A
gravidade os uniu. Contudo, muito mais do que leis newtonianas, fora também uma
mera maçã, em tão reluzente rubro e de apetitoso sumo, que haveria de abrir
caminho para os primeiros olhares entre eles - tinham onze, no máximo doze anos...
Guida era cabocla bonita, vestido de chita rasgado na barra, um dente a menos
por sorrir... Já tinha brotos seios e cintura em contorno. E estava em cima duma
macieira em flor, melindrosamente sem suas calcinhas... Ele, filho do capataz
do roçado, não sabendo como cumprir suas obrigações de ajudar na proteção
daquela propriedade, observa num acanhamento sacana tudo aquilo que a ocasião
lhe propusera. Não entendia aquelas reações ora orgânicas, ora maledicentes...
Então uma maçã escapole dos dedos da menina, atingindo pitagoricamente a cabeça
do garoto. Os dois então se observam, ela com um olhar de medo e angústia, ele
sem saber se estava embaraçado com a cena antes vista ou se deveria dar-lhe
alguma reclamação pelo delito. Pareceram então combinar um segredo, uma
cumplicidade moleque: ele fraternalizou-se, ela sentiu-se segura... Pegando as
maçãs caídas do chão, ele as põe no pequeno alforje que sempre carregara.
Tinham feito um acerto sem palavras, hipnóticos por alguma maldição muda,
levados por um frio na barriga que não sabiam o porquê... De repente, uma ordem
ao longe e ela, ágil como um calango, desce da árvore e, segurando o punho do
menino, faz-lhe acelerar também aos gritos de “corre, corre, corre...”. O coração
do garoto era um misto de aceleração pela corrida e pela excitação do tudo
vivido. Esconderam-se na entrada duma lapa, ambos ofegantes e suados. Riem e
contabilizam a quantidade de frutos roubados. Ele perde a concentração da
contagem, sente-se apaixonado pelas sujeiras no rosto e pelos joelhos ralados
de Guida. “Vi que tu tá sem calcinha...”, diz engasgado. Ela pára a divisão e
apenas o observa, paralisada... Dá um sorriso malicioso e abaixa o rosto. Ele
pega um graveto e risca algo na terra batida... Ela, antes acocorada como o
menino, levanta-se, limpa uma parte do vestido e diz: “ontem eu vi um boi
montado numa vaca...”. Ele engole seco, tenta salivar, cospe em cima do
desenho, olha aquilo e responde um “e é?”. Ela se aproxima dele, põe-lhe a mão
no braço e diz próxima ao ouvido, como num segredo: “meu irmão me disse que
eles tavam fazendo filhote...”. Sentiu um arrepio, um medo, algo que não sabia
explicar. Era bom, mas não conseguia decifrar isto. Respondeu um novo “e é?”.
Ela põe-se de pé novamente e dá um leve rodopio, nada muito obsceno, o
suficiente apenas para levantar de forma cândida a bainha. “Pai e mãe também
fazem isto...”, diz Guida. Ele apenas morde uma maçã, observando-a. “E seu pai
e sua mãe também devem fazer...”, “deixa de conversa besta...”, branda forte e
num supetão o garoto, arremessando a fruta contra a parede da gruta, dando pra
ouvir ao longe o ecoante murmúrio. “tu gostou de ver?”, ela pergunta. “ver o
quê?”, “o quê cê viu... eu sem calcinha...”, diz Guida, alisando uma ponta de
mecha de cabelo. Ele não sabia o que dizer, gaguejava num balbuciar errante. “tu
quer ver de novo?”, diz aproximando-se dele. Ele sua, zarolha o olhar, procura
um foco, olha pra cabocla e sente seu acre hálito. Aquilo o excita e o apavora,
asco e desejo num arrepio doce... Ela repete, “quer?”. O garoto se afasta dela,
anda em círculos, não sabe a resposta pro que ele entende querer... “pois eu te
mostro se tu mostrar o seu...”, declara Guida, em ultimato. Ele vira o rosto
como herói de velho-oeste ao saber que sua mocinha fora sequestrada –
embasbacado, baba num quase choro. Sentindo-se num drama shakesperiano (mesmo
sem nem cogitar saber o que é isto), retrucou em retórica: “cê me mostra se eu
mostrar o meu?”. “Foi o que disse...”, respondeu e logo, sem nem esperar reação
do outro, “ah, sou curiosa pra ver um de perto... nunca vi”. Achava cinismo
hediondo ela falar aquilo tudo com um sorriso desbocado, amoral e santo ao
mesmo tempo... “tu mostra mesmo?”, diz enraivado. “Se tu mostrar o seu...”, bem
lânguido e com certa inocência... Acabou concordando, fizeram uma contagem
regressiva muda e fizeram movimentos contrários: ela levantando sua saia, ele
baixando seu short. Ficaram desnudos de tal forma por alguns segundos, um
seguindo o olhar do outro, analisando suas genitálias, vestiram-se rapidamente
diante seus pudores. É quando se ouve ao horizonte a voz do capataz, esta cada
vez mais se aproximando, se aproximando... “Ah, cês tão aí... Muito bem,
Salvador, pegou a ladrona...”. Era a primeira vez que Guida ouvia o nome
daquele garoto, nem ligou tanto para a acusação – era o ressoar do chamado do
menino que lhe ganhara contornos de um clamar angelical... Então o capataz
agarra-a forte pelo braço, bradando alguma punição de imediato. O menino,
porém, logo intervêm “não, pai... eu já dei a pêia que ela precisava...”. Se
fazendo de entendido, o capataz solta Guida, deixando-a ir num certo estado de
quebranto. Salvador, na companhia de seu pai, observa-a afastar, cada vez mais
distante se desfazendo, a imagem diminuta, o engasgo, a lembrança... Febril,
pensou que nunca ia esquecer ela. Esqueceu-se...
