quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

GIRASSOL NOTURNO

Só,
sois
sóis,
nada mais...
apenas girassóis
buscando faróis...
um guio, uma luz.


nada soa,
um andar apenas
patamar do céu
do mar
do sol...
maré,
chegar ao Sol sem asas ou penas.

Esquece
que sois sóis,
te aparece
que a aranha tece
o arranha-céu
que é seu:
camafeu de fel e ódio,
como um girassol noturno,
ora no som
ora sonhando...
quiça guiando-se pelo astro errante
nunca saberá o que se errou:
se o céu ao escurecer...
se o sol emudecendo-se...
se o orvalho que lhe permanceu inédito...
sendo estes parte de seu séquito,
fazendo mistério
em girar...
girar...
irar...
ir lá...

a lua.

AMARGO ÂMBAR

Você estava
distante,
mais distante
que a própria distância -
era você
neste amargo
âmbar
translúcido...

Antes não éramos distantes:
apenas estavamos partilhados em alma,
assim como na criação do amor...

E pareceu-me
a lua,
apareceu-me
um sentir,
uma confusão de sentimentos...

Mas não continuou.
A distância, neste instante, transpareceu...

Quando você voltou,
já era frio em seu jardim -
sua flor, sem vida
ou apenas uma folha arrastada.
Sua voz, ácido em meu âmago
(o amargo âmbar em que te via...),
sua imagem não batia com a sereia cantada por menestréis...
você dizia amor,
ou seria apenas o colhido após o plantado ?!

Vi, então
uma fase da Lua que me corroeu...
ou seria este eclipse
sua verdadeira face ?!
Foi então que a perdi.
perdi porque a abneguei,
perdi porque fui insano com minhas decisões,
perdi porque o tempo (este cruel) acaba por apodrecer as frutas
de qualquer amor condenável ao não-estar
- é isto, claro !
Nosso amor sempre foi, mas jamais esteve.

domingo, 14 de dezembro de 2008

PARTES

"Somente quem muda pertence ao meu mundo..." (Nietzsche)
Repassado ao som de "Elephant Gun" (Beirut)


Somos, inteiramente, partes.
E buscamos sonhos...

Nem sempre conseguimos -
Lutar, porém, é o primeiro pedaço.
"Somente quem muda pertence
ao meu mundo..."

Lutar é a parte,
partir, sem fim, na realização
de seus desejos.

(2003)

VELHO

Herdarei
a tristeza
do semblante
do meu pai...
e a vida
encaminhará
de fazer sumir
velhos presentes,
de trazer a tona
velhos desenhos sumidos
tudo tão velho...
futuros olhos
que verão
vários verões
e que viram tantos por passar...

INSPIRAÇÃO

Poema:
Esta via
onde não se sabia,
se ou-via
ou extra-via...

Pena então
não ser poeta
que desperte
palmas
e almas...

E queria eu, tão somente, escrever
algo mais vivo
que um epitáfio,
ou mais sufocante
que um cordão umbilical...

Mas, nada vem.

sábado, 13 de dezembro de 2008

CANÇÃO PARA LARUSE

Pássaro verde,
desses que assobia azul,
alguns aparecem em seus olhos
feito bailarinas dissonantes...

Os homens são, apenas,
vontade divina.
E somos bem cheio de repressão,
dessa ira de Deus,
desses atos que parecem
bem destinos, bem humanos.

A lágrima da rosa,
aromatizante orvalho.

Lembrança gostosa de lembrar,
sorriso que fura o aço,
rodopia feito vento
deixando-o levar
a flor que revela seu nome,
e costura na mão
a canção celeste,
o gosto da língua dos anjos.

Pássaro verde,
canário sem cor,
o amor batendo na aorta dos tempos,
e você dançando -
alegria...
pintura...

Pássaro verde,
pousando na floresta camuflada
pássaro verde sem sonhos,
flutuando nas suas incertezas -
sorriso-menina
menina-encanto
canto solene
menina-menina.

(2003)

PENSE BEM

O homem é como
uma máquina, com seu botão
liga-desliga...
liga-desliga...
liga-desliga...
uma constante máquina,
"o inferno são os outros"
na produção em série de sempre:
acordar...
escovar...
trabalhar...
comer...
cagar...
chegar...
assistir...
dormir...
sonhar...
roncar...
acordar...

O homem Pense-Bem,
sempre a dizer o que,maquinamente
é certo, errado,
correto, ético, contra-lei,
pecado, feio, enfeitado...

Tenho dor, porém não grito.
Minha alma cancerigena geme
a pedido de atenção,
angústia, má-vontade,
Prozac, cachaça, psicanálise,
masoquismo, falta de sexo,
loucura !!!!

Falta um pouco de "mim"
nesses espaços
tão cheios de "eus"...

Um parque, baseado, cinema,
circúlos, dinheiro, moinhos,
grupo, classificação, emprego
...um pouco de vida.
...um poema.
...um pensamento.

O homem caça
caçador
dor
sabor

O homem
corre
carro
carreira
coleira
ira...

O homem perdeu
um pouco do homem natural,
o homem adianta o antes, o durante,
o depois.
O homem chega a lua,
entende as estrelas,
cria buracos negros,
percebe relatividades,
decifra Kant,
idolatra deuses invisivéis,
compreende o Homem...
compreende ?!
apreende ?!
aprende ?!

- Seu id é ideológico
ideal
inato...
E seu inconsciente
está com sono... sono...
...bastante sono...
...suas pálbebras estão pesadas...

- E o que você vê nessa mancha ?! E nessa ?!

- Interessante... volte mais um pouco: você está na placenta de sua mãe, na Revolução Russa, você é Napoleão !

O homem, Eu, humano
possibilidade
liberdade
lobo do homem
moral
eu sendo, eu estando
na caverna
no inferno
essência
juízo
no foguete, Terra azul
preso
segundo sexo
gênero, espécie
caneta
eu
super
ferro, giz, terra
homem
máquina.

(2003)

TRANÇAS DO MEU BEM

Faço da noite
o véu,
um céu
que tranço
num só traço -
as tranças do meu bem...

Faço da coisa velada,
esta teia violada,
esta violentada
paixão violeta,
vontade insana
que clama
a qualquer
deus que dança,
já sabendo
que deuses
estão-sendo
nos lugares
onde não estão...
apenas tão
apenas tem
as tranças do meu bem
e meu dedo suave
a ziguezaguear.

sábado, 29 de novembro de 2008

A PAIXÃO

A paixão mata aos poucos,
como um cálice de veneno letal e demorado que
por nossas artérias consumissem
um momento de insanidade já roubada,
a paixão é o cegar ao ver qualquer luz,
o bronze estandarte nas flâmulas que dançam,
a paixão é o vício químico das palavras,
o cheiro da manhã prometido,
profecia do mar revolto,
a paixão é o "é", o "pós", o "neo"...

A paixão é Lorca:
"Todas as rosas são brancas,
tão brancas qual minha pena.
...a neve da alma possui copos
de beijos e cenas
que se fundiram na sombra
ou an luz de quem as pensa..."
A paixão é o devir dos tempos,
roca que gira e fabrica ilusões,
é o amor além de tudo, além dos pontos,
do sol negro das colinas glaciais,
calor intenso na sua presença.
a paixão é a dissociação,
o caos revelador do ente,
a paixão descreve qualquer sentimento
e procura o céu... ou o inferno...
a paixão é o beijo com luxúria,
bala doce na garganta seca,
mural de lembranças escritas,
a voz do poeta que nos guia...
A paixão é a voz de Elis,
a balada louca que envolve o inconsciente,
dia de chuva ao seu lado,
Porto da Barra na despedida dos astros,
a paixão é o sentido da História,
a própria história é a paixão.
A paixão é o te ver todo dia,
no mesmo local,
no mesmo instante sonhado,
em seus pequenos atos divinos,
a paixão é a sobrevivência sem adeus,
a paixão é o ser sem definições.

(2003)

POEMA DO AMOR NÃO-CORRESPONDIDO

"A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo..." (Vinicius de Morais)

Um desejo bom,
um desejo fora dos nexos
em que embebedo palavras...
a insanidade
de lhe ter
e não lhe ter.
Boca sem cor
abraços entrelaçados num outro deus.
Um desejo único,
amor de ego sem correspondência
de um fruto bom,
aprisionar sua alma e sopra-la.

Ganho brilho,
brilho sem ela não é
ganho brilho dela,
ela é
poema do amor não-correspondido
consciência em gagueira de seu nome,
a atual dor
dor do corpo
corpo de outro...

Num corpo seu
copo meu,
um veneno e o reflexo seu.

(2003)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

SE PUDESSE

Se pudesse
Se não pudesse
Se pudesse antes
Sem antes tentar...
Seria vencido
Sem vencer estar,
Seria caído
Sem cair-tentar,
Se pudesse tentar,
Se pudesse cair,
Seria estar
Sem desistir,
Seria princípio,
Sempre propício,
Ser e estar.
Se pudesse
Se, ao menos, tentasse
Sempre, sempre
Seria.

(2003)

PAIXÃO, VERMELHO E AZUL

"...Procurei exprimir as paixões humanas por meio do vermelho e do azul" (Van Gogh)

A paixão é café a noite.
A paixão é um quadro.
Paixão, vermelho e azul.

Exponho.
Pingo.
Revelo.
A vela.
Aceno.

Verbalizo.
O mundo é feito de ações.
Verbalizo.

A paixão: abaixo de zero,
acima de uns.
Paixão, vermelho e azul.

(2004)

domingo, 9 de novembro de 2008

O DIA COMUM

Há pessoas que procuram olhos
e outros, somente, beijos.
Também há aqueles
de terno, interno e abrigo,
que nada procuram.

E os que procuram
morangos em florestas
e luas em conchas...

Há pessoas que procuram pessoas,
e os que esperam moedas em canecas.

E os que querem
o dia comum,
o cheiro da cor,
o botão da flor...

- Há pessoas que procuram
nos vazios dos homens
suas situações, suas soluções... -

Há pessoas que procuram o verbo,
Há pessoas, de predicados e passados,
que procuram seus adjetivos
na existência.

(2003)

O AMOR

O amor
balançou a roseira
derrubou a flor
arrancou a pétala
O amor
construiu o muro
espalhou a areia
amaldiçoou a sereia
e desvendou o medo
O amor
processou a química
acelerou as partículas
queimou a mata
desencandeou a tempestade
O amor
matou a ânsia
estourou o balão
rezou a prece

E o amor era o devir
o tempo e o movimento

O amor
venerou Vênus
assobiou seu nome
esqueceu a panela acesa no fogão.
O amor
marcou a data
observou o índio
O amor
simplesmente, amou.

(2003)

PEQUENA HISTÓRIA

Uma velha casa...
Uma velha casa com um lorde,
na velha casa amarela e depedrada.

À caminho,
o lodo afunda o lorde,
sujando sua bota verde.
Brota do verde a maçã, revelação:
a ação revela no escuro.
A vela, ponto vermelho, a maçã...

A velha clama,
chama, por seu bem, chama...
A chama da vela no fim
bem no fim, o chamar da velha.

O lorde demora,
casa pra morar quer o lorde.

Quero o lorde pra casar ! - a velha.
casa pra morar ! - o lorde.
Não demora ! - a velha.
Não, de morar ! - o lorde.

Uma velha casa com um lorde,
comum lorde,
casa velha pra morar.

(2003)

MAR NUBLADO

O mar hoje está cinza -
ele apenas incorporou a cor da neblina,
assim como os amantes
misturam-se em seus perfumes.
Será que o mar sempre foi assim ?
Será que o mar sempre foi ?
Será que o mar sempre ?
- o mar levou minhas perguntas...
... afundou-se, minhas perguntas -

O mar é o céu errante
o mar e seu errante,
sou eu a olhar o mar.
Alguém poetiza o mar, mas
o mar cinza já é um poema,
o mar é o céu errante.

O sol colore o mar
o mar já não é tão cinza
então, vejo:
o mar é minha história
(e a história é um remorso...),
o mar é meu pensamento.

(2003)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

POEMA-TÁCITO

"Olha lá, quem acha que perder é ser menor na vida..." (Los Hermanos)

Lá vem a falange negra,
Lá vem o negro folião,
Lá vem a folia constante,
Lá vem o poeta barroco,
Lá vem o poema-tácito,
Lá vem o silêncio revelador !

Lá vem a derrota,
Lá vem a jovem vitória
(e ambas se beijavam,
grudando-se para todo o sempre...)
Lá vem a guarda real,
Lá vem o quadro de Goya.

...E vindo vinha
a vida, sem
idades, cor
corante
antes
ou depois.

(Dezembro, 2003)

NADA DISSO

A chuva
que molha a folha...
A mesma chuva
que derrubou o formigueiro...
A mesma formiga
operária, molhada
e que teve o trabalho
de repartir a folha...
A mesma folha
arrancada,
que seria flor...
que seria fruto...
e que não foi nada disso.

O mesmo formigueiro,
a mesma formiga
morta pelo sapato distraído,
que seria pluma...
que seria peso...
e que não foi nada disso.

(São Lázaro, 2003)

UM CANTO

Um canto para nós
no lugar bem afastado,
e no rádio, faixa AM...
um canto sem voz,
sem canto,
sem ontologias
e cheio de eu e você.

- Mas tem que ter uma rede...
- Sim, concordo.
- Nem morte haverá lá...
- Perfeitamente !
- E chamarei-o poema...
- Tudo bem, apesar que prefiro chamá-lo canto !

(2003)

MIRÓ

Miró desenha, agora, as estrelas
e destroça as constelações com seus traços,
um toque infantil,
como todo surrealista deve ser.

