro dry martini. Veio-lhe a cabeça que só tinha dinheiro para dois copos e que era sempre bom abusar de que oferece um a mais. O garçom trouxe a bebida pedida e uma xícara de café. O café fora pedido dele. Então o velho tirou um cantil cromado, destes de uísque, e depositou o conteúdo dele na xícara. “Uísque só bebo dos meus !”, disse. Não entendeu a alquímica mistura, mas concordou que cada um com sua mania.
O senhor exclamou ao ar “Dia dos namorados, não é ?!”. A velha nada disse. “Antigamente eu costumava dar uma rosa para minha finada esposa nestes dias...”, continuou. Não parecia nostálgico. A velha olhou para o homem de quarenta para quem havia olhado antes. Pensou o quanto ele era bonito. Depois relutou e concluiu que ele era simples. “A juventude nos torna belo !”, findou em pensamentos. O senhor pigarreou, pegou um pano e limpou a face. Disse o quanto ela era graciosa nos seus tempos de colégio. “E ainda continua...”, malandro desta vez. A velha corou-se, mas não se percebeu pela quantidade de pó em seu rosto. Resolveu abanar-se novamente. O velho aproximava-se cada vez mais, estavam quase ombro a ombro. “Nunca fui beijada !”, disse em instinto.
O senhor, então, franziu a testa. Parecia ter escutado revelações de uma Nossa Senhora. “Não creio...”, falou. Ela procurava algo em vergonha. “Mas quer, certo ?!”, insistiu o velho. A velha não sabia o quê responder. Quis a boca do homem de quarenta, não o daquele que agora estava ao seu lado. Coçou a nuca, olhou os poucos casais que ainda haviam, o homem de quarenta já fora embora. “Tenho um bangalô aqui próximo. Você quer ir comigo ?!”, perguntou o senhor. Engasgou um pouco, alisou a medalhinha de Santo Antônio que mantinha no pescoço desde criança. Lembrou-se que era mais de meia-noite, já estavam no dia 13, dia do santo. No mesmo instante o senhor disse que estava disposto a casar novamente. Então passou os dedos pelos ombros nus da velha. Ela ficou arrepiada, mas não esboçou recusa alguma.
O mesmo garçom dissera que tinham que fechar o clube. Os músicos desmontavam seus instrumentos, o local recebia as primeiras faxinas. “Tomou alguma decisão ?!”, o velho parecia impaciente. A velha que desejava amar, que desejava ser querida, a velha que tanto recusara outros convites idênticos a este, a velha que cansara de chegar sozinha em casa e deitar-se após tomar um analgésico para relaxar seu intestino, a velha que se viu velha, a velha que agora andava de mãos dadas com o senhor viúvo. Enamorada, entregou sua velha virgindade no bangalô e agora não mais teria companhia para os últimos bailes que a vida lhe ofertaria.

(2006)

A REDOMA

Pareço masoquista ao olhar seu rosto,
pois cunho no metal de minhas lembranças este sorriso seu
esta coisa tão sua
algo que quero e tenho que esquecer...

A redoma que crio,
feito casulo, fio a fio
é onde quero esconder-me; redimo...
e aí é que encontro meu calabouço:
esforço vão,
você está em mim,
dentro de minhas artérias,
no limiar de minha matéria,
no meu encéfalo gritante...

Condeno-me, então
A esta sentença de não tê-la
Sofro, guardo-me
Canto esta coisa que me definha...
Mas ainda é algo que cultivo
E nutro, não anulo, incentivo...
Ah, este amar de desgraças !
Que ultrapassa mares entregue a mil traças !
Aquilo que tento, mas nunca passa...

Sofrerei sempre por esta sua ausência, sei lá...

HAIKAI PARA O "NOTURNO N° 2 EM MI BEMOL", DE CHOPIN

Modesta flor empregnada do prazer,
fazendo de minha alma
um réquiem para sua docilidade fútil.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

A ESPERA DO ACASO

Minha vida desanda
e anda, anda...
ainda que para um precipício,
ou princípio,
ainda que não desenvolva
ou envolva
qualquer transformação
uma ação,
um movimento
para me tornar
mais aceitável, sei lá...

Nem hortênsias, nem meu curso
(ou o curso do rio)
nem a menina-terra ou mil e uma noites,
nem minha fase Peter Pan,
nem a hipocrisia,
a atrofia, a espera do acaso:
duma filosofia que torne-me potência,
ou essência,
frase de caderno...

Contudo limito-me na esperança,
luto, creio que algo possa mudar
assim, mudo e apenas ouvindo
os sons de outras almas,
profecias de muitos hojes
sentenças que me podam,
a luta que travo nunca travará
este meu semblante de quem apenas quer
um motivo melhor para sorrir.

