sexta-feira, 28 de junho de 2013

MACIEIRA EM FLOR



A gravidade os uniu. Contudo, muito mais do que leis newtonianas, fora também uma mera maçã, em tão reluzente rubro e de apetitoso sumo, que haveria de abrir caminho para os primeiros olhares entre eles - tinham onze, no máximo doze anos... Guida era cabocla bonita, vestido de chita rasgado na barra, um dente a menos por sorrir... Já tinha brotos seios e cintura em contorno. E estava em cima duma macieira em flor, melindrosamente sem suas calcinhas... Ele, filho do capataz do roçado, não sabendo como cumprir suas obrigações de ajudar na proteção daquela propriedade, observa num acanhamento sacana tudo aquilo que a ocasião lhe propusera. Não entendia aquelas reações ora orgânicas, ora maledicentes... Então uma maçã escapole dos dedos da menina, atingindo pitagoricamente a cabeça do garoto. Os dois então se observam, ela com um olhar de medo e angústia, ele sem saber se estava embaraçado com a cena antes vista ou se deveria dar-lhe alguma reclamação pelo delito. Pareceram então combinar um segredo, uma cumplicidade moleque: ele fraternalizou-se, ela sentiu-se segura... Pegando as maçãs caídas do chão, ele as põe no pequeno alforje que sempre carregara. Tinham feito um acerto sem palavras, hipnóticos por alguma maldição muda, levados por um frio na barriga que não sabiam o porquê... De repente, uma ordem ao longe e ela, ágil como um calango, desce da árvore e, segurando o punho do menino, faz-lhe acelerar também aos gritos de “corre, corre, corre...”. O coração do garoto era um misto de aceleração pela corrida e pela excitação do tudo vivido. Esconderam-se na entrada duma lapa, ambos ofegantes e suados. Riem e contabilizam a quantidade de frutos roubados. Ele perde a concentração da contagem, sente-se apaixonado pelas sujeiras no rosto e pelos joelhos ralados de Guida. “Vi que tu tá sem calcinha...”, diz engasgado. Ela pára a divisão e apenas o observa, paralisada... Dá um sorriso malicioso e abaixa o rosto. Ele pega um graveto e risca algo na terra batida... Ela, antes acocorada como o menino, levanta-se, limpa uma parte do vestido e diz: “ontem eu vi um boi montado numa vaca...”. Ele engole seco, tenta salivar, cospe em cima do desenho, olha aquilo e responde um “e é?”. Ela se aproxima dele, põe-lhe a mão no braço e diz próxima ao ouvido, como num segredo: “meu irmão me disse que eles tavam fazendo filhote...”. Sentiu um arrepio, um medo, algo que não sabia explicar. Era bom, mas não conseguia decifrar isto. Respondeu um novo “e é?”. Ela põe-se de pé novamente e dá um leve rodopio, nada muito obsceno, o suficiente apenas para levantar de forma cândida a bainha. “Pai e mãe também fazem isto...”, diz Guida. Ele apenas morde uma maçã, observando-a. “E seu pai e sua mãe também devem fazer...”, “deixa de conversa besta...”, branda forte e num supetão o garoto, arremessando a fruta contra a parede da gruta, dando pra ouvir ao longe o ecoante murmúrio. “tu gostou de ver?”, ela pergunta. “ver o quê?”, “o quê cê viu... eu sem calcinha...”, diz Guida, alisando uma ponta de mecha de cabelo. Ele não sabia o que dizer, gaguejava num balbuciar errante. “tu quer ver de novo?”, diz aproximando-se dele. Ele sua, zarolha o olhar, procura um foco, olha pra cabocla e sente seu acre hálito. Aquilo o excita e o apavora, asco e desejo num arrepio doce... Ela repete, “quer?”. O garoto se afasta dela, anda em círculos, não sabe a resposta pro que ele entende querer... “pois eu te mostro se tu mostrar o seu...”, declara Guida, em ultimato. Ele vira o rosto como herói de velho-oeste ao saber que sua mocinha fora sequestrada – embasbacado, baba num quase choro. Sentindo-se num drama shakesperiano (mesmo sem nem cogitar saber o que é isto), retrucou em retórica: “cê me mostra se eu mostrar o meu?”. “Foi o que disse...”, respondeu e logo, sem nem esperar reação do outro, “ah, sou curiosa pra ver um de perto... nunca vi”. Achava cinismo hediondo ela falar aquilo tudo com um sorriso desbocado, amoral e santo ao mesmo tempo... “tu mostra mesmo?”, diz enraivado. “Se tu mostrar o seu...”, bem lânguido e com certa inocência... Acabou concordando, fizeram uma contagem regressiva muda e fizeram movimentos contrários: ela levantando sua saia, ele baixando seu short. Ficaram desnudos de tal forma por alguns segundos, um seguindo o olhar do outro, analisando suas genitálias, vestiram-se rapidamente diante seus pudores. É quando se ouve ao horizonte a voz do capataz, esta cada vez mais se aproximando, se aproximando... “Ah, cês tão aí... Muito bem, Salvador, pegou a ladrona...”. Era a primeira vez que Guida ouvia o nome daquele garoto, nem ligou tanto para a acusação – era o ressoar do chamado do menino que lhe ganhara contornos de um clamar angelical... Então o capataz agarra-a forte pelo braço, bradando alguma punição de imediato. O menino, porém, logo intervêm “não, pai... eu já dei a pêia que ela precisava...”. Se fazendo de entendido, o capataz solta Guida, deixando-a ir num certo estado de quebranto. Salvador, na companhia de seu pai, observa-a afastar, cada vez mais distante se desfazendo, a imagem diminuta, o engasgo, a lembrança... Febril, pensou que nunca ia esquecer ela. Esqueceu-se...   