Miró e suas meninas,
Miró e seus sonhos presos.
Uma tela, um fato
uma nova detreminação...

Miró é poesia
poesia muda,
sincrônica...
E que o poetar seja como um coral
de pássaros surrealistas...

Miró pinta, eternamente, uma figura de Deus
pondo-lhe bigodes sensuais,
abusando da androginia que Deus têm.
E Miró joga-lhe os dados,
atrapalhando a criação divina:
propõe uma nova estética
para uma realidade tão pessoal...
Propõe, também, mais vazios tão cheios...
e traços, traços, traços.

(2004)

CHECK-UP

Check-up,
preciso de um check-up...
rápido, urgente !
Check-up
para melhorar meu inglês,
ver minah taquicardia,
saber o dia,
marcar na agenda:
dia 6, check-up...

Check-up...
O que seria dos médicos
e do meu poema Pneumotóraxiano
sem a presença
do presente check-up ?

Check-up
de um coração
que doí por um amor
e pelo stress...
Check-up
do fumante
do hipocondríaco
e da gestante,
check-up.

(2002)

HOMO HOMINI LUPUS

"O sono da razão produz monstros." (Goya)

Se o seu sono racional
criou monstros,
e se os raios da manhã
cortar o céu, e causar trevas -
o amanhã pode ser criado
dentro do criado-mudo,
mudo e fora de si...

Se a existência não
lhe diz nada,
- o nada é o escuro do pensamento -
Se o homem lobo do homem,
há de se criar uma faca
em cada coração.
A realidade é escrita,
descrita por sujeitos,
impregnada por seus jeitos,
o real é histórico e materialista.

Parem ! - Lá vem a crítica mortaz
da consciência...
Fez errado !
O errado se fez.
O feito feito,
o feito feto,
o feio feio,
o errado erro.

Estava certo, então !
Tão certo estava !
Alguém determinou...
E tinha o errado como misto.
O certo perto.
Certo, certo...
Perto do certo,
perto, (bem) perto...
O erro
do erro e da criação.

(2003)

TÍTULO

Palavra Palavra
Palavra Vírgula Palavra
Palavra Palavra Palavra
Palavra Palavra Ponto

Palavra Letra
Letra Palavra Palavra
Reticências Números
Palavra Palavra Palavra
Dois pontos Letras
Palavra Palavra Palavra
Ponto de interrogação
Ponto de exclamação
Ponto Vírgula
Palavra Palavra Palavra
Palavra
Palavra Ponto final

(2003)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

PARA HAROLDO DE CAMPOS

(in memoriam)

Todo poeta que morre,
imortaliza-se.

Poeta da forma,
da fôrma,
formato
que o poema-cloaca ganha.

Poeta da imagem
imaginário,
palavras que não se lê,
letras do contorno:
- em torno do poema
circundam
todas as emoções... -

(Agosto, 2003)

DE CHICO

Eu sangro uma vez por mês -
é o canibalismo de Deus !
Mudo meu humor, minha essência,
meu gênero...
Será que a Eva de Dürer menstrua ?
Sua imagem,
miragem da mulher cabível,
é a flor aberta ao sol descortinante.
- Deusa terra,
Deusa lunar, deusa viking
Elfos, profetisas, mãe... -

Eu sangro uma vez por mês -
semente abortiva do tempo,
descobertas de minhas percepções.

(2002)

SEU AMAR ENTRE OBLÍQUOS

Revê-la
revela
a parte podre que ainda há em mim;
Tê-la
como numa tela:
sonho, posse,
na pose da musa
encanto das medusas.
Abstrato, obscuro:
o furo que cura,
o trato que tateia,
teia tecida, presa na surpresa de sua prisão...
Seu amar entre oblíquos,
amor oblíquo, como o prisma do equilibrista
trapézios múltiplos, triplos e piruetas
Pirata em transe, filho do sono
me leve, leve e pesado nas asas de Morfeu.

(2005)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

FAMILIAR

Silêncio na sala de TV:
Meu irmão
Minha mãe,
o pai.
Nenhum pio...

Apenas a voz na propaganda de carro.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

JACI, MINHA LUA

Para Jaciara, eternamente amada.

Meu bem
É quem amo
Dela é tão somente meu amor
Ela é o calor que alimenta minhas noites de frio
Ela está tão longe
Tão distante,
Mas ela é tão próxima...
Minha lua
Minha mãe d’água
Minha Jaci
Minha Iara
Sereia minha
Guiar meu
Jaciara
Sou tão teu
Que às vezes vejo-me assim, tão só
Mas tão seu
Que você, inexplicavelmente, está tão perto
Estão tão em mim
Tão dentro de mim
Que durmo cálido e manso no meu rio,
E como sua sombra, lua
Projeta-se nas águas que também é você.
Meu bem
O que me faz bem
Meu dengo, meu amor
Jaci, minha lua
Jaci, minha vida...

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

DIÁRIO

Foi quando eu cruzei a rua -
sinal vermelho.

E foi quando o carro avançou -
sinal verde.

O que será que separa
os meios segundos que estavam errados,
do meio segundo
em que eu estava certo ?

domingo, 5 de outubro de 2008

UM A MENOS

Neurose
neurose
venha a mim
assim
inteira, não em doses
algo que embriaga
e vai,
em minha veia,
vem...
Esta desgraça
de angústia
que me faz
tão diferente
bola verde
no meio das vermelhas -
a deusa vem
ah, a deusa vem...
A deusa vem pros outros,
eu não...
A deusa foderá com outros,
menos com o meu
menor
complexo de inferioridade...
cadê, cadê o amor ?
Quando eu me sinto
menos homem,
menos um humano,
um a menos,
nada mais...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

PERGUNTINHAS TOLAS

Quando
querer
é poder ?

Quando há poder ?
Quando se quer ?

Quando se há ?!

PRA BATIDAS DE VIOLÃO

Se a última chance
fôr ser uma estrela,
sejas então um cosmo !

E se a única oportunidade
fôr ser via-láctea,
que sejas então um Deus !

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

(N)OSSOS

Amar:
rama flutuante,
um Romeu amante, em êxtase
amar...

Amar:
o que não sei;
íntimo desconhecido,
o que dói.
anti-herói
partícula que destrói
parte mácula,
a pureza,
amar...

minha namorada imaginária
solitária
solidária,
minha amada ordinária
tão casta e tão fútil
amá-la, tão inútil
e assim, despindo-me sutil
minha amiga imaginária
amiga sem som, sem presença
nossos
ossos...

amar
o que não entendo
ainda amar
o que não entendo
e continuo pretendendo
aquilo que não toco
algo oco
sem coração
sem vida...

amar, como se pra buscar saídas
amar e emaranhar-se neste labirinto,
amar entrelaçando-se
criando teias, abrindo atalhos
amar na certeza duma enxaqueca,
no quebra-cabeça de montar e desmontar-se
amar em seu trono
não sendo apenas dono, mas sim domador.
Amar e ser escravo, somente isto
Amar enquanto enguiço
Amar e ter a sorte disto,

Amar e tão somente, mar...

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

SEU REBENTO

para uma amiga bem especial, num momento bastante especial...

Do seu ventre de Vênus,
do seu ente que virá,
deste embalar e ninar:
seu rebento...

Que não é meu, que não é meu,
mas é meu também,
e de todos os amigos:
herdará o sangue de todos que te querem bem;
é o bem que te querem,
o já bem-querer:
seu rebento...

que será bento...
que terá saúde...
será meu amigo...
terá mil futuros e os cantará comigo...
será filho de minha deusa...
terá dela toda sua beleza e ternura...
será abençoado
terá todas as benções,
um querubim ainda em grão,
o maior de todos os gigantes:
seu rebento...

arrebatará nossos corações com o seu pequeno coração a pulsar,
tornará luz de nosso guio,
será filho, uma criança, vida...
uma lágrima no senso da alegria,
bonito instante a brotar
em cada passinho
em cada carinho
no carrinho ou na boneca,
no desenho pintado a dedo e entregue a mamãe,
sapatinho de crochê
papinhas e cocôs...

simplesmente seu rebento
consciente estou a todo momento,
uma agonia boa – acredite – pousa em mim...
assim tento lidar minha vida,
sabendo que mais uma vida
vai distanciar-me de você,
seu rebento...
sua outra vida...
matei algo que havia
e o refiz diferente – maior talvez ?
Não saberei....

domingo, 14 de setembro de 2008

EU LÍRICO

E dentro
do poema indissoluto,
veio a deusa-mãe
e assanhou
com seu afago cósmico,
o universo das fadas e das rimas;
e viverão
plácidos
jovens guerreiros
que não me fazem esquecer,
que a poesia virá e logo
desviará
por torpes caminhos que
me abnega
um amanhã...
E mesmo que eu
não queira dizer
nada, nada não...
o poema é fêmea
e transformará
o botão
numa flor qualquer,
num mal-me-quer
nudez da pétala,
sedução vil...

O poema então será
chaga,
um chega
uma chaga e
uma praga;
prego da cruz cristã.
O poema será a solução
a diluição
e o mundo estará
então
salvo e são,
consigo e contido,
na busca da palavra hieroglífica
da insanidade.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

BEBETA

para Roberta (do São Bento)

O que será que há
No sorrir de Bebeta ?!
Uma borboleta,
A felicidade tão certa ?!
Certeza, Bebeta
suas portas estão sempre abertas,
Fácil é, seguirei as setas:
Lá ela estará
Lá encontrarei Bebeta...

E Bebeta é cotovia,
A canção que se ouvia,
A prece que se assovia,
Tudo que se desvia
Da tristeza que lá não havia,
mas que era coisa tão concreta...
Ela então destrói este aço
Vence as barreiras e dá o passo
Pra onde se encaminha a alegria
De ver todos os dias
O alegrar de Bebeta...

Bebeta, coisa linda
Destas que é muito mais ainda
que qualquer adjetivação vinda,
que todas as coisas infindas,
maior que o próprio poema, muito maior que o poeta...
é esta menina que faz a vida brindar, feliz e clemente
de toda a fantasia entorpecente
que há no olhar místico de Bebeta.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

SOL CLARO

O sol claro
é claro;

O sol claro
é raro;

O sol claro
é trato;

O sol claro
é girar, girassol;
é flor
na lapela
de Deus,
O sol claro
é guiar
dos solos terrenos,
O sol claro
é o aro,a aragem
é rara passagem,
um beijo nas nuvens, algo multicor...

O sol claro é
o morrer,
quando se despede do dia, todo os dias
quando solenemente a de poer.

domingo, 7 de setembro de 2008

DESVIOS INSONES

Como um sorriso
terno, infantil
eterno, infante
um passo adiante,
coração que desfila
por desvios insones...
Barco que circunda meu ser
atesta com seu arco,
a flecha cega do alvo...
Coisa que chega e aconchega,
Tão certa
quanto o incerto
momento perto:
o destino, a morte...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

(P)RIMA RICA, (P)RIMA POBRE

Primeira
rima beira
rima eira
(p)rima rica
(p)rima tão pobre
(in)cabível num poema,
do rai(z)mundo
donde germina
o que não termina
o que irá versar...

rima, imã -
o que dizima
qualquer coisa acima
todas as coisas primas
apenas a poesia terçã...
das intenções dum deus.

E então, o poema
se faz oráculo
o que há demais máculo,
aquilo que doí,
o que assobia...
são estas
(p)rimas ricas
(p)rimas pobres,
tudo deveras sofrem
buscando seu sentido semiótico,
ofuscando su(a)moral...

PAZ, PÃO, TERRA

Para cada operário
ter como sair de casa
ter casa pra sair
e comida na mesa de comer:
revolução
e evolução;
noção da nação - a foice,
o livro, o facão.

(2005)

GARBO

Eu me gabo
do seu jeito Garbo
de ser,
a beleza pura
concreta pintura
expressionista gris.

O seu corpo, pálido
como o tempo
estático,
de metal, plástico,
camurça, grama, papel.
Como o suar das velas,
deslizo nos seus lábios;
eu mordo sua alma.
A dança nos ventos
na fumaça do cigarro,
seu cabelo cai no seu rosto meigo.
Paixão é encontro,
a eterna atração dos braços
e dos traços infiéis,
em seu rosto infeliz.

(2001)

VERSOS, INVERSOS (ABISMO DO POÇO)

O poço esconde
o rosto refletido;
e o tempo vencido,
passa quão vento destemido,
destruindo meu invencível
castelo de cartas.
O segredo na luz do sorriso,
do abraço, do abrigo,
cato cometa no pequeno céu -
o teto sem forro do casebre
e no jardim, a esperança
mora lá, vazia, preenchida da fé.
E alguém me diz
que nada pertence-me mais
do que meus sonhos,
talvez escuto o eco de minha voz
ou há alguém no poço...
Prefiro crer no invisível,
pois até no fictício há realidades
e, enquanto rabisco o chão,
o céu também é rabiscado.
Meus versos, inversos
só o poeta lê o nada,
só o poeta vê pequenos detalhes.
E o poeta é o velho violeiro,
cego na porta de Deus,
vendo-se no abismo do poço.

(2002)

CÓSMICA FORÇA

Cósmica força,
um seio suspenso
donde afloram o aroma,
da unicidade das coisas
ou das tragédias alegres.
Assim é...

- oh, poema !
que vens como cândido
beijo cego,
a anti-inspiração
em ver verdades em sonhos -

Anjos embriagados,
corpos marcados na gota d'água.
Uma flor para se descobrir
o homem, que esconde
dedos que emanam
e rasgam
o véu de Maia...
E assim poderia ser:

- oh, poema !
mitos assasinados
comprimidos para matar...
nossas estrelas inaudíveis
e carentes
um pouco azuis
e longe de passarem duas vezes
na mesma alma -

"Senhores deuses, me protejam
de tanta mágoa
tô pronto pra ir ao teu encontro
mas eu não quero, não vou
não quero..."