sexta-feira, 28 de junho de 2013
segunda-feira, 17 de junho de 2013
PRUM NÃO CALAR
Um grito poético duma calada voz...
De punhos
fechados,
um grito
pranto, alto
o
sobressalto do acomodado,
o incômodo
que se alia,
abraça, se
une no ideal
do pão para
meu irmão,
da decência
para meu país...
a mão
erguida,
o cartaz
dizendo não,
um clamor
maior que o gás,
a vontade de
milhões...
o calar do
rei
o chacoalhar
do trono,
o tremor das
medalhas...
não são
apenas vinte centavos:
é toda uma
nação que chora
por sua
parte suprimida,
pelo direito
roubado,
pela
promessa desdita.
E quando o
povo se revolta
não tem
volta não, marajá:
é preciso
assistir, temer,
tremer em
suas bases,
não dizer
qualquer frase ou pio –
nem tente
sair com suas asas de cobre,
de mansinho,
num assobio:
é a camada
mais pobre
a acender um
pavio
e explodir
um Brasil antes senil,
agora
renascido fênix
prum novo
pôr-do-sol que já surgiu.
terça-feira, 11 de junho de 2013
LED ZEPPELIN NO FONE
Manhã nublada, tudo lateral e literal...
se eu
ensurdecer
que eu
ensurdeça de música;
e que me
perca ávido
dos desvios
que o som me leva,
pro alcance
dos sonhos,
numa onírica
sinestesia insana...
se eu cegar
que eu cegue
de arte;
e que
chegue, parte a parte
a textura e
a lisura das delícias –
cores,
versos, universos, dores...
e que a pane
dos meus sentidos
seja pano de
fundo pra algo maior, profundo
como um
inconcebível deus que não dança...
se eu
emudecer
que eu
emudeça de beijos;
de cândidos
e cálidos abraços,
de braços,
mãos, tato, paladar...
da língua
etimológica dos amantes,
do falar
dissonante,
do acordar
sem acordos,
da corda
mítica,
do cordão
que nos une umbigo
eu contigo,
você comigo...
se eu for,
que eu seja
tudo;
Led Zeppelin
no fone:
fome de mim,
auto-antropofagia.
No dia que
não sorria,
o mundo
ficando menor,
invisível,
intransponível...
mergulho no
interior de um eu que não se mostra;
da ostra que
sou,
do calado
alado
que voa sem
tirar pés do chão...
AO CONTRÁRIO DA CECÌLIA
Escrevo
porque instantes inexistem,
e
completar-se é algo desbunde,
a hora
mágica, oracular –
numa oração
profana,
meu corpo precisando
de uma chave,
duma clave prum
lá qualquer
meu corpo nu
só quer uma
força, um nó...
um abraço
quente
como uma
arma beatleniana - saia do meu ser
Oh, corpo
nefasto !!!
Que vem em
forma de verso, inversos
todo inverno
num universo,
Vesgo,
rusgas ou fugas dum momento só mar...
sábado, 8 de junho de 2013
DOZE ANOS (DESATADO NÓ)
Eu, pobre
balzaco
antes
desbotado, fraco
cambaleado
por tiros que vida dá
desgostoso
de dissabores,
dissonante à
deriva, sem cores
entregue a
dores e chagas,
sem atos,
desatado nó...
até que ela
veio,
doze anos a
menos,
amenos olhos
que me acalantou,
nortendo o
caos do meu soul
tornando-me
blues, tecnicolor,
um sorriso inciso,
cortando minhas rusgas...
não
importou-se com minhas rugas,
calou-me a
boca
entre mil
argumentos,
fazendo-se
de mouca, dizendo-se velha e louca
sem importar
com números de documentos...
diferença
não há
quando somos
soma:
mãos a se
proteger,
entrelaçando
dedos, afastando medos,
a segurança
que sinto em cada contínuo aprender,
no me
prender em seu corpo, no seu tragar
no seu
trazer,
no ser que
se mostra,
mulher que
me adestra a cada prazer...
e assim doze
inexiste,
não se
percebe, se esquece:
amar não tem
idade, nem sanidade
amar
acompanha todos os ritmos
todos os
sismos que sinto
quando você
está...
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