terça-feira, 30 de junho de 2009

UM DESVELAR

Criado depois de um pedido do meu amigo Bigão

Apareça, poeta !
saia deste limbo ora marginal, ora claustro
não seja apenas de alguns medíocres ou lazarentos
seja sim de todos, dos holofotes, dos movimentos !
Seja aquele de bata, sandálias, boina, jeitão...
não adianta estar diante de uma tela,
de um quarto fechado,
dos casulos ou do âmbar que não reluz...
Apareça, poeta !

assim a mulher não te quer,
assim o querer não te tem,
assim não terá vanglória,
nem vitória ou escória,
poeta na escuridão não brota flor,
não bota nenhuma poesia de bosta
nos pasquins alternativos,
esteja vivo, poeta !

Dance o forró que te oferecem,
cirande senão a vida te ferra,
seja ferro, brasão, asa, canção
seja algo qualquer, tudo menos este niilismo.
Se desvele, mesmo que num mesmismo:
se agrupe, se amalgame, crie uma crista, uma crosta
afinal, cada sentença tem sua cabeça...
Poeta, apareça !!!!

segunda-feira, 29 de junho de 2009

DANÇARINO DAS ESTRELAS

Para Michael Jackson (in memorian)

Dançarino das estrelas,
caminhando na lua,
aquele que num jogo de xadrez
era rei negro, era rei branco,
tão complexo, tão sem nexo
desvirtuando de virtuose
toda sua catástase,
toda sua ascese ou catarse
como um herói trágico
que vence na morte
ou faz dela sua amada...

COMPLEXO DE NÓS

Enquanto seu beijo não vem.
Enquanto seu beijo não vem,
enquanto seu beijo não vem...
retiro-me num livro.

enquanto seu beijo
tão
vão
não vem...
enquanto seus beijos
vãos,
não
vem ou vão,
retiro-me num livro.

um nó
num complexo de nós:
eu e você numa impossível mão,
enquanto seu beijo não
eu vou
e retiro-me...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

TODO MUNDO

Todo mundo fede
Todo mundo pede
Todo mundo cede
Todo mundo sede...

E todo mundo todo mundo
todo mundo é o mundo,
o mundo é todo mundo.

O mundo é todo
o mundo, toldo de estrelas
Todas as estrelas é lona de circo,
Todo o mundo são todas as estrelas,
O mundo é um circo, um cerco, um círculo vago
O todo do mundo, toldo do mundo, tão divago.

Todo mundo pode
Todo mundo poda
Todo mundo fode
Todo mundo soda

E todo mundo todo mundo
todo mundo, mundo
o do mundo, todo mundo...

Todo mundo não cabe
não se sabe na palma da mão,
todo o mundo é maior que todo mundo,
que o todo no mundo,
que o mundo em sua vastidão.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

REPETIR

Vou enamorar de lua
Vou me explodir de cosmos
Vou me envenenar de orvalho
Vou voar além-infinito
Vou caminhar luzir
Vou pintar camaleão
Vou apedrejar e azulejar
Vou azular cameloar
Vou caramelizar o céu-da-boca
Vou condecorar o seu sorrir
Vou acarinhar nuvens
Vou turvar um rio

E vou...

Vou fungar fugir
Vou fingir agir
Vou gris grisalhar
Vou decalcar a giz
Vou descascar deglutir
Vou untar e parir
Vou partir e chegar
Vou repartir par
Vou parar continuar
Vou desnudar desunir
Vou sucumbir subir, sambar
Vou encenar andar
Vou doar dar sanar
Vou sarar este seu tediar
Vou retardar outra tarde

E vou...

Vou então
Trovar canção
Trovejar vão
Entoar no ar
Namorar amar
Traduzir desdizer
Beijar a face outrem
Impedir o trem
Tremer arrepiar
Calejar cavar
Verbalizar candeiar
Alisar analisar
Vou ousar
Desejar querer
Jejuar comer
Volver e ver
Envelhecer brotar,
repetir
e então findar...

Vou...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

UM DOIS

Para um 12 de junho (ao som de Piaf)...

ser um dois
um dois
um ser dois
sendo um dois,
dois sendo um,
então vontade de ser
metade de metades,
par sendo ímpar,
e sendo
ímpares ou
vários pares...
sendo ora multidão, ora solidão
tendo mundos ou doer profundo
a dança, túmulo:
valsa dos amores, (a)cúmulo, cumulus...

um
dois
doze, uma data
este data,dose...
data de ser um
data de ser dois
data do ser um dois, um dois...
ser um dois
mãos se dando, mão abanando
não sedado, sim saudoso
abraço que nos faz um,
nós que nos unem, dois
depois que torna-se sempre,
sempre vindo dum pois,
pois somos um
somos um
um dois
só dois,
um
só.

terça-feira, 2 de junho de 2009

ESTA LINHA

Se eu morresse precocemente
morreria feliz
pois sei que escrevi esta linha.
Se tudo, por acaso, terminasse
e não houvesse chances para outro sim,
mesmo assim contente fecharia olhos
pois sei que escrevi esta linha.
Esta linha só minha,
a linha que aqui está
descrita por mim,
trêmulas mãos sozinhas...
Linha que divide o que escrevi e o que será dito,
Linha em que tudo quis dizer
Linha muda,
Linha que nunca muda,
A linha que ainda estará lá nos meus últimos suspiros
esta linha que dirá palavras que quero ouvir.