- Identifica-se, talvez, a mulher que amo -

Escrevo em carvão
os versos mais sonetos,
apagados
pela mão que afagou,
e hoje esbofeteia.
Assim era.

- oh, poema !
caminho no mar escandinavo,
perdendo-me em desfrutáveis situações,
caindo na merda...
oh, poema !
eu não o contemplo.
Pra quê tempos, se a certeza
é que
tudo
um dia
acabará ?! -

(2003)

P.S: O trecho em destaque é duma música do Cazuza (Azul e Amarelo)

SIAMESES

Quando descobrirem um novo planeta no seu olhar,
verão que seus habitantes são minhas tristezas...

E eu ainda não sei se te amo,
nem sei também de você,
apesar de sermos tão siameses...
Há meses constatei isso,
todos os dias sinto isso...

E é sempre a priori
seus olhos eternamente conterão universos.

(2004)

CARVAVAL DE ARLEQUIM

Palavra-cruzada - quando
nossas bocas se encontram
nossas bocas
desnorteando as línguas, a linguagem,
a saliva alivia
qualquer
sentimento.
Trava-língua - quando
nossas bocas se encontram,
se encontram
em qualquer esquina,
sentindo seu cheiro por telepatia;
nossas bocas
é um carnaval de arlequim,
carnaval...
nossas bocas,
trava-língua.

(2004)

O OLHAR DO SENHOR

É então que percebo... O olhar daquele senhor, só eu e ele estávamos no metrô naquele momento. Tenho mania de conversar sozinha. E era o que fazia no instante em que noto o olhar daquele senhor.
O que pensava ? Será que me achava louca ? Mas não era um olhar punista. Nem era, tampouco, fraternal... Era um olhar niilista. Um vago olhar sem qualidades. Não havia cor em seus olhos. Continuei a falar comigo mesma, insonoramente para os exteriores. E se ele lesse lábios ? Estaria então sabendo de meus segredos ? O nome de meu amor secreto, minhas atitudes inibivéis, os poemas de Elliot que declamo ?...
Comecei a agoniar-me. A cabeça doía, tiro uma aspirina da bolsa e tomo-a. O estranho olhar percebera ? A fisionomia de seu rosto nada denunciara...
A dor não passa, nem a agonia daquele olhar. E o meu maldito ponto não chega. Olho para o relógio, ainda era cedo. Pensei em mudar de lugar. Não conseguia sair de minha cadeira. . E ninguém entrava no metrô, era como se tudo conspirasse para que somente existisse eu e ele.
E eu não parava de conversar com ninguém. Aliás, eu falava com alguém... Ora, ou era comigo ou era com aquele senhor... Ou com todo mundo, explanando ao ar universal minhas palavras... E o incômodo olhar, falava eu à ele ?
Deu-me vontade de gritar, reclamar daquele olhar, denunciá-lo como tarado... Mas os olhos dele oscilavam. Do nada passou a algo, algo que passou a me aliviar, sentia agora a necessidade de ser olhada por aquele senhor. O olhar agora dava-me vida, sentia existência (ou a minah própria existência...), culto, hipnose, respostas, alma... Quis transmitir isso ao senhor. Mas aí ele levanta-se, ajeita o chapéu (desviando, pela primeira vez, o seu olhar de mim...), pede o ponto e desce, sem olhar a mim, saindo completamente de meu campo de visão...
Agora eu era vazia. Estava vazia. Sentia o vazio que aquele olhar me completou. Eu e minha bolsa, a cartela de aspirinas, os poemas que decorei e agora dito-os em voz alta para esse mesmo nada...

(2004 ?)

SEU NOME

Eu só quero saber seu nome...
Pouco me importa como ela vai,
se vem, se passa...
se tem alguém, se seus olhos miram outros,
"se ela dança no sétimo céu" ou se fuma, se sabe, detesta,
empresta ou conjuga verbos no infinito...
Desejo apenas seu nome.
Quero seu nome soando em minha boca,
declamado em meus poemas,
esquecido... inexistente...
absorvido pelo tempo,
eterno terno, seu nome...


Eu só quero saber o seu nome !
Não o sobrenome, a aliança, o CPF ou o partido político...
Diga seu nome, por favor !!!
Cantem-no em auto-falantes,
escrevam no Diário Oficial,
estampem nas camisas rasgadas,
esteja na minha vida...
A rosa tem igual nome de rosa
e todas são iguais...
Todas são iguais ?
Seu nome, talvez comum...
você, sempre
um
ponto
diferente.

(2004 ?)

sábado, 23 de agosto de 2008

Do meu amigo Jazzs, na época dos festejos do 14 de Agosto na Barra... Valeu amigo !!!

Suor na testa guerra de calor
Poros conflito unido vida unindo povos
Amigos sinceros e felizes por ter teu amigo teus
Imaginação e telo não acreditar
Mas ao veres felizes ficar
Chorar de alegria crer gargalhar
Suor na testa PT na goela gritar 16 de agosto
Com gosto não esquecer vibrar se embriagar
Agradecer por ter teu amigo meu amigo teus

terça-feira, 19 de agosto de 2008

JASÃO E SEUS ARGONAUTAS

para "Os Safadões", da Barra do Mendes

Unido
unir
desmedido
ungir
surge enquanto
a força vem
da forca, não...
do coração...

tecido
sido
revestido
de qualquer momento
ungido
naquele instante sentido
feito metal fundido
feito mar consumido...

Assim, a amizade meço
sem eira ou começo;
nem todo beijo é traição ou escarro,
ósculo na testa, aquilo que faz festa
buscando qualquer fresta
que ilumine a vida gris...

Ser ou não feliz
Qualquer coisa que condiz
ver-se do precipício num triz,
e assim, na dúvida e na certeza,
ser safado...
talvez um fardo,
talvez mira,
toda vez que conduz a lira
na luz da poesia cordel-rap- repente...

Assim, Jasão e seus argonautas
navegando pelo barro e pela barra
á procurar mil aventuras em suas desventuras,
ouvindo som de venturas,
ouvindo irmãos e sentindo suas mãos...

Parecendo guiar-me por caminhos tortos
por ninhos soltos, por carinhos torpes...

Aí minha sorte: também sou argonauta...
desta nau que me enaltece
deste mar que gosto de navegar...
Mesmo não sendo preciso,
Viver, mesmo não sendo preciso...

Preciso mil vidas para compreender.

sábado, 9 de agosto de 2008

SONETO DO NÃO

Então você me disse não,
e este sonetinho tornou-se demais gris.
Vivo deste amar tranquilo, então...
coisa bonita que me deixa, estranhamente, feliz.

Será mera maluquice minha
ou devaneio senil e sem porquê ?
Tornar um amor vão em coisa daninha,
numa lógica aristotélica sem solução...

E imaginar as noites sem suas luas,
pensar no corpo meu sem seu calor;
e assim viver sem do seu sangue, transfusão...

Tê-la num momento frio e de almas nuas,
invertendo a coisa linda em dor,
alimentando mais minha irracionalidade e confusão.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

MEDE MEDO

Me deleite
Me deite
Me detenha
Me desordena
Me decomponha..
Me deseje
Me destine
Me desuse
Me desoriente
Me desvie
Me desvele
Me desvie
e
Me dê...
alguma coisa,tente
mede uma paixão assim ?

Me domine
Me dobre
Me doe
Me dome
Me doidivane
Me doutrine
Me doure
e
medo...

Só meu medo mede
este sentimento que pede
esta coisa, sede
cedendo de amor
medo de amar.
Mede amor
Me dê amor
e mais nada, enfim...

terça-feira, 5 de agosto de 2008

NA DA PALAVRA

Há palavra
na palavra -
a palavra que há;
a palavra
que quebra
e vai,
a palavra
que nunca sai,
na palavra
que entra
que adentra
que adestra
e nesta
de estar
e não-ser,

na palavra
nada palavra
na da palavra
nó da palavra
que desata
e ultrapassa
o passo,
o alcance,
a palavra
que simplesmente chama
e deixo-me deleitar em seu colo materno...

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O QUE VAI

Para Ênio (in memorian), ao som de "Sapato Novo" (Los Hermanos)

O que vai
deixa seus rastros,
grãos de areias de eternas chagas,
lembranças correm, ficam...
A vida é tão doce
A vida é tão oleosa
A vida é ávida
o que é a vida ?
A vida é o amor que se deixa,
a vida é amar.

O que vai,uma pomba
que risca o céu,
uma estrela ao pôr-do-sol,
mais um mar no mapa...
A lágrima cai, brota no sol a rosa fosca,
drena o chão destas marcas,
um vermelho que nossos olhos sempre recordarão.

(2004)

A ÚLTIMA ESTRELA FINDOU

Para Carol (boa colega da época de faculdade)

A última estrela findou
e com ela, todas as esperanças...
A última estrela findou.
Assim, sem deixar vestígios
sem papiros
sem som.
Exausta, a última estrela findou.
A última estrela
sem fim
nem começo.
Ela, um pontinho brilhante
tão distante de qualquer constelação,
tão distante de qualquer homem,
de qualquer observatório.
Um pontinho brilhante, insignificante, ausente...
Essa mesma última estrela,
última estrela...

Deixo o copo de vinho domar o corpo que julgo ser meu.
E um amanhã escuro vence
a retina cansada de ver várias manhãs.

(2004)

EU, ELA E UMA CANOA

Ainda eram tempos de amizades.
Falávamos como siameses separados ao nascer,
tinhamos algo em comum (muitas coisas em comum, acho...).
Talvez eu fosse dela e ela nunca soubesse...
Um dia, numa descoberta:
Eu, ela e uma canoa.
Afastados de tudo e de todos.
Não propusemos uma linda fuga.
Quis beijá-la, então ?!
Beijá-la... e se ?!
Quebrar um voto de amizade ?!
Afastei.
Não quis querendo.
Eu, ela e uma canoa.

E depois disto,o amor,
de tão pouco, acabou-se.
Da gente, apenas trevas...
Mas um dia, sem algo remoto, a lembrança veio-me à tona:
recordei veredas e uma abandonada canoa.
Foi quando a vi.
E achava que o seu fantasma não morava mais em mim...
Escombros de você apareceu-me, assim:
seu sorriso,
seu gosto,
nossas conversas.
Contudo não o alimentei, preferi-lo estático, feito quadro.
Contemplei-o, degustei deste mel.
Então virei pro lado, dobrei esquinas
e quis viver minha vida.

(2005)

terça-feira, 8 de julho de 2008

SONETO PORNOGRÁFICO

Caída manta, vejo teu corpo nu !
Despidos seios magnos de magia,
Bela num brilho interno, és tú
Oh, dádiva, digna de alta elegia !

Eu, num ósculo dádivo de pecados
Despertando instintos em brios
Colhendo da fruta nos lábios tocados,
Decifrando em ti os intocados frios.

Teu corpo no meu, imã do meu viver
Suores e vapores, sal do teu gozar
Urros de minha língua tântrica e vil

A beleza, mulher, molhada em prazer
Tatos e sinestesias, toque pueril
Da noite sem sonos que tu podes me dar.

(2005)

POEMA, SER MORTO

...E que fosse revolucionário !
Podia soar como jargão de um rebelde zapatista...
Mas é, somente, o desejo de um poeta...
O quieto poeta, o poema que não se lê: Poema, ser morto...
Queria alguém para ler este poema
Alguém que lêsse estas palavras invisíveis...
E as traduzisse...
E as interpretasse em torpor...
Saindo do estágio analfabético do blá-blé-bli de meus poemas.

(2005)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A COR

A cor está acima dos telhados
que invento num papel,
somente quero te aquecer
te esquecer ou te guardar no seu bolso...
A cor viajou no mar,
quis namorar, casar contigo...
desbotando em mim, o seu botão em flor.
A cor decorou de cor,
a cor que acabou
ficou acabada, tão cinza de cor.
A cor me cortejou, me fiou,
encheu-me de fios, de favos, de luz.
A cor cansou-se do mar,
das ilhas, do bem-amar,
dos benzinhos e das nuvens.
A cor levou-se a sério:
a cor suicidou-se.

(2006)

UMA ANTIGA CANÇÃO

Para Aurélio, in memorian

Como uma antiga canção que soa nas mentes azuis de assombro
o estúpido destino abraça suas asas do inaceitável,
eu não sei porquê...
Vejo pessoas que choram
e minhas lágrimas invisíveis molham melodias e dias de breu...
Sintetizo minha dor no abraço não dado:
as vezes o melhor abraço é a ausência de abraços -
mando a força de meus braços, tudo bem ?
A vida é erva-daninha
A vida é flor
A vida, muitas vezes, pode ser a extrema raiva,
na vida sempre haverá espaços pros amores e lembranças cruas.
Lembranças que virão, algo que doí
algo que corroí alguma coisa, que constroí, algo que trai...
A vida pode ser o carnaval que emudeceu,
a vida é o Carnaval que não podia acabar.
A faixa preta simboliza a vida que, ausente do corpo,
tornou-se coração e viajou.
Como uma antiga canção lembrada para todo o sempre.