(2007)

AMOR DE DIZER

pra minha paixão/desilusão por um certo alguém...

Fui exagerado, sei...
Mas quem não o é ?!
Quando o amor é grande
- ou quando parece sê-lo -
pra quê travar-se em muitos moralismos,
pra quê censurar este meu amor de dizer ?!

Gritar aos quatros cantos
que o amor pode ser um canto,
ou mais que isto
ou tudo isto
nada mais que isto
e isto tudo nada é...

Fui rápido,
mas quão ligeiro foi isto que senti,
isto maior que qualquer flerte intencionado
algo acionado
de alma, de calma, de bater...
Amor-soco,
despertando em meu lado oco
o sentimento que encheu-me de tudo sublime...

Assim caminho
Pelas palavras que você apagou,
nos alto-falantes em que clamavam meu desejo
no meu exibicionismo cínico,
na esperança vã, hoje adormecida
amanhã quem sabe...

DIVIDINDO O MESMO MP3

Por um daqueles sem por que do destino, ele foi sentar ao lado dela.
Era uma noite agradável, uma lua escondia-se pelos prédios da pequena cidade média. Estavam na praça, que não estava tão cheia. Outros bancos isolados havia ali.
Mas sem nada ou motivo, ele acabou sentar ao lado dela. Ela, mocinha ainda, tinha uma prancheta em mãos. Na prancheta, alguns A4. No A4, rabiscos e desenhos: os velhos daquela praça, os garotos de moicanos que andavam de skate, outras garotas como ela. Naquele exato momento desenhava um misterioso pássaro noturno. Mas este pássaro não estava ali, apenas imaginou-o...
Ele escutava algo no seu mp3.
E sentou-se, assim como um qualquer, ao lado dela.
No começo não a percebeu, mas ela notou os cravos que havia no nariz dele. E, sem pedir licença, acendeu um cigarro. O rapaz. Tinha o olhar vago, olhava para uma direção incerta, percebera os velhinhos, os garotos skatistas, as garotas como aquela garota que ele não percebera. E então olhou o céu. Talvez tenha sido o Sinatra que soava em seus ouvidos, aquele poema do Bilac que fala em ouvir estrelas e que ele tanto gostava, um vento frio que de repente bateu na sua nuca.

“Ei, dá um teco...”, ela.
“Teco ?!”, ele. Logo tirou o cigarro da boca e ofereceu.
“Não...”, ela riu, “Não fumo...”
“E então ?!”
“Do som. Posso escutar o outro fone ?”
“Ahhhh...”, em assombro, “Tá, pode sim...”
E ofereceu o outro fone a ela.

“Tá ouvindo o quê ?!”, ela.
Ele não respondeu. Ela coloca o fone no seu ouvido direito.
“Nossa, música de coroa !”
“Posso mudar, se cê quiser...”
“Precisa não. A música tá boa pra eu terminar de desenhar o pássaro...”
Achou estranho. Não havia um pássaro naquele lugar. Até porque dificilmente se via um pássaro noturno por ali. Mas, afinal, existia pássaro de hábitos noturnos ?!
“Cê devia parar de fumar. Faz mal...”
Nada pior prum fumante que escutar que fumar faz mal.
“É, tou tentando. Quem sabe um dia eu pare, né ?!”
Ela soltou um longo sopro.
“Nyna.”, disse.
“O quê ?! Menina ?!”
Ela ri.
“Não, bobo... Meu nome. Nyna...”
Só depois da revelação do nome é que ele percebera nela. Bonita, magra, sardas, olhos-turmalina, boca rubra, feito pitanga... 16, talvez 17. Certamente de menor...