Se Deus quiser que sejam minhas findas falas,
feliz ainda estaria,
pois sei viva seria
esta linha.

(2006)

PASSO A PASSO PARA SE DESCOBRIR O AMOR

Assim descobriram o amor:

Morava sozinho e fumava duas carteiras de cigarros baratos por dia. Tinha uma leve verruga no nariz desde a nascença, olhos verdes e escrevia poemas. Seu pequeno conjugado dispunha de um quarto e uma sala onde se dividia a cozinha por um lençol estendido num varal. Trabalhava num emprego público, destes conseguido via concurso. Mantinha a barba por sentir-se feio e de poucas namoradas na vida. Chamava-se Nelônio, mas adotara o Nê como signo para reconhecimento social...

Ela também morava sozinha. Já fizera aborto e gostava de chocolates. Não fumava e só bebia vinho tinto, um copo o suficiente. Já tivera cabelos ruivos, verdes, meio loiro e optara de vez pelos castanhos. Nem mais lembrava qual cor era o original... Gostava de Neruda e Quintana, mas abominava os concretos (“exceto Ferreira Gullar”, frisava). Porem não era muito de ler, só dois ou três por ano (nem sempre obedecendo esta ordem...). Assistia novelas na TV e pintava as unhas de negro. Seu lar tinha dois quartos, um seu e outro para visitas casuais. Não tinha fé, mas mantinha um Santo Antônio de rosto descascado e alguns anjos como bibelô. Suzana no RG, Sú para os amigos. Detestava tal nomenclatura...

Viram-se pela primeira vez através de um amigo em comum, um ex da garota. De começo não se bateram: achou-a baixa demais, ela encrencou com a barba do sujeito. Mas concordaram que foi uma boa o cantor da boate tocar Jorge Ben. Nem chegaram a trocar telefone e em meio tempo ele esqueceu o nome dela, logo nem lembrando mais do seu rosto. Ela, ao contrário, fechava os olhos e lhe vinha à imagem daquele desgrenhado, o fumante de mata-ratos... A sua justificativa para tal opção de cigarros fora inesquecível para ela: “Fumo porque sou meio masoquista - adoro a taquicardia casual, a vertiginosa queda de pressão, a tontura inevitável...”. Achou lindo aquilo, meio parnasiano, meio Augusto dos Anjos. Anotou a frase na sua agenda e de alguma forma aquilo se tornou iconoclasta para as lembranças daquele momento... Passou-se um mês, uma primavera, algumas chuvas e ainda sim não se viram. Neste meio tempo houve problemas no encanamento da casa dele e ela teve que hospedar uma tia chata que viera do interior a tratamento médico...

Nê começou a sair com uma mulher de nome Marly. Sú tentou reatar namoros antigos, inclusive com Rondinelli, o tal amigo em comum... E foi durante um destes encontros sem procedentes que se bateram novamente. Ele sabia que a conhecia de algum lugar. Ela julgou a garota que andava ao lado dele, desdenhando-a. Foi Sú que falou o primeiro “olá, quanto tempo...”. Ele respondeu o mesmo, contudo sem o “olá”. Nê demorou em lembrar o nome dela, porém a garota recitou na mente a frase dele que a marcou. Tendo Rondinelli como cicerone daquele instante, acabaram tomando umas cervejas e foi ali que Nê percebeu Sú pela primeira vez... A voz da garota era suave, de agradável audição. Suas conversas cheias de conteúdos, um refinamento pra falar as palavras, apesar de errar nos oblíquos. Falava e balançava os cabelos, ou então brincava com os pequenos fios de sua nuca, como se num jeito bem inocente. Usava pouca maquiagem, um brilho nos lábios, bem tênue. Pouca sombra nos olhos, o que realçava mais ainda seus olhos ora azuis, ora verdes cristalinos. Usava uma camiseta branca, estilo Hering, e um casaco amarronzado por cima desta. Um médio brinco de argola e uns dois anéis na mão direita. Quando a cena acabou, trocaram telefones.