(2006)

PROS OLHOS DE MEU BEM

Estes olhos cálidos, calados
um cajado de madrepérola
diamante lapidado
olhos límpidos...
Brilho dádivo
divino olhar
olhos do bem
olhos do meu bem, do meu bem viver
olhar...
Estes olhos mel,
olhos meus nos seus,
olhar vago no seu olhar invasor
seu olhar censor
estes olhos libertinos...
Olhar clandestino
um puro olhar
austeros olhos que quero
estes olhos que tentam
olhos da menina que atenta
olhos que me nutre e sustenta
olhos que elevam, gravitam constelações
executam oscilações;
olhos negros de tão claros
azul marinho, verde lorquiano...
Pare com este olhar !!

Pros olhos do meu bem
a canção do rouxinol-carcará
no abrir da rosa mais orvalhada...
Onde estará este olhar que me diz
exatamente nada
quando há tudo por olhar ?
Estaria olhando pra dragões ainda invisivéis
ou para os cantos demasiados cantos ?
Estaria cantando o coral nos corais do solo-mar ?
Olhar que delira este poema-fantasia,
a razão mais concreta (o exame oftalmológico !)
e o cegar gris que me faz ser tão micro...
faz-me cego pro seu ego
ou clarividentes sintonias que desviam curvas quaisquer...
Tudo isto nos seus olhos,
apenas no seu olhar...

(2006)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

sábado, 28 de junho de 2008

A POESIA DO PEDREIRO E DA DAMA

Não penso na poesia rica,
assim tão rica,
rimada aos extremos,
um Castro Alves talvez...

Penso na poesia viva,
vida,
a poesia passo,
a poesia do pedreiro e da dama,
a poesia que soa como minhas sinceras verdades,
a poesia intimista...

A poesia como parte minha,
assim como o baço ou o braço,
o ócio e o ofício
dependem das minhas mãos:
labuto e descanso na sombra da ignorância,
não ouço música clássica
- a guitarra é um pouco de mim -
sou tanto populista,
referencio os repentes, de repente...

Não penso na poesia como solução
ou página de "Minutos da Sabedoria",
a poesia diz sem dizer,
a poesia nunca foi e nem será fábula.

Poesia amoral,
poesia tão poros, tão nesga de nada,
a poesia que ensina a viver sem levá-la muito a sério.
A poesia nunca academicista - poesia racista,
que restringe tudo e todos -
a poesia minha, tua, da rua ou da encruzilhada,
a poesia sem sensualismo, contudo erótica
- pois sou erótico -
a poesia masturbatória, poesia coital
e tal como a vida,
a poesia lírica e tosca,
um violino tocando minuetos vadios,
a poesia sem críticas e pingos nos is.

A poesia, enfim, poiésis
Poesia criada e nunca censurada,
a poesia sem poetas,
a poesia sem poesias...

(2006)

OS EXTREMOS

O mar dando aconchego,
a visão azul do mar ofertando este lirismo de vê-lo,
eu e você:
a combinação cósmica, um véu de estrelas.

Vivendo os extremos da força,
buscando a lúdica adulta de sermos fracos,
quem sabe a sábia dama estará pedindo carona,
seria meu amor ?
seria o amor ?
Uma breve ilusão:
A violeta e violenta vida.

Somos a busca da simbiose
dinheiro ou sexo, não importa a ordem;
movemo-nos por isto
quiça por ambos ao mesmo tempo...

O amor é cifrão e um bocado de gozo !

Entretanto entendo o mar e sua doação,
vejo-o, analisa-o, tento absorvê-lo até o fim de meus pulmões.

Esqueço.

O mundo então é a lembrança, o que não quero lembrar,
o mundo é a bifurcação do que sou e do lamento em querer ser o que não sou,

E quando não entendo estes sofismas,
deito minhas costas na areia
e deixo o mar entrar em mim.

(2006)

UMA CURTA

Eu
na sua,
só na sua...
Eu só e na sua:
como pode ser ?

(2006)

DIZIA MARIANA

Dizia Mariana, numa conversa tão nossa,
que a vida não é o samba que canto,
que os outros não são o que são,
que a mudança só viria se eu a quisesse,
recomendando-me, antes do amanhecer,
que o amar pode ser o primo maior,
que o amor está longe, nunca tão distante prum olhar.

Assim dizia Mariana...

Então quis abraçar o vento,
molhar de suor seus cabelos,
fincar flores no brotar de seu chão,
esculpir estrelas em malandrice...

Fantasia demais nunca é demais !

Mas Mariana dizia que a realidade não era apenas um casamento,
e que o vôo pode ser mais alto,
recomendou-me voltar
(dar tantas voltas pra quê ?),
duas crianças sentadas numa pedra:
um futuro e dois corações.

(2007)

O DUB

De grão em grão
a galinha enche o papo
de papoula,
de ampola,
a moqueca do macaco velho,
a moleca e um caco de vidro.

A última morte.
O último monte,
o último morro: esperanças...
Ainda escalo
mil calos,mil calar,
Ser uma resposta posta,
postal da estrela e da trela
mesa posta,
meio poste
um meio pra se chegar.

Tudo dúbio,
o dub,
viciante som,
variante tom
o mesmo esmo
esmola, maresia.
Um mar, um azul qualquer
querendo rasgar a pobre retina,
o mar, que gigante me absorve
sorvendo
servindo
vendo e vindo
sermões
sorvete

bola de bilhar

bilhões e bilhões
de partículas
engolindo
atmosferas,
atómo
esferas
sol, mundo, galáxias
muitos, muitos pontinhos
uma vida
uma vinda
convida
o breve choro do cavaquinho.

(2007)

FIM DE AMOR

Meu bem
a flor murchou
logo depois
que o amor acabou:
a conclusão que outra mão
colheu de sua pétala.
E daí imaculada
a sua imagem já cravada
neste coração maldito, tolo, coisa acéfala...

Neste fim de amor
conclusão deveras demais:
fui tarde
e aqui então jaz
assim, sem alarde
um sol de minha vida
saída de meus labirintos concretos,
incertos momentos de meu lar.
Fiquei na fossa
sem esta coisa nossa
que nem a dois acabou por se tornar.

Agora é viver sem esperanças,
tanta ânsia para ter alguém.
E, descubro, nestas andanças
que encarar a flor já padecida
não é pra qualquer um, meu bem !
se esta ilusão antes tão oferecida
agora é amalgama sofrida,
agora é realidade por encarar...

(2007)

segunda-feira, 23 de junho de 2008

ASSASINATO EM CIDADE GRANDE

Uma família tradicional de uma grande cidade grande, contudo tradicional. O pai, apressado em seu café, ainda encontra tempo para ler uma manchete de um grande jornal em circulação:
“Amor, veja esta...”, ele diz, pondo na boca um pequeno pedaço de torrada, “Crime assusta favela da cidade: homem, enfurecido de ciúmes, mata e trucida namorada !”
A esposa, no preparar das panquecas, pareceu dar mais atenção ao filho que reclamava do seu atraso para ir à faculdade.
“O que você disse, Romualdo ?!”, pergunta.
“Ouve-me, Felícia ! Tá aqui no jornal: um homem matou a namorada e trucidou ela todinha...”
“Cristo-Deus ! Deixa eu ver...”
Agora é o filho que reclama do desleixo.
“Espera um pouco, Dadinho ! Deixa eu ler isto aqui do jornal... Meu Deus ! O mundo tá acabando mesmo...”, a mãe quer tomar o jornal do marido.
“Peraí, Felícia ! Deixa eu ler meu jornalzinho em paz ! Filho, me passe a manteiga !”
O rapaz passa o pote e exige da mãe uns ovos estrelados.
“Sabe que eu nem mais me espanto com estas notícias ?! Primeiro que na favela sempre acontece estas coisas e depois que no mundo inteiro se matam pessoas...”
A mãe, da frigideira, comenta:
“Pois é, Romualdo.Mas eu fico com medo, sabe ?! Eu só penso nas discussões que os nossos vizinhos têm...”
“Tu é besta mesmo, Felícia ! Aqui é área nobre, estas coisas não acontecem em bairros como o nosso ! Dadinho, hoje você pega ônibus. Tô atrasadíssimo...”
Assim o pai sai, deixando o jornal de lado. A esposa o apanha e ainda relê a notícia do assassinato. Suspira um cruz-credo, dobra o jornal e guarda-o como os mais velhos. O senhor da reciclagem passa as nove.

(2006)

ASSASSINATO EM CIDADE PEQUENA

Uma cidade pequena, minúscula e encravada num estado tão medíocre quanto à insignificância do país em que dele federava. Um local pacato, com a pracinha exalando a infâncias nascidas e velhinhos jogando dominó como passagem dos dias. Havia o coreto e a igreja tombada pelo patrimônio público. A dona de casa ainda varria suas calçadas no primeiro raiar e a fumacinha negra que surgia nos altos dos telhados era o indicio das despedidas. Tinha, talvez, umas poucas centenas de casa, com média de quatro ou cinco habitantes. Do pároco ao mendigo, todos eram cúmplices. Pois foi com espanto que a cidade acordou no dia do tal assassinato.
Fora o açougueiro que havia dado mais de cinqüenta facadas em sua esposa, jovem cabocla muito querida nas cercanias. Motivo aparente: ciúmes. Na casa do casal, poças de sangues e pedaços do corpo espalhado pelos cômodos. A cabeça da esquartejada estava em cima da penteadeira, bem a frente do assassino, que a observa num tom catatônico e plácido. Seu avental de ofício estava de um rubro brilhante. O delegado da cidade, que o muito que fazia diariamente era várias sestas na sua confortante cadeira giratória, antecipou-se muito rapidamente: decretou prisão no ato !
Dias e dias de comentários. Todos, das senhoras do crochê na porta até os alunos da escola estadual. Não tinham outro assunto, discutiam sempre as novidades do caso: um possível canibalismo do açougueiro ?! A traição havia sido com o Menelau da quitanda, sumido desde o dia do acontecido ?! E as sucessivas mortes desde então: o da centenária Tia Chica, o do já desenganado Seu Alcides, o coração da viúva Santinha que parara duma hora para outra ?! Pela primeira vez a pequena cidade teve medo. Queriam o linchamento do açougueiro. A mãe da cabocla era um chororó que só vendo... Todos os dias eram visitas e o exame médico do doutor Jacks. O irmão da falecida jurava vingança. E o crime chamara a atenção do jornal de uma cidade vizinha, bem maior que aquela sofrida pela barbaridade do acontecido.
Pois surpresa foi quando o açougueiro declarou-se inocente, apesar das evidências testemunharem o contrário. Dizia amar a jovem cabocla e aquilo jamais o faria. Então o alvo das suspeitas agora se destinou ao empregado da quitanda. Havia bolões, apostas para se descobrir o verdadeiro assassino. A maioria desconfiava do açougueiro. Menelau era cria da cidade, todos o conheciam desde moleque, tinha boa índole e era bem quisto pela cidade toda.
Então se chamou um detetive da capital. Investigou-se, apuraram-se os detalhes, omitiu opiniões e conclusões, tudo foi feito num clima nunca visto na localidade. O detetive acabou se tornando uma figura comum por lá, ao ponto de ganhar diários pães com ovo e um engraxate particular. Tudo gratuito, apenas com a simples obrigação de desvendar o mistério do crime. Demorou meses, pouco ainda se comentava sobre o crime. Até que o laudo do policial catedrático emancipou-se: o culpado era o açougueiro, o próprio declarara após uma sova daquelas.
O açougueiro foi preso, mas mediante um advogado acabou sendo solto com pouco tempo de xilindró. Mudou de cidade e soube-se que acabou por se matar anos depois. Motivo ?! Ciúmes por causa de uma outra cabocla.

(2006)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

RESPOSTA A DEUS

E Deus criou o homem...
E o homem criou deuses.
Então o homem criou o pecado -
G(g)raças a Deus !!!!

domingo, 15 de junho de 2008

LINDAMENTE

para minha cumadre Geane

Lindamente me aparece ela
tão doce, lúdica, singela
ou apenas uma sereia..
Um deusa da mata,
coisa que arrebata
numa batida de violão...
numa partida de avião...

Lindamente, solenemente
soberana, rainha do lugar santo
e que para meu espanto
ainda é amada,
ama da vida, cumadre, amiga, amiga...
Lindamente,
desta natureza embebe
este ser hipnótico,
e diante todos os diagnósticos,
um brilho sem igual...
Tranquilamente,
uma ode de aêdos magnos,
esposa do amar,
posa no meu pousar,
musa do artista,
a primeira vista...
ao primeiro olhar...
Lindamente,
linda, linda, vem do vento
a flor desprendida do seu lar,
um desejo bom,
doçura do bombom,
um pedido, este meu poemar..

ESTA EMBRIAGUEZ

Não sei porque desta minha embriaguez desmedida;
esta embriaguez insólita, insossa, sem precisão...
Talvez seja porque a vi,
porque pensei ser tão raro vê-la,
talvez porque me enganei...

Decepção é ferida mordaz...
traz em meu peito guerras, nunca a paz.
E assim me transformo, me desformo, viro fera
e aí o febril da quimera,
augustiniana pantera,
xingo a todos e me auto-flagelo...

Esta embriaguez é por alguma coisa incisa
meu desejo que se multila,
novamente rimar não se precisa
este me revelar pareceria tão óbvio...
remexo minha dor
e a transformo em poesia.
Mas ainda sim inaudita...
e assim fica no breu, não está viva.
A embriaguez que torna-me, dia a dia
menos homem
mais animal
mais ou menos uma busca
de um dia ainda vê-la estátua.

E assim ser feliz sem você estar aqui...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

PATY

Paty, um sorriso
Paty, um acalanto
Paty, encanto
Paty, canto por voar...