“Você sabia que a turmalina é verde que nem seus olhos ?”
Ela riu brevemente.
“Não...”
“Quer dizer... Há turmalinas de outras cores. Castanho, azul, preto, rosa... A verde é também chamada verdelite.”
“Tu não me disse seu nome...”
“Edivaldo. Nome de velho, né ?!”
Nyna ri e ele percebe a arcada dentária dela.
“Posso te chamar de Ed ?!”, pede.
“Sim, claro. Eu ia te pedir isto...”
“Tem outra música neste mp3 ?!”
“Ah, sim...”, e começa a operar no aparelho. “Curte soul ?!”
“Sei lá... Sim ?!”
E colocou Nina Simone.
“Esta cantora tem o seu nome...”, disse timidamente.
Ela fez um “ah é ?!” bem prolongado. Ed entendeu aquilo como tédio. Pensou nalguma coisa boa pra dizer...
“Topas um chopinho ?”
Ela soluça levemente.
“Pô, de fú ! Ela canta bem pacas. Pirei na voz da minha xará...”, disse depois.
“Não tem como não se encantar como Nina Simone...”
“Como se chama esta música ?”
Ed respira para caprichar no inglês.
“Keeper of the flame.”
Depois desta, pensou no quão fundamental foi namorar com aquela gringa hipponga que conheceu lá no Capão, em seus tempos primaveris. Fora a americana que lhe apresentou Nina Simone, com o argumento de “boa música pra traçar meninas...”, com aquele sotaque anglo-abrasileirado.
“E o quê significa ?!”
“O quê ?!”
“O título da música. Cê sabe traduzir ?”
Gaguejou, tossiu, cambaleou, fixou o olhar brevemente prum casal de namorados que se beijavam.
“Topas um chopinho ?”
“Hã ?!”
“Se você quiser, claro. Ou puder...”
“Beber ?!”
“Sim. Será que dá grilo ? Você deve ter o quê... 17 ?!”
“19. Não pareço, né ?! Quer ver meu RG ?!”
“Precisa não. E então: topa ?!”
“Você me paga um copo de vinho ?!”
Jogou a quase guimba do cigarro no chão e concordou com a cabeça.
“Mas peraí. Deixa terminar esta faixa. Qual o nome desta ?!”
“Work song”, e antecipou-se, “Canção do trabalho !”
Ela riu e disse:
“Terminou a música. E eu acabei o desenho. Toma...”, arrancando o papel, “...é seu !”
Ed agradeceu.
“É um pássaro...”
“Você me disse...”, desliga o mp3.
“Vamos tomar o vinho agora ?!”
“Vamos sim...”

Naquele dia Ed dormiu com Nyna. Realmente nenhuma mulher resiste a um vinho barato acompanhado de um Nina Simone. Tentem com I love baby. Irresistível !

(2007)

QUINTESSÊNCIA

Para Deize

Quem te vê assim, tão menina
Tão vulcão, puro coração em si
Não compreende o quanto de brilho há
Neste sorriso a iluminar
o mundo todo gris

Que te imagina assim, brisa
Ânima, meu corpo se anima, pitonisa,
Quintessência do amor prodígio,
Pródigo de felicidades mil...
Nestes cabelos que escondem os segredos
Nesta pessoa que, de tão especial, espécie que jamais se viu
Dei, zelei, fiz dormir, espantei seus medos...

É esta mesma criança em dengo
É esta única deusa do meu reinado
Mulher que chora estrelas e luas
Em busca de sapos encantados
Procurando por todas as ruas
Aquele para ser seu, só seu...

Risco na areia, declaração em papelão
Encanto da sereia, sossego em algodão
Encanto de olhos que me perco
Inspiração da canção
Extrema unção, oblações
Várias declarações
Pena uma vida só pra te ver sorrir.

(2007)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

MOVIDA

Movida
a vida,
sem motivos
apenas ativo
seguindo sempre
indo nunca
esquecendo cedo
tardando novidades...

Movida
passos,
caminhos rasos:
asas e céus
terras e chão.
Movida
molécula macro;
o mundo,
infímo planeta no negro.
Oriundos,
alcançando estrelas,
fuçando trelas,
escondendo ser.

(2007)

CABEDAL BLUES

“Passado, presente, participo sendo o mistério do planeta...” (Novos Baianos)

Poucos olhos que me flertam.
Tantos olhos que me buscam,
e eu buscando apenas um olhar para me olhar.

Tantas mãos que apedrejam,
algumas mãos que perdoam;
tatos que me tocam,
toques que mantém contato.

Muitos poemas parecidos,
alguns lidos, outros esquecidos...
Poema démodé
poemas deja vú
poema singular
poema de engolir
poema pra deglutir
um cabedal blues
bem azul
sem azuis
azuladinho...

Muralhas desviadas,
rios atravessados
que nunca mais será o mesmo rio...
desafios afios
a vida tem-se que enfrentar
levando a vida
lavando a vida
ávida-grávida-vida

Enfim, o fim,
afinco,
fincando palavras na mente,
criando demências ou profecias
vago caminho em busca duma busca
brusca
e contada num segredo leve.

(2007)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

SINGULAR PLURAL

Nós
Num nó,
Nuns nós,
No unido...
Um plural de singulares,
Singular plural,
Uma particularidade,
Uma gota única no universo.


De nós:
Laços, forca, faca.
Vários vazios de poucos,
Pouco vazio de muitos.

Vários e muitos, pouco vazio

(2007)

VIM, VI E VENCI.