segunda-feira, 17 de junho de 2013

PRUM NÃO CALAR



Um grito poético duma calada voz...

De punhos fechados,
um grito pranto, alto
o sobressalto do acomodado,
o incômodo que se alia,
abraça, se une no ideal
do pão para meu irmão,
da decência para meu país...

a mão erguida,
o cartaz dizendo não,
um clamor maior que o gás,
a vontade de milhões...

o calar do rei
o chacoalhar do trono,
o tremor das medalhas...
não são apenas vinte centavos:
é toda uma nação que chora
por sua parte suprimida,
pelo direito roubado,
pela promessa desdita.  

E quando o povo se revolta
não tem volta não, marajá:
é preciso assistir, temer,
tremer em suas bases,
não dizer qualquer frase ou pio –
nem tente sair com suas asas de cobre,
de mansinho, num assobio:
é a camada mais pobre
a acender um pavio
e explodir um Brasil antes senil,
agora renascido fênix
prum novo pôr-do-sol que já surgiu.




terça-feira, 11 de junho de 2013

LED ZEPPELIN NO FONE


Manhã nublada, tudo lateral e literal...

se eu ensurdecer
que eu ensurdeça de música;
e que me perca ávido
dos desvios que o som me leva,
pro alcance dos sonhos,
numa onírica sinestesia insana...
se eu cegar
que eu cegue de arte;
e que chegue, parte a parte
a textura e a lisura das delícias –
cores, versos, universos, dores...
e que a pane dos meus sentidos
seja pano de fundo pra algo maior, profundo
como um inconcebível deus  que não dança...
se eu emudecer
que eu emudeça de beijos;
de cândidos e cálidos abraços,
de braços, mãos, tato, paladar...
da língua etimológica dos amantes,
do falar dissonante,
do acordar sem acordos,
da corda mítica,
do cordão que nos une umbigo
eu contigo,
você comigo...  

se eu for,
que eu seja tudo;
Led Zeppelin no fone:
fome de mim, auto-antropofagia.
No dia que não sorria,
o mundo ficando menor,
invisível, intransponível...
mergulho no interior de um eu que não se mostra;
da ostra que sou,
do calado alado
que voa sem tirar pés do chão...


AO CONTRÁRIO DA CECÌLIA


Escrevo porque instantes inexistem,
e completar-se é algo desbunde,
a hora mágica, oracular –
numa oração profana,
meu corpo precisando de uma chave,
duma clave prum lá qualquer
meu corpo nu
só quer uma força, um nó...

um abraço quente
como uma arma beatleniana - saia do meu ser
Oh, corpo nefasto !!!
Que vem em forma de verso, inversos
todo inverno num universo,

Vesgo, rusgas ou fugas dum momento só mar... 

sábado, 8 de junho de 2013

DOZE ANOS (DESATADO NÓ)



Eu, pobre balzaco
antes desbotado, fraco
cambaleado por tiros que vida dá
desgostoso de dissabores,
dissonante à deriva, sem cores
entregue a dores e chagas,
sem atos, desatado nó...

até que ela veio,
doze anos a menos,
amenos olhos que me acalantou,
nortendo o caos do meu soul
tornando-me blues, tecnicolor,
um sorriso inciso, cortando minhas rusgas...
não importou-se com minhas rugas,
calou-me a boca
entre mil argumentos,
fazendo-se de mouca, dizendo-se velha e louca
sem importar com números de documentos...

diferença não há
quando somos
soma:
mãos a se proteger,
entrelaçando dedos, afastando medos,
a segurança que sinto em cada contínuo aprender,
no me prender em seu corpo, no seu tragar
no seu trazer,
no ser que se mostra,
mulher que me adestra a cada prazer...

e assim doze inexiste,
não se percebe, se esquece:
amar não tem idade, nem sanidade
amar acompanha todos os ritmos
todos os sismos que sinto

quando você está...