Paty, um sonho querendo dormir
Paty, parte de um desejo
Paty, amiga de longe
Paty, alegria aos montes
Paty, um agradável sândalo a aspirar

Paty, uma menina
Paty que domina
tudo mais que ilumina,
Doçura meiga, cálida mulher.
Paty, criança que acha um ninho de bem-te-vi
Bem-vinda, bendita, beleza marmórea,
A meiguice infantil de uma descoberta boa,
Caçar caracol, enamorar de sol, nado na lagoa...
Paty, crisálida em seu abrigo frio
Paty, adocicar-me no assobio
A música de uma vida toda a te clamar....


Paty, simplesmente
A amiga que me surpreende
Com recadinhos lindos no orkut a me alegrar...

(2007)

TEXTO CABOCLO

Ser tão homem, tão demasiado humano, tão húmus, tão ser... Ser tão chão, tão cão, a vida insípida, a carne frágil e a alma forte, do corte facão, reluzente lâmina, couro, juá, umburana, angico, gameleira, barriguda, aroeira... Do espinho do xiquexique, da semente do licuri, do embrião em que se nasce e embriaga, sumo da jurema... Da carcaça carcará, assobio sem fim da caetana que adentra o coração, ronco do trovão, da barriga por comer... Chuva de estrela como num reisado mítico, chuva que deveras falta, noite-lua em faísca sem igual. Ser tão Severino, Maria, Sinhá Vitória, menino Jesus, ser tão sertanejo, da raiz e da enxada, do pião ou canção de lavadeira... No tear que teça o destino, o tino, o hino no louvor das ladainhas, no som mudo da sua miudeza, a força da esperança, olhos negros pro céu sem nuvens, nem sonhos, mas cheio de invocações. Ser tão umbuzeiro, ser tão macaxeira, ser tão quixabeira, ser tão parte de uma arte chamada vida, na sua chamada lânguida, em coro, num coral, oráculo, orar... Ser tão sertão.
Apresento-me caboclo, amorenado, neguinho, sarará, galeguinho do olho azul, Hércules-Quasímodo, herói errante na sua busca pelo que viver, pelo que lutar. No canto da patativa, no encanto do Patativa: “Sertão, arguém te cantô/ Eu sempre tenho cantando/ E ainda cantando tô (...) E vejo qui os teus mistero/ Ninguém sabe decifrá./ A tua beleza é tanta,/ qui o poeta canta, canta/ E inda fica o qui cantá...”. Sertão hibrido, cheio de seus mistérios, uma fogueira que arde no céu – rei sol que adentra nosso corpo vil, dorso forte, barba por fazer... Apresento-me cicerone de sua guarda, mostro-me às carniças que devoram monstros, sou pálido, esquálido, mas ainda tenho braço e gana. Busco este sertão adormecido no meu ente, o núcleo-duro do ventre do âmago, coisa minha que me faz tão regionalista, tão areia, tão pó, tão sertão... E manifesto este ego labiríntico na expressão de meus punhos que empurram meus instantes, meus cotidianos, histórias de minha avó. Sou arte brasileira que exaspera desconhecida, sou o limbo escondido que desvela no voto pro coronel, sou aquele olho que incha d’água, o pé solado da lama incandescente e inexistente, sou a paz da cotovia que anuncia mais uma chuva, mais um oráculo, mais uma centelha chamada esperança... No caminho vermelho em que piso, restará a lágrima que sustentará meu amanhã...

(2007)

UM VINTÈM FURADO

Ao som de “Um pouco que sobrou” ( Los Hermanos )

No bolso tenho felicidades
e um vintém furado,
A vida é tão grande :
eu, tão minúsculo,
tão pequeno para administrá-la...
O mundo é enorme,
sou tão ínfimo, para quê futurá-lo ?!

Ainda não sei o que fazer com meus braços atados,
não sei como agir se minhas mãos estiverem soltas,
imagino que todos me cobraram
o emprego que não tenho,
a moça que me despreza,
os anos que devo respeitar...

Vivendo a deriva deste barco
navegando em mares nunca dantes navegáveis,
acredito nas pessoas do Pessoa.
Compreendo o mágico do bem vivenciar
e entendo a doçura tênue daquilo que virá,
terei que me adaptar ao doce senso de meus fatalismos.

(2006)

terça-feira, 3 de junho de 2008

ODE ONDE

ode
onde
aonde
tudo
ao
menos
meus pêlos,
meus apelos,
nada
ainda...

Ode
onde
a onda
quebra-se
branda-se
buscando
andar
seguir
ou ir
ouvir...

ode
pode
vá !
Vamos
pois podemos
até onde ?
Não saberemos...
Mas iremos,
talvez serenos,
ou nesta tal vez, intensos
na tensão
de sabermos que somos
ora tomos,
ora sãos.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

MODESTA BALADINHA DE AMOR

Ao som de "Avarandado" (João Gilberto)

Enquanto você repensa velhos fantasmas,
tento viver minha vida sem sua presença,
vendo dentro de mim aquela coisa que se mutila,
sentindo que a estrela não mais cintila,
não rimando para não parecer tão óbvio...

Enquanto você remexe seus internos baús,
eu, sereno, procuro lhe esquecer por quase nada
tento vê-la, mas você só aparece na madrugada
sorrateiramente, cãndida, indefinida
afinada, paixão guardada, mar que não sei decifrar
amar velado, cheio de véus e negros céus
você, meu sol sem cor feliz
você, meu colorir gris...

E busco, nesta modesta baladinha de amor
não mais ser seu par, nem âmbar, nem momento ímpar...
quero tão somente dar o meu grito,
inaudível agudo aflito,
inadíavel revelação que escutei sem querer...
desabafo preciso, oscular inciso
lhe auscultar e não mais cultuar
qualquer dito seu de amor...
Lamento o estranho que em sua vida instalou
e cravou com estanho o nome de meu desagrado,
mas se é dele seu agrado
não mais o amaldiçoarei...

Porém ao seu clamar não mais responderei !

quarta-feira, 21 de maio de 2008

ALUADO (A NOITE)

O poeta precisa da noite,
do vapor que emana dos bueiros fétidos.
O poeta precisa da lua brilhante,
da lua cheia de prostitutas e beberrões,
o poeta aluado,
a lua do poeta,
o poeta pó.

E as estrelas precisam dos namorados,
dos violeiros titânicos,
do cricrilar e do sereno vadio...

O eu-poeta na minha casa
- casa sem telhados, já diziam -
na solidão da casa,
donde a ausência do vinho
e do carinho extremado da moça,

aonde a lua e as estrelas não batem em mim...

Minha casa é o calabouço onde repouso feliz,
indignado porém,
quase a cometer besteira qualquer.

Pois a noite me reseva alguma surpresa,
oh berço dos cupidos !
oh felicidade nos breus !
A noite dos gatos pardacentos,
das lendárias e dos causos,
Escuridão que abre outras flores,
devassidão dos meninos que precisam da noite,

A noite outorga o poeta para o bem-poetar.

(2006)

TUDO SE TRANSFORMA

"Eu gosto é do gasto..." (Los Hermanos)

Eu não caibo nestes mundos.
O mundo não cabe em mim
e tudo se transforma...
Sou parte da partícula que segue,
um tantão de células presas nesta sela,
no corpo que persegue lugares no espaço.
Após de ser doutor,
minhas titulagens serão apenas papéis,
e da tatuagem que sombriou-me
dou-te um pedaço de minhas ilusões...

(2006)

INFINITO CÉU AUSENTE

Assim a vida principia,
a vida precipita,
a vida pia:
Guio meus próprios passarinhos,
lá estão eles no infinito céu ausente.

Onde prossigo com as palavras
palavras cegas que enfeitam todas as luas
a sensibilidade que o homem não pode ter...

(2006)

O QUE HÁ DENTRO DE MIM ?

O que há dentro de mim ?
Um antigo caderno em que escrevo vidas.
O que há dentro de mim ?
A esperança no velho que renasce novo.
O que há dentro de mim ?
Este eu agoniado e frio, nunca desmoronado !
O que há dentro de mim ?
Sua recordação, este amor vazio, um full-house batido,
uma cola de escola, um bebê abstrato, uma criança dócil, um humano
trapo...

O que há dentro de mim ?
Intestino, pulmões manchados, ossos doloridos.
O que há dentro de mim ?
O há,
O dentro,
um mim...
O que há dentro de mim ?
você, você, você, você, você...

(2006)

OUVINDO ANTÔNIO NOBREGA

Aqui
14:54 da tarde
É domingo
O céu tá nublado
Ouvindo Antônio Nobrega:
"Truleu da Marieta"...

Tudo turvo,
tudo cego,
nada insano
o amor vence
e pronto !

(2006)

PALAVRAR

Palavrar
a palavra
lavrar
a larva da seda
ceder,
a cada momento,
uma só palavra.

Definir
afinar, ajustar
palavras...
palavrar...
esconder, sumir
agir
buscar enfim
o fim
e os finais.

(2006)

VI E VIVI

para minha amiga Viviane

Eu vi,
Vivi
palavrinha doce que
vivi,

bonequinha que me trouxe
a sensação de voar sobre
tudo que há de bom,
Vivi...

Vi e vivi,
esta coisa linda que é
Vivi,
viver é pouco ainda
pra contempla-la
aqui,
vi Vivi e venci
venci a coisa boa que
vivi,
que vive tão plena,
a sutil vida morena
que há nesta pequena,
Vivi...

A DOIS

Nós
a dois
um nó
união
dois corpos
apenas dois corpos
ocupando
espaços e dimensões
uma estrela...

Um botão desabotoado
um botão de rosa
descolorido
A dois
ferido,
mordido,
cedido,
eu e você
gravado
eternas eternidades
num tronco
de árvore...

Nós
por anos
por uma vida inteira
ou meia
uma lua cheia
um sol nublado.
A dois
somente
num dar de mãos
andar num passo
no compasso frio,
das mãos entrelaçadas
em dias gélidos
dias ímpios
dias sãos.

A dois
apenas
instante breve
intensidade viva
eu querendo
você querer
tudo tão assim
sem nada
acaso
por acaso
já revelado
pelos oráculos
destinados
a nós
dois.

(2006)

SUA (SÓ PORQUE AINDA PERSIGO UM POEMA DE AMOR...)

Ao som de "Minha flor, meu bebê" (Cazuza)

Sua voz calada,
sua cálida presença em mim,
sua marquinha de vacina,
sua face que fascina,
suave menina
menina botão de flor...
Sua melindrice qualquer,
sua insistência no não,
sua insanidade em horas sensatas,
nossas serenatas
a lua testemunha
tudo comunha:
eu e você.

Sua voz contida
sua risada cantada
sua hipérbole descontada
sua concha do mar...
Sua pele, tênue pano
sua fragilidade de porcelana,
sua força descomunal,
sua coisa de criança,
sua maturidade que me dá moral,
sua castidade macula,
sua pureza.

E é só porque ainda persigo um poema de amor
E é só porque sou seu de alguma maneira,
seu sua
suada sina
sinal que se proclama
ardor de quem ama
dor do que chama
sem nada aclamar
apenas amar
esta sua
sua estátua que firma meu pensar,
sua doidivana imagem nos meus sonhos...
Sua, apenas
pena de mim
dó do desejo
ensejo de ser só seu.

(2006)

A ROSA

Caminho
por mim
e vejo-me
transcender...
Quão pessoas ainda não verão
o verão
desbrotar
no roxo
da rosa ?
Sou abstrato
invisível,
sou uma lágrima
um lápis que pontilha minha vida

sou o deus do meu destino !

A rosa
ainda
tinge
e finge que é uma cor
uma flor
um amor de menina...
A rosa cumpre
a ínfima
missão
sã e salva
do salmos
que conclamam:
Tudo, meus queridos,
passará tão pueril
que navios
e pavios
serão nossos últimos redentores
de dores
e consolos.

(2006)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

MATEUS

poesia do meu amigo Gibran, posta na comunidade do orkut feita pelos meus fãs...

Mateus queria o viver
mas não era um livro em branco
Mateus queria o saber
mas nao é um livro fechado
Mateus queria o poder
e porque porque purque purque...
...ele precisa ser um out dor

um livro em branco não sabe

um livro fechado não mostra

um outdor sim, para levar ao mundo a sua mensagem

QUERO SER UM BARCO NO SEU MAR

mais um para Camila...

Quero ser um barco no seu mar,
pouco importa em qual direção você me leve,
pras suas tormentas ou suas calmarias,
quero seguir sempre ao teu lado,
mesmo num mar agitado,
mesmo por caminhos que ninguém se atreve...
mesmo que haja trevas,
ou liras para encantar meus dias
quero ser um barco no seu mar,
ser arco e seu alvo acertar
Quero estar contigo, salvo
Quando meu barco atracar...