Não é a toa que a chamavam dos piores nomes. Por motivo algum poderiam caluniá-la, porem. Pessoa de bem, de respeito. Tinha nome de santa e carregava o demônio dentro de si: sete meses incompleto de gestação. Fizera amor com o homem que quis, frisava ferozmente. Gostava da lua e de música. Comprara uma flauta, mas nunca aprendeu uma nota sequer. Marcava no calendário os dias de completar quinze anos. Mas não tinha mais quinze anos, aliás nunca os tivera. As idades passavam pelas rugas, pela decadência, pela impotência, por nada. O nada é um bilhão de amebas cruas. Entrava de roupa no chuveiro, talvez vergonha do corpo, talvez a devassidão de ver-se oculta. O nada é um bilhão de amebas cruas. Tinha ex-namorados, o que considerava péssimo. Achava carregado demais o termo “ex”, prefira esquecê-los. Escutava o Para Elisa, de Beethoven, e tinha dias que chorava, noutros não. Todos são assim. O nada é um bilhão de amebas cruas.

(2007)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

ACORDAR DOMINGO

Acordar domingo
é acordar dormindo
estar de acordo
que os segundos passarão...
passarão...
passaram os segundos
e pronto:
já é segunda !

EMUDECER

"Aquilo que ouso/ Não é o que quero/ Eu quero o repouso/ Do que não espero..."
(Vinicius de Moraes)


Talvez
passará,
passarinho
voará
sem vez
nem tez
ou voz...

e mudará
emudecer.

Não sou poeta do ato,
nem das mãos, da fala...

sou o poeta do silêncio.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

CLARINHA

Para Maria Clara

A água clarinha
da cachoeira, límpida
veio mansa, assim insípida
mas cândida e cristalina
como a menina
clarinha.

A flor clarinha
nasceu da relva, na grama
nasceu tão verde e logo disse que ama
uma chuva
a chuva clarinha.

Então veio a estrela
que pisca, brilha, clarinha estrela
clareou o céu, clareou seu dia
clareou a Maria,
que não sabendo clarear
clareou, sem saber, todo o ar
da sua luz
clarinha...
clarinha...

O JAZZ

Pro meu amigo Jason

Vamos ouvir o jazz, ouçam-no !!!!
E o que nunca jaz
é o meu carinho pelo jazz...

Que é música mística, timbre, timbal
um tom
mil sons, único sol
é feito girassol, guia-se
pelo que há de bom...
do bom,
um bom batuque, uma cifra, canção dos irmãos...
ritmíca com mãos,
demais...

É o jazz
homem, sangue - seu instrumento
raiz que se bebe e que não finda, finca.
E jaz
com o que de podre em mim
há.

RASCUNHO DO QUE COMECEI A ESCREVER

Ela então saiu assim, semi-nua e molhada, uma deusa... Seu corpo embebe-felpuda, uma toalha roxa, outra branca cobria-lhe os cabelos feito turbante. E resolveu então de passar um creme por suas pernas, pêlos douros, insana e santa, sacra e sacrilégio. Era minha irmã e tinha um pouco mais de dez... Já tinha vinte e tinha sido eu o criador de seu batizado nome: Elizabete; deste jeitinho, abrasileirado, nome puto... Tinha olhos nefastos, cor de brasa, tentação. E impunha um olhar tão vadio para a idade, olhar que tentava, olhar de tentar suicídio, de induzir chacinas, olhar moreno num corpo vaporoso, seus ainda mamilos em flor, um seio do dêmonio !!! Duas pequenas pontas quaisquer, duas espadas a imacular minha alma indócil. Tinha vinte, repito. E jovens de vinte mal ejaculam, jovens de vinte mal vivem ! (...)

"A vida passa, passando... O mundo girando e eu não percebo. Eu espero e estaciono: nada aciono. Nem o que virá, nem o siga, nem nada. Cobiço a vida de outros. Quem me dera um novo cérebro, uma outra persona, outras divagações... Não penso mais em Manuela, contudo não penso mais em ninguém. Isto vale ? Aliás, o que vale na real ? A vida passa passando ! Ando e ando, não há caminhos. Então caminho por trilhas que parecem tão obtusas. Lá, a pedra e o coelho fujão da Alice... Já é tarde. Tardo e retardo madrugadas: de quê me adianta o pau devastado se não há boca para chupá-lo ?! "Eu cansei de ser assim...", a doce declamação do Camelo..."

(Extraído do meu "Pequenos pensamentos de quem pensa pequeno" (Título: "Vinte e poucos anos de solidão", de 27/05), espécie de diário-confidente que mantenho desde auréos tempos sofrivéis...)

(2006)

RESOLUTO DA MINHA EMBRIAGUEZ

A minha embriaguez
é verde
jamais branca,
nunca branda
é apenas um doce engano,
um elixir, um magma...
A minha embriaguez
é denotação,
uma ação, um beijo de língua,
uma vitória que se rege.
A minha embriaguez
é profanação divina
um cristal que prisma tudo
obra prima
primeira vez...

Ninguém tem nada que se meter
na minha embriaguez,
ela é egoísta,
ela é dos outros,
minha embriaguez é desnecessária de qualquer líquido...

Basta apenas ter um amigo.

(2006)