Ele só ligou depois de cinco dias. Pensou antes em terminar com Marly aquilo que chamaram de namoro. Sú estava ansiosa, esperava a cada momento pelo toque do telefone. Nê vasculhou nos bolsos o papel com o número, talvez por isto tenha demorado mais tempo que o previsto para fazer a ligação. Falaram os primeiros alôs, mas logo veio o silêncio sentenciador. Foi ela quem puxou assunto, destes do tipo “como a noite está estrelada, né ?!”. Ele perguntou qual era o lance dela com o Rondinelli. Ela gostou da pergunta e respondeu que era carência, coisa a toa, um “casinho”... Ficaram exatamente 59 minutos se falando. Sú desligou pensando em casamento. O homem foi escovar os dentes...

Passaram mais cinco dias sem se falar – ele tivera que fazer uma viagem a serviço. Ela pensou que havia pintado desinteresse por parte dele. Espantada ficou quando se viu chorando. E então rodopiava pela casa lendo aquela frase, “fumo porque sou meio masoquista...”, repetindo várias vezes enquanto ouvia “It’s Very Nice Pra Xuxu”, dos Mutantes. Nestes dias choveu, não houve sol e o joão-de-barro, que acabara sendo seu único confidente, resolvera não aparecer para terminar sua obra nos galhos do flamboyant no quintal da vizinha. Sentiu-se tão só...
Mas foi num dia ensolarado, segunda ou terça - não lembrava - pela manhã e o com o joão-de-barro novamente a enfeitar a árvore que ilustrava a janela do seu lugar de dormir, um destes dias de se encontrar o amor, neste momento em que tudo conspirava, que o telefone tocou. Disse um alô de ansiedade, de quem aguarda, de quem quer o exato alô medido, a voz rouca que respondia, tênue e agressiva tonalidade e palavras soando meio azedume, meio banho de cachoeira... Nê pergunta se incomodava, ela responde que quase onze não era cedo. Ambos riem, um riso de quem não se conhece, completamente insosso. Ela puxa o telefone para perto da janela e de lá observa o pássaro terminar sua construção. “Você tá ouvindo o quê aí ?”, pergunta Sú, que percebera um som que quase incomodava o colóquio. “Ah, é Fela Kuti... “Water No Get Enemy”...”. Ela nunca havia escutado falar em Fela Kuti, nem sabia quem ele era. Não sabia se era homem ou mulher, banda ou orquestra... pra falar a verdade, ela nem sabia porquê havia perguntado aquilo – nem prestara atenção no som. “Eu gosto de Mutantes...”, disse timidamente, como se fizesse questão de mostrar seus conhecimentos... ou então para meramente fazer alguma associação com a música que o outro ouvia... “Mutantes é bom também...”, ele disse. Ficaram quietos depois disto. Um silêncio perturbador, uns quarentas segundos... “Então...”, um pergunta. A outra voz responde igualmente. “Vamos sair ?!”, a sentença parecia tão simples, mas causou formigamento na garganta daqueles amantes. “Bem, pode ser...”, “Quinta tá bom pra você ?!”, “Quinta agora ?! Ah, pode ser sim...”, “Então tá... Quinta-feira. Combinado?!”. Concordou.

(2007/2009)

ÚLTIMO

Último
será ?!
o primeiro...

primeiro dia do ano...
primeira esperança de minha velha idade...
qualquer coisa que valha...
algo de palha, força de vulcão.

quem lhe disse
que o último
ainda será o primeiro ?!
talvez tenha sido alguém que, no mínimo,
alcançou o segundo lugar
e vê a primeira posição na distância de um nariz...

a não ser que seja pós-meia-noite,
já que aí todo gato é pardo
e todo último talvez prove o gosto de ser número um...

(2007)

PRESENTES

para amigos...

Um mar tão longe talvez nos separe,
mas que este amar tão longe nos prepare
para o encontro já inevitável,
feito óleo em água potável,
que mesmo nítidos separados,
bem ajuntados num mesmo copo estão.

e é feito
efeito ou feitiço,
borboletas no estômago...
Feito
não estar tão perto,
mas estar tão perto,
mesmo que distante...
a distância foi feita pros desamores.

num papo de calçada,
na enseada,
uma conversa ensaiada,
descobrindo que só contigo
todas as magias existem...
e alterar destinos, como um Deus - Amélie Poulain
(ou as moiras em novelos de lã);
aí trazer você comigo,
fazer do sentimento amigo
isto que corroí o umbigo,
criando alguma espécie de cordão
e ligando-nos, traçando-os, na palma da mão.

E ser presentes um do outro,
estar presente nos segredos indolentes,
assim poder ver meu contemplar consciente
na cor de seus cabelo,
poder tocar-te os pêlos,
sentir arrepiados e sê-los
o seu motivo aparente...

assim, consagrar-me cavalheiro
ou ser um malandro de navalha,
ser poeta ou mero notívago, vago e solene
um maestro, uma canção somente
ser esta agonia, esta borboleta nervosa
sentir-se choro, um declamo; em flauta: “Rosa”
ultrapassando esta distante muralha
e perceber-me assim, num olhar inédito, seu companheiro.