Quero ser um barco no seu mar,
não importa seu estilo de amar,
quero estar sempre perto de seu contato,
estar na sua, boca a boca, tato a tato
ter suas luas, suas inconstantes fases;
Quero encostar-se à sua face
e, bem baixinho, falar:
não importa seus inimigos,
quero apenas estar contigo
e ser um barco no seu mar.

terça-feira, 13 de maio de 2008

COINCIDÊNCIA DE AMAR

Como do nada, passo em frente ao quarto de meu filho do meio, catorze anos, cabelo de surfista, já com o dobro de minha massa muscular. E deparo-me com o próprio tentando pegar as batidas duma antiga canção do Roberto. Como num salto, meu coração disparou... Os acordes ainda desafinados de “As canções que você fez pra mim” me fez pensar que tinha sido esta música que aprendi tocar no violão para conquistar Élcia, a mãe deste marmanjo que agora se desdobra em aprender as mesmíssimas notas, errando na letra, indo e voltando no processo experimental de decifrar aquilo que o coração jamais traduzirá em batidas vãs.
A reminiscência é inevitável. Vejo-me no fim dos anos 60, muito talvez parecido com meu filho, estilão hippie, muitas vontades na mente e ideologias por seguir. Penso no quão bonito era ter sonhos, no tanto que eu era em ser puro... Seguíamos as ordens de Vandré, contudo sem perder a ternura jamais. Rio baixo, observo meu filho. Ele também me vê. Ficamos em silêncio por um instante, porém dizendo muitas coisas que não falaríamos se tivéssemos voz....
Aproximo-me dele, sento em sua cama e dou-lhe um beijo na face. Ele ainda me observa, agora com um olhar curioso. E então dedilha algo tênue, um mínimo de toque e pára. Suspiro e pergunto como ele está. O cotidiano não nos permite momentos como estes. Ele responde-me que vai bem, mas que está com dificuldades em pegar a música no violão. Retruco perguntando o porquê de tal interesse em tocar exatamente esta. A resposta é instantânea: “Ué, pai, porque achei bonita...”. Afago-lhe os cabelos e questiono-o se não haveria um segundo interesse. Ele sorri envergonhado, baixa o rosto em direção ao violão, e logo diz que sim. Não pergunto o nome da garota, mas ele me adianta de que ela era muito bonita, a mais linda do colégio, quiçá do mundo... Ah, esta verve dos apaixonados !
Peço o instrumento, coloco-o no meu colo e antes de ensinar as técnicas certas, ainda observo meu filho. Vejo o quanto ele cresceu e o quanto eu envelheci. Percebi o quanto é bom tudo isto. Meus cabelos não se parecem mais com os dele, já tenho rugas e muitas histórias guardadas nos baús dos tempos. Contudo, encanto-me em ver que nosso olhar ainda permanece com a vivacidade de outrora. Há algo de resplandecente nas nossas pupilas, na cor destas, no desvio de nossa vesguidão, no emblema do amor que é notório e cuspido em nossos semblantes, nesta coisa mágica que é a coincidência de amar... Ele ainda me pergunta se dói estar apaixonado. Digo-lhe que basta vivê-lo, e tudo mais será sanado... Deixo o recinto devolvendo-lhe o violão, apertando sua mão, dizendo burocracias do tipo apagar a luz ao dormir ou lembrar de escovar os dentes, olhando-o mudo e pensando no qual feliz somos. Sento em minha poltrona, abro o livro em qualquer página, mas deixo-me guiar pelos pensamentos duma coisa velha guardada, cheirando a ácaro, reciclando-me por inteiro...

quinta-feira, 8 de maio de 2008

MUDO

"Eu canto porque o instante existe / e minha vida está completa / Não sou alegre, nem sou triste: sou poeta." (Cecília Meirelles)

Não falo, escrevo.
Não tenho voz, tenho punhos:
por isso sou mudo
por isso digo muito,
meu silêncio tem o grafite das grandes retóricas,
meu verso, sangue...
Se acaso descobrir-me
será nos meus escritos,
dito no dito, quieto e mansinho
escondido no fundo de uma gaveta
ou a sete chaves de um diário.

Não conto, descrevo.
Guardo, porém exibo-me.
Pois todo aquele que risca
quer o risco da fama,
quer ser escutado no papel rasgado,
quer a luz das sombras.

Pois escrevo para o outro,
para aquele que um dia lerá minha imaculdada chaga,
escrevo para o elogio,
desejo o beijo após grafitar meus sentimentos,
escrevo porque há instantes e Cecília.

E escrevo, ora memorializo
desmoralizo minha crédula fala
falo mudo, porém grito.

(2006)

NUNCA É TARDE PARA SER CRIANÇA

para os bons tempos de Trem e Balão...

Brincar, brincar
brincar e pular
o carnaval
a corda,
o acordo...
Esquecer do mundo,
vagamente saber ser
um taciturno, um tácito noturno
soturno diário
e o tempo, arcaico
desvenda o novo
na ruga
na fuga
na figa
no "fica comigo"...

Nunca é tarde
para ser criança
para o ser criança,
para a criança adormecida nos umbrais de nosso ego.
Tais e tais, coisas sociais
Tias que cantavam lengaslengas para o nosso merendar,
fazer do coração "din din din din don don".

(2007)

terça-feira, 6 de maio de 2008

A MINHA MINA

para Camila, meu atual acalanto...

A minha mina tem um carinho toda dela,
um sorriso só dela, destes que encantam tanto...
a minha mina é tão menina, mulher, feminina
coisa boa, uma boa conversa
o que me afaga e me prende...

A minha mina tem uma força que me sustenta,
uma ligação que me magnetiza,
aquela felicidade extrema, alvo na direção precisa,
minha mina é algo que cintila,
minha mina tem nome: Camila...
estrela de cabelos rubros, feito vulcão
destes que, depois da erupção
destrói qualquer senso de tristeza que me atormenta...
Minha mina é tão linda,
mas tão linda, tão linda
que a palavra até finda
e nada expressa tal beleza...
Minha mina me embeleza, pois todos vêem meu sorriso !
Minha mina é um tesouro,
um lugar guardado de ouros, uma descoberta, flor aberta terçã
minha mina é ver desenho num sábado pela manhã
minha mina é falar de desenhos e de infâncias...

Minha mina,
esta só minha
é maior que este poema...
Minha mina é canção do Roxette que sempre ouvirei...
minha mina,
minha...
te adoro !

sexta-feira, 2 de maio de 2008

TARDO FINS DE TARDE

Ser fada é fado
ser nada, um nado;
bem que poderia ser fardo,
um ardo,
tardo fins de tarde
para propôr
mais um pôr-do-sol...

quinta-feira, 24 de abril de 2008

POEMA-CHORO

Para mais uma desilusão amorosa minha...

Meu choro é o canto que declamo,
meu choro é flauta que soa,
você é passarinho mudo, desencantou...
você passou, devagarinho voa,
fez em mim tufão,
agora me faz chorar sem canção.

Meu choro não se escuta,
se aglutina, estanca, ferve...
Minha verve pede nervos,
minha alma não decalca sua epiderme,
espreme, expia, nada leva,
tão leve, seu amor sem pesos...

Meu choro, preciso é chorar
necessário batucar coração descompassado,
que chora a sua condição em mim - coisa que não quero !
Sendo bem sincero, indo com esmero ao proceder deste samba-enredo:
choro que não se ouve,
choro batido nas linhas dum cavaquinho,
choro bem devagarinho,
choro desaguado, choro de mar...

domingo, 20 de abril de 2008

PRA ÉLCIA, NADA MAIS

Tenho-a tão longe de meus olhos,
eles, cansados, nem choram mais...

Vejo-te num redemoinho de estrelas,
ou numa explosão de rosas,
em mil coisas gasosas, no sublimar dum pôr-do-sol,
Na proximidade de um sorriso,
em qualquer coisa que me lembre um terno carinho...

mas ainda sim a tenho tão longe de mim,
e talvez isto me persiga por toda o instante...

porém você se metamorfoseia em lua,
fazendo de mim apenas mais um que te contempla.
Construo templos, mil tempos para te amar,
um mar que nos aproxime, a imensidão que nos eternize...
destruo esta podre e pobre distância,
que insiste em aumentar minha ânsia
de te querer, nada mais...
acabo com tudo que nos desvia -
labirintos que sinto, procuro e não há seu guio.
Assim a tristeza se despe,
faz de mim um serviçal seu,
mas só em ti redimo-me,
e gozo pelo prazer de te escutar ali

sábado, 19 de abril de 2008

UM POEMA RES COGITA (2° VERSÃO)

"O que é, exatamente por ser como tal como é, não vai ficar tal como está" (Brecht)

Toda vontade é Schopenhauer,
todo suicídio é Camus,
toda caverna é Sócrates,
todo amor é Platão,
todo deus-morto é Nietzsche,
e toda existência é Sartre...

Toda mais-valia é Marx,
toda metafísica é Aristóteles,
todo passar no rio é Heráclito,
todo pai é Tales,
todo ser-aí é Heidegger,
e todo Estado é Hobbes...

Todo cogito é Descartes,
todo positivo é Comte,
todo juízo é Kant,
todo ideal-racional é Hegel,
e todo príncipe é Maquiavel....

E tudo (isto) é falácia...

E todo professor é sofista,
e todo calouro é copista
de Copi, Copi
(de livro amarelo nas mãos, o mundo é um engano, o mundo é um apelo a piedade...)

E toda dúvida...
E toda indagação...
E todo ceticismo...
E toda dialética...
E todo dogma... E todo ente é filosofia,
toda essência...
toda matéria... toda matéria-prima

prima ou filos,
todos são filos...
filhos, não importa a mãe:
ninfas ? Ariadne ?
Heloísa ? Diotima ?
Simone de Beauvoir ? As amantes de Rosseau ?
Sofia ?

Filosofia ?
Incesto monumental !

E que São Lázaro nos proteja !

(Janeiro, 2004)

P.S: Ditos da época - Para toda comunidade FFCH/UFBA, em especial a Anael e Gabriela, grandes entusiastas do meu modesto trabalho...

Saudade de todos !!!!

PATOLOGIA

O seu amor me deixou doente,
de cama,
dodoí.
O seu amor doí,
o seu amor me matou.
O seu amor contaminou a cidade
o seu amor me deixou em estado de enfermidade
o seu amor fraturou meus ossos,
o seu amor é infecção,
o seu amor, obturação.
O seu amor é mercúrio-cromo,
o seu amor é patologia,
o seu amor é hipocondríaco,
o seu amor é um remédio,
o seu amor é a febre,
o seu amor é a taquicardia
o bip-bip do eletrocardiograma
o seu amor é um coração
um transplante
uma ponte de safena
o seu amor é o branco do médico
o termomêtro da enfermeira
o exame de fezes
o seu amor é um vômito
um comprimido
o seu amor é prancheta
o sangue a ser doado
o seu amor é gaze, esparadrapo
o seu amor é soro
a cicatriz
a vacina
o seu amor é anestesia
a recaída
pressão alta
o seu amor é operação de fimose
a recuperação
uma maternidade
o seu amor é um parto cesarino
um bisturi
um estetoscópio
o seu amor é o velho morrendo
a eutanásia
um ser em coma
o seu amor é UTI
o plano de saúde
a amputação
o seu amor é um cádaver
a rápida visita
um corredor frio
o seu amor é revistas de medicina
a recepção
e a recepcionista...

O seu amor é uma doença.

(2004)

POEMA

"...Não te aconselho o amor. O amor é fácil e triste. Não se ama no amor, senão o seu próximo findar. Eis o que somos: o nosso tédio de ser..." (Ferreira Gullar)

És meu irmão,
és meu amigo,
és minha namorada,
és meu confidente,
és a foda perfeita,
és meu vinho,
és meu "cão engarrafado", poema !
És íntima, és notável
és única, és anti-depressiva
és segredo,
és número,
és cabala, poema !

És condutor, és princípio,
és linguagem,
és céu,
és minha companheira,
és meu abrigo, és meu aborto,
és meu canto, poema !
De tudo és tudo -
a lágrima, a folha, o caminho reverenciado,
a ficante, o extasy, o fim... poema !

Os beijos que quero, viva a vida que briga !

Poema, não me abandones...
Poema, prostituta que me permites o repouso em teu seio, colegial que deixais ver a calcinha, mãe do colo, ama-de-leite...
Meu consolo, meu solo, minha pose,
meu nome,
poema !

(2004)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

MUDA HISTÓRIA PRA LAVRAR PALAVRA

Rosa, cidadão, RG de vários números, um monte de letras que formam as siglas de suas dívidas cotidianas, 42 pra 43, nesta sopa amálgama que forma esta criatura, este ser, esta vida a ser descrita e escrita, cunhada aqui nesta muda história que em nada mudará a muda, o irá dos outros... Pois bem, a insignificância da personagem não é além de sua curiosidade enquanto figura. Necessário aqui é registrar a vida e os passos deste sombrio que em tanto foge e dissipa luz para uma narrativa contundente e vivaz. E, sem rodeios ou quiproquós, começo aqui este meu contar-conto, ponto e pronto !

Apesar de carregar feminilidade no nome, saliento que Rosa é homem e sexualmente bem definido: hetero, pai de família e de duas crianças bem nutridas e bonitas, uma esposa amável, algumas décadas de um casamento estável... Vendedor ambulante de enciclopédias, destes que batem em várias portas dia-a-dia, Rosa sua pela sua sobrevivência, um típico comum dentro das coisas comuns que há no mundo. Toda manhã acorda antes do sol, escova os dentes, liga o rádio, faz o café, desperta a esposa com o barulho das xícaras e colheres, come o pão de ontem com manteiga ou geléia, quando têm. A esposa sai do banheiro, ele entra. Toma o banho e faz suas necessidades. Veste-se no quarto enquanto a esposa requenta o café. Sai de casa despedindo-se da esposa. Sem beijá-la, contudo. Pega duas conduções e chega na revendedora. Lá pega uns dois exemplares, põe-nas numa mochila, veste-se de camisa branca e uma gravata negra, coloca o crachá na região do bolso, passa uma dose de gel nos cabelos, penteia-os e dirige para a rua destinada naquele instante. Às vezes pega mais um ou dois ônibus, noutras gosta de caminhar sentindo o cheiro das flores, o calor do asfalto ou o frio das pessoas que passam sem olá. Intervalo pro almoço um pouco depois do meio dia, um PF vizinho do local onde bate ponto, bastante feijão, ovo e verdura. Tem dias que dispensa o arroz pois colocavam ervilha, o que ele detesta. Toma um suco, ora cupuaçu, ora mamão com laranja. Paga em ticket e ainda dá tempo pruma respirada. Então fuma um cigarro sentado na praça e espera o tempo ir junto com suas baforadas. Olha o relógio, dez para uma. Levanta-se, mais um ou dois transportes, bate porta, “bom dia senhora”, campainha, “não quero, não preciso, não posso...”, alguns cachorros, uma venda, dia sim, dia não... Expediente termina às cinco e meia, na revendedora de livros onde deixa os cupons de vendas, alguns poucos preenchidos. Ônibus apertado, agonia, olha pro relógio, engarrafamento, mais outro ônibus, aperto, uma reza inconsciente pra chegar bem em casa, quase duas horas depois e o destino final: cumprimenta a esposa e os filhos. Vai ao banheiro, toma mais um banho, a janta básica, o noticiário na TV, a novela das oito, cochilo no sofá, ir para a cama sem beijar a esposa. Rola na cama de lá pra cá, levanta-se, urina, pega um antiácido e toma-o com água. Logo deita e olha pro teto até o sono chegar, uma ou duas da manhã no relógio da cômoda. E então o ciclo repete-se, repete-se, repetindo...

Mas tudo isto mudou...

Num destes dias de pouca vendagem, Rosa sentou-se num banquinho defronte de um parquinho infantil. Tirou o maço dos bolsos e pegou um cigarro. Acendeu-o olhando para um grupo de meninos que se revezavam na descida de um escorregador. Deixou a mochila ao seu lado. Levantou a cabeça e percebeu uma nuvem, logo o vôo duma andorinha e o seu pousar num galho de árvore. Então tirou uma das enciclopédias que levava como amostra e que estava dentro da mochila. Geralmente não gostava de ler. Folheava o jornal, via a parte de política, mas nada de tão sério. Gabava-se de dizer que nunca lera um livro por completo a não ser “O Guarani” (e na época de escola !). Mas o momento parecia-lhe certo para tal ato – o que lhe custaria, senão alguns minutos de ócio ? Abriu aleatoriamente, viu a definição de “física quântica”. Achou chato, mas deliciou-se com as junções de palavras, as frases criadas, frankensteins de fonéticas e idéias. Partiu então pra outra coisa e deparou-se com outros conceitos, alguns que animaram sua alma descabida, outros que lhe fizeram passar o olhar desenfreadamente. E vendo seu homônimo, compreendeu que não era só signo duma coisa só – poderia ser flor, cor, símbolo que representa pontos cardeais... Conheceu também um pouco da vida de um Rosa famoso, de primeiro nome Guimarães, mineiro, tão homem quanto ele – maior talvez pelo fato de ser um verbete de enciclopédia. Lírico lhe foi a definição de seu contexto literário: “destaca-se sobretudo pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais. Tudo isso, unindo à sua erudição, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas...”. Leu e releu aquilo, pareceu-lhe mantra, descoberta, sonho, qualquer sentimento de dificil descrição. Interessou-se e marcou numa agenda a bibliografia do autor biografado. O dia parecia correr devagar, divagou isto e pensou na contradição das significações das palavras – ora, ninguém corre devagar ! – mas achou poético dizer aquilo e fez anotação. Lembrou-se de uma biblioteca por perto e decidiu perder algumas vendas, o horário do almoço e do cigarro, da suadeira e das batidas nas portas de desconhecidos que lhe negaram compra. Dirigiu-se então e lá pediu os exemplares do Rosa. Acabou por pegar “Saragana”, talvez pela peculiaridade do título , ou então pelo número de páginas, sabe-se lá...
Não sabia que tinha um mundo em mãos, mas sentiu isto enquanto carregava o livro. No começo, sentado num banco de ônibus, passou os olhos pela capa e passou-lhe suavemente a mão. Virou e viu a contracapa, onde alguém descrevia a importância do autor para a literartura nacional. Pensou então que ninguém havia descrito a sua importância no mundo – nem redações dos filhos, nem em reuniões de trabalho, nem em cartas da esposa na época de namorados... Ele também Rosa, um Rosa desbotado, mas agora grandioso por saber que teria mundos e mundos em suas mãos. A coincidência dos nomes lhe fez comprar uma rosa, decidido dá-la para a esposa. Chegou em casa e percebera que seu ciclo viciante ainda não cessara: cumprimentar os entes da casa, o banho, a janta, a TV... Mas, depois do cochilo no habitual sofá, ao chegar em seu quarto, deparou-se com o “Saragana” de capa avermelhada e grossa. Sentou-se a cama, acendeu o abajur, pegou o livro que estava sob o criado-mudo e abriu as primeiras páginas, lendo-as, capítulo a capítulo, “O Burrinho Pedrês”, “A volta do marido pródigo”, “Sarapalha”... Demorou-se a dormir, a esposa reclamou da luz acesa e da espera em vão por algum momento mais romântico, depois de recebido a flor que adornava um vaso estacionado na estante de sua cabeceira. Terminou o livro numa só noite, olho o relógio e viu que era tarde. Levantou-se para tomar o antiácido, lavou o rosto, voltou pro quarto e viu a esposa dormindo. Do lado onde deveria estar deitado encontrava-se o exemplar, assim pousado, pesado de saberes, algo que lhe tornara mais ser, uma muda história para lavrar palavras, uma mutação quieta, feito casulo, feito explosão de estrela, tipo metáforas que ainda não eram de seu feitio, feitiço tecido, roupa de cavalaria, fortaleza, proteção...
O hábito não separou-se de Rosa, em nada mudou o seu cotidiano. Mas sentia-se mais firme, mais Rosa, mais algo do mundo, uma roca no mosaico da humanidade... Decidiu ler de duas a três vezes por semana, começando por pequenos clássicos, depois indo mais além. Fez de sua vida o livro que deveria ser lido, lidando com tudo e trazendo mais cor e esperança ao tudo tautológico, lógico e cheio de falácias a serem decifradas e solucionadas. Lendo sabia que poderia ser patrão, gigante, potente, também fraco, também cálido, cândido, quieto. Mil antagonias enfim... E assim seguiu, caminhou, fez sua vida, fez-se na vida, levou, passando passado e presente, sendo manhãs e noites. O mundo o leu, leu o mundo e assim dormiu, acordou, viu e encarou as palavras...
Findou-se.

LOVE LOVE EU TE AMO

Para uma antiga pinchação de paredes de Irecê (BA)

Amor, amor
Amo-te, te amo
E isto pincho nas paredes cruas
Torno-as nuas
Assim como a face da lua
Que nossos olhos vãos não querem enxergar.

Love love eu te amo
Está lá, em azul,
Do norte ao sul
E todas as pessoas olham agora
E sabem deste nosso amor oculto.

E todos agora entendem este meu desejo,
Meu desejo te quer...
Meu desejo se mostra...
Meu desejo, anseio de tocá-la...
Ou de demonstrá-la...
Ou de tê-la,
Tela mácula,
Muros que eternamente gravaram este coisa que sinto
A coisa murada, cercada deste ego que divido:
Love love:
Eu te amo !
E amo o amor que desenho,
O amor que grafito,
Amor que gravita,
Engravida de vida as praças vida,
Este tal amor clandestino
Meu destino é te amar
E nunca se apagar
Como estas paredes cruas que tanto quis dele ilustrar.

(2006)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

BALADA DA MENININHA

Menina de trança
não transa;
ela trepa
de mangueira em mangueira
buscando sabe-se Deus o quê...

Menina de trança
tão suja,
parecendo traça
ou traço, uma reta
céu e inferno duma amarelinha,
a maré e a linha
alinhando,
menina que corre-corroí;
e minhas retinas
procuram, desatinas,
brincaderinhas com conchas
e algas
em suas coxas
será algo ?
será lago ?
será logo ?
um pequenino corpo que vejo, sereia
sumir na areia,
tornar-se seu namorado
um tornado,
estrelinha
duma só linha -
menininha.

domingo, 30 de março de 2008

POÍEMA

Palavra intensa
teso tesão
a coisa copúla
criando casulo
e libertando-se...

Então o poema, coeso
me prende
apreende,
absorto verbo.

Aí digo,
mendigo
minto-afirmo,
firmo qualquer coisa
desdizo...

E sei que minha voz inaudível
dirá dez mil vezes o que sou
que sou, que sul
que vento, invento, sorvo
este corvo que vem, sem cor
confundindo-se, negro, com estrelas.
Gritarei, silêncio,
silêncios em excelências
na sagacidade das essências
tendo, pretendendo, prender
esta coisa que rende;
a rede que teço
e durmo.

sábado, 29 de março de 2008

SAUDADES DE JOÃO

As névoas que formo
de minha boca derivam, de meus pulmões devaneiam,
de minha paz se encolhe,
a serenidade escolhe, tudo encobre:
o cobre e o cobrado,
o brando e o brado,
esta coisa que misturo, desatino
destino errante, meio infante,
galopante na fogueira de todas as vaidades...

Esta névoa é só pra esquecer,
ser algo que se colhe,
estar fébril de felicidades ocultas,
se mostrar deus de tantas insanidades;
ser névoa que neva, que voa,
pousa, pausa, cria, procria...

E dentre mil cios,
renascer forte
amálgama de qualquer instante
instinto de crescer, sorte
beleza de doar,
e assim soar
feito fumaça doida que me segue, mais nada...

quarta-feira, 26 de março de 2008

PEDRA-ESTRELA

Poema iniciado num momento de embriaguez com meu amigo Jason (22/03/2008)

Estrela brilha
caminho, trilha
dum caminho
que não brilha,
só trilha
só pedra
só caminho.

O caminho brilha
estrela vil que
estrala, pobre caminho
sem poeira
nem beira ou denominação.

Pedra-estrela
desde outras eras
que não era
tão ser desmedido,
buscando sua constelação,
sua nação,
sua noção.
Estrela que é nuvem e pó
que vem, tão só
feito pedra de construir
de destruir, desmontar.

Embriagada estrela,
cambaleando pedra
entre mil baladas e botinas,
amor tão velho de sentir-se jovem,
amigo bom que encontro
assim, estrela sem guio
nem estio,
estrela que ensina
esta sina, o destino
o caminho onde o eu-pedra
deve retornar.

segunda-feira, 24 de março de 2008

ODE AO VINHO

"...Como os jovens poetas que passam os dias a errar e a procurar rimas. Falar sozinho, verte sua alma no ar frio e tenebroso da noite..." (Baudelaire)

Palavras e mesa de bar,
torturas e sinceridades
...a brusca vontade de urinar...
A mancha de vinho no puro lenço,
formando nomes, cortando minha carne com sua língua,
som de violão e palavrões,
mesa de bar e deusas
...e (novamente) brusca vontade de urinar...

Petisco e mesa de bar,
filosofias e teorias
alguns choram
outros marcam num papel
quantas vezes se foi no banheiro...
Tonturas e sinceridades,
ode de vinho... amar, escutar,
agradecer ao vinho,
revelações baudelairianas...
Que bom a existência dos entorpecentes !
O vinho é meu sangue !

- Licença: vou ao banheiro...

(2003)

terça-feira, 18 de março de 2008

segunda-feira, 17 de março de 2008

A POLÍTICA APOLÍTICA DO SER

Bem, não sei se sou o mais indicado para escrever um texto dito politizável: o que sou neste mundão ?! Apenas mais um cidadão, destes clássicos que proclamam de peito aberto que detesta política ?! Quem sou para criar um misto de coragem e vaidades e querer escrever algo com tamanho teor ?!

Talvez seja por ser um cidadão, mais um da “polis” chamada urbana, por pertencer a grupos sociais, por ter documentos, impostos por pagar, uma família que me representa e ao qual represento, por ser de várias gerações do futuro - destas de impulsionar um país -, por ser gente, animal político, mais um na multidão, um de coletivos, parte de Deus... Por ter amigos, parentes, colegas, alunos, patrões, empregados, por tá num planeta cheio de racionalidades e justiças, leis e instituições, por criar anarquismos, socialismos, capitalismos e “ismos” que em nada possam me interessar de imediato. Por ser de guerra e de paz, da embriaguez e do sério, de Cristo, ateísmos ou Shiva, de qualquer Zé Pequeno, de todos os semelhantes, do mendigo que não noto na rua - ou até noto e escondo-me na cega visão da realidade-fome-antiética -, na minha total falta de humanismo ou no amor ao próximo que nunca demonstro, mas sinto... Talvez por não ter estudado tanto, não ter lido quase nada, por ter trepado sem camisinha de vez em quando ou por nunca ter aplaudido um cordelista, por tudo enfim, a política apolítica do ser exposta em carne, urubu e senso nosso.
Prazer, sou apenas um. Mais um, menos um, um zero a esquerda, um zero que aumenta os dados estatísticos populacionais... Tem horas que sou número em código, noutras sou o filho do meu pai, em alguns momentos sou gatinho, sou eclipse, uma metáfora, um poema pelo qual algum poeta vagabundo homenageou-me sem motivos aparentes. Contudo moro num lugar, numa cidade perdida no Google Earth e que algum menino espinhudo vigia da tela de seu computador, num ponto do mapa ou na placa de alguma estrada. Voto, exijo, jogo papel nas ruas e muitas vezes me dá uma puta vontade de xingar policial na cara. Pinto a cara e deponho presidente, escondo meu rosto quando senador é absolvido, choro quando a seleção perde na Copa, digo em claro e bom tom que não existe político decente... Gosto de Jorge Ben e uso All Star. Tô nem aí pra Amazônia, pra reuniões do G-8 ou pro fim do gerúndio na gramática oficial. Até me dá uma safada emoção nos primeiros acordes do hino nacional, mas e o índio ?! O sistema de cotas, a transposição do São Francisco, a violência das grandes metrópoles, crises do avião e tudo aquilo que o almofadinha do William Bonner diz na TV enquanto meu pai cochila e eu fico vendo orkut trancado no quarto ?! Que papel tenho eu, você, a menina que queixei e que nunca quis me dizer sim, o adolescente de hoje, os velhinhos de amanhã ?! Definitivamente não sou o cara pra escrever esta resenha com título chocante e, talvez, indecifrável para mim mesmo...
Encarem isto como um simples manifesto, um grito, um conclamar ou uma mera maneira de chamar atenção das garotas... Acima de tudo, aqui é um escrito de um cidadão que se indigna, de um homem que não presta atenção, que só lê a parte cultural das revistas semanais, destes que dão mais de uma dezena de real para entrar em festas que nada o preencham e nunca pisaram o pé numa obra assistencialista ou nestas ONGs que ainda ativam algo prático na solidariedade humana. Nunca li O Capital, nem qualquer outro autor que possa ser solucionática para um mundo melhor... Porem leio nas entrelinhas da convivência e, como todos, também desejo um lugar mais digno e cheio de alegrias, trabalho para todos, menos tráfico de qualquer coisa e CD’s mais baratos... Evidente que quero mais ética nos gabinetes de governar, menos merda de cachorro nas ruas, mais policiamento nas esquinas, carnaval todo mês e melhores escolas e faculdades públicas. Utopizo um Brasil mais rico e com menos desigualdades sociais, um salário condigno com suores e calos depositados, uma potência com cara de simplicidade, cheio de danças e culturas, orgulhos e talentos, de crianças sorridentes e cidadãos de cabeça erguida para frente e para um chegar...
Façam o que quiser com este artigo, esta intromissão, um ditame de blog, um emaranhado de palavras vãs, um amalgama de idéias desconexas... Deixo com vocês o destino disto que não ganhará menções em protestos universitários ou semiótica em camisas juvenis. Mas, lhe peço um favor, um favorzinho só: se forem jogar o trabalho deste precário escriba fora, joguem numa cesta de lixo reciclável. Salvem o mundo que é de vocês !!!
Ufa ! Desabafei...

(Texto que publiquei no blog "Rizoma Tapuia", em 2007)

sexta-feira, 14 de março de 2008

POEMA QUE ERA PRA SER UM SAMBA

Nêga
não me negues
o direito de ser seu
não faças olhar oblíquo
para todos os meus defeitos
e saiba o quanto e o tanto
que te quero tão bem...
Esse samba não tem nota nem compasso
na verdade falta-me o violão e a melodia.
Esta samba é uma moda ensaiada
para atingir teu coração no alvo mais incerto
Um sambinha que compûs, oh dádiva que não sei qualificar !
Nêga
deixa-me dormir nos teus íntimos travesseiros
e fazei travessuras
para comigo esbanjar
as ostentações de ter-te
tato, unção do que mais cobiço
teu olfato no meu paladar, velar pelo negrume do teu olhar !
Nêga, neguinha, minha vida...
Nem sei mais como chamar-te
talvez clamo teu sacro sinal num sonho muito antigo e profundo
fazendo rimas que para todo mundo
é um poema que deveria ser um símbolo,
uma cantiga, um conto, declarações numa nota de real
realidade qualquer...
Bendito este teu amor por mim
Magna a herança do teu amar
não o negues, oro do mais alto clamor !
Faz do teu nêgo aqui
mais uma vítima desta flecha chamada paixão
mais um humilhado que conclama do teu amor
mais um a vagar pela oportunidade de um dia
contemplar a idéia
de concretizar-se teu...
Ah nêga
vou dizer no verbo,
assim na lata, de sopetão pra soar mui sincero:
se tu me negares o teu amor inviolado
tomarei da mais letal água-sanitária
e cortarei meu pulso com o mais precioso punhal
estampando em minhas veias o nome teu, o imaculado !

(2006)

quinta-feira, 13 de março de 2008

ELE E ELA

"Me diz o que é o sufoco/que eu te mostro alguém a fim de te acompanhar..."
(Los Hermanos)


Chovia e ela imaginava que algo novo aconteceria. Acabara de sair de uma cartomante e esta garantira: de hoje não lhe escapava o amor ! Fazia tempos que acreditava nisto. Há pouco deixou de crê-lo... Contudo, levou fé no que dizia aquela cigana de sotaque romeno. Pensou no destino de Macabéa, personagem do último livro que lera. Temeu acreditar em tarô e acabar se estrepando. Preferiu, então, aumentar o som de seu diskman: Último Romance, música de um grupo pop que o sobrinho escutava no momento. Não sabia o porquê, mas simpatizara com a faixa. A cartomante também disse que o amor apareceria vestido de preto.

Ele trajava uma camisa amarela. Estava perto dos 40, via-se no grisalhar de suas sobrancelhas. Nenhuma mulher havia lhe despertado o senso de querer morrer acompanhado. Cultuava uma barba, igualmente grisalha, e raspava o cabelo com máquina um. Mascava chiclete enquanto esperava o próximo metrô. Tirou de sua mochila uma revista sobre discos voadores. Era um ótimo argumento para puxar conversa.

Um homem de paletó negro aproxima-se dela. Estão sentados num banco. Ela tira o fone dos ouvidos e pergunta:
“Por favor, quantas horas são ?!”
“Dez e meia...”, responde secamente o homem.
Ela não percebera a gafe que acabara de fazer: em seu pulso havia um relógio. Olhou para as mãos dele, nenhum sinal de aliança.
“Está quente, não ?!”, diz para iniciar assunto.
“Imagina para mim que tenho que trabalhar de paletó...”
“O senhor...”
“Você. Pode me chamar de você...”
“Ai, desculpe ! Mas eu ia perguntar onde...”
“Advogado. Trabalho num fórum aqui próximo...”
“Advogado e anda de metrô ?!”
“Que mal há ?! Acredita que tenho 36 e ainda não sei dirigir ?!”
Ela sorriu. Também tinha 36. A cartomante estava certa...

Ele folheou algumas páginas. Detestava discos voadores e alienígenas. Guardou a revista e pegou sua carteira de cigarros. Só haviam dois. Prometera parar de fumar, mas ainda restavam dois no maço. Botou um na boca.
“Aí, tem mais um cigarro ?!”, perguntou-lhe uma garota.
Ele deu o último.
“É o seu último ?! Desculpa, tá ?! Se o senhor quiser, eu...”
“Pode me chamar de você. Fica com o cigarro. Prometi parar de fumar...”
A garota sorriu. Ele percebeu um brilho entre seus dentes.
“Paloma...”, disse estendendo a mão.
“Pomba...”, ele aperta sua mão.
“Como ?!”
“Paloma. É pomba em espanhol...”
“Aaaaahhhhhh...”, bem prolongado mesmo.
Ele disse o nome dele. A garota bocejou.
“Estou sendo chato ?!”, perguntou.
Paloma baforou a cinza fumaça e respondeu que não.
“Tu me paga um café ?!”, disse audaciosa.
Ele só tinha uns trocados para pagar o metrô. Resolveu aceitar o “convite”, voltaria a pé.

“Você acredita em destino ?!”
Ela já conhecia aquela cantada. O homem de paletó batia os dedos numa pasta, também negra.
“De vez em quando...”
“Como de vez em quando ?!”
“Tem fases em que acredito menos, tem outras que acredito mais...”
“Mas você precisa ter uma decisão: ou crê ou não !”
“Ué, depende da época ! Você acha errado ter várias opiniões sobre a mesma coisa ?!”
O homem ficou calado.
“Mas por que você me perguntou isto ?!”, ela.
“Não... por nada... quer dizer...”
“Pode dizer !”
“Promete não rir ?!”
Fez que sim com a cabeça. O homem então disse:
“É que eu... ai, fico tão constrangido de dizer isto !”
“Diz logo !”
“Sabe, hoje o meu horóscopo dizia que eu ia encontrar o amor de minha vida...”
“Não brinca ?!”, num misto de desdém e ilusão.
“É sério ! Você deve estar achando que isto é uma arma de paquera, não é ?!”
Ela não respondeu. O homem continuou:
“Pois é verdade ! Eu acredito em destino, em horóscopo. Pode achar meio fresco...”
“Não, eu não acho !”
Pensou em contar a historia da cartomante. Mas censurou-se. Não era bom mencionar tais “teias do destino”...
“E o quê dizia o horóscopo ?!”
“Dizia que o dia estava favorável para se encontrar o real amor de sua vida e que era preciso notar as pessoas com bastante perspicácia...”
“Disse favorável ou que era certo este encontro ?!”
“Favorável, creio. Qual é a diferença ?!”
“Ora, favorável não é certeza exata. Você consulta ciganos ?!”
“Não. Por quê ?!”
“Por nada. Digo porque cigano diz termos na lata: “vai acontecer”, “é certo isto...” Compreendeu ?!”
O homem fez que sim com a cabeça.
“E você acha que sou eu o amor de sua vida ?!”, ela perguntou.
“Sei não... vai depender de você...”
Ela sorriu laconicamente.
“Aceita tomar um café comigo ?!”
Ela aceitou.

“No duro ?! Tu curte Los Hermanos também ?!”
Ele puxou este assunto porque notara seu vestido hippie. Paloma parece um pouco mais solta, cabelos loiros jogados aos céus. Passava os dedos na borda da xícara.
“Curto. Pra caramba...”
“E qual música você gosta mais ?!”
Então lembrou da única música do grupo que conhecia.
“Aquela que diz do sufoco e de mostrar alguém pra acompanhar...”
“Ah, Último Romance !”
Salvo pelo sobrinho, foi o que ele pensou.
“Esta é linda mesmo...”
“Esta o quê ?!”
“A música,Último Romance. Tá distraído, é ?!”
“É mesmo, desculpe !”
“Dá pra pagar um outro café ?!”
Teria que desistir do metrô.
“Dá. Tá tão frio, né ?!”

Já na cama, ela olha para o homem dormindo. Parecia arrependida. Levantou-se, ainda nua, e olhou sua carteira de identidade.
“Otacílio...”, leu.
Percebera que o homem mentiu na idade. Vestiu sua calcinha e foi ao banheiro. Olhou-se num espelho esfumaçado e indagou a veracidade da profecia da cigana.
“Não pode ser ele...”, disse mentalmente.
“Será ele ?!”, perguntou baixinho.
“Ele...”, comentou calada.

Na cama, ele velava pelo sono da garota. O cigarro acabara. Um pouco dos seios brotavam no surrado colchão. Paloma dormia de bruços. Mamilo rosa, a coisa mais linda... Levantou-se e a idade pesou. Não era a primeira ninfeta com que dormia. Seu apartamento ficava próximo do metrô e ele havia deixado compromissos profissionais só para ter tal deleite. Foi até a geladeira e partiu um pão ao meio. A garota ainda dormia.
“Cansei disto...”, pensou.
Passou mostarda e levou o pedaço à boca.
“Amor realmente existe ?!”, indagou em voz baixa.
A idade pesou:
“Já tenho 39. Morrerei sozinho ?! Mas eu nunca me preocupei com isto...”
Voltou para o quarto. Paloma aparentava felicidade em seu sono.
“Será ela ?!”
Sentou-se na beirada da cama e afagou-lhe os cabelos.
“Ela...”

Num radinho de pilhas no alto de sua casa tocava uma balada antiga: When A Man Loves A Woman, do Percy Sledge. Ele sentiu frio, ela também. Seus parceiros dormiam. Moravam no mesmo prédio, ele um andar a cima. A dona do rádio aumenta o volume e exclama algo como “Que música porreta !”. Ambos escutam e sorriem. Cada um olha para aqueles que dormem em suas intimas camas. A canção finda, logo aparece uma voz de narrador dedicando a canção de fulano para beltrano...

Ela escreve um recado para o homem do paletó. Pede para o mesmo trancar a porta e colocar a chave embaixo do carpete. Diz que o amou naquele momento, mas não pede retornos. E acrescenta em P.S que prometia nunca mais acreditar em oráculo algum...

Ele deixa um bilhete embaixo de um maço inteiro de cigarros. Pede para Paloma trancar a porta e deixar as chaves no vizinho do lado. Diz que há café de agora na garrafa térmica e que podia devorar o queijo minas a vontade. Acrescenta em P.S que não o procure mais. Havia cansado de ninfetas.

Ela põe os fones nos ouvidos. Vai escutando Último Romance. Caminha passos vagarosos, como se querendo nutrir-se de cada uma de suas pisadas. Volta para a estação de metrô. Senta e abre uma revista sobre discos voadores. É um ótimo argumento para iniciar conversas...

Ele sai assobiando uma canção que aprendera com os sobrinhos adolescentes. Não sabia seu nome, mas decorara que na letra dizia algo sobre mostrar sufoco para receber alguém em troca como companhia. Ou algo parecido, não lembrava ao certo... Trocou a camisa amarela por um moletom preto. Carregava a mochila e algumas moedas para a condução. Dirigiu-se para a estação de metrô. Sentou e notou a mulher que lia uma revista...

“Licença, o que lê ?!”
“Eu ?! Ah, é um artigo sobre OVNI’s...”
“Sou fascinado por discos voadores...”
“No duro ?!”
“Pode acreditar !”
“E em destino ?! Você acredita ?!”
“Sinceramente não...”
Ela sorriu. Ele também.
“Prazer, Paloma...”
Ele riu da ironia.
“Otacílio...”
Ela também achou engraçado.

(2006)