segunda-feira, 23 de junho de 2008

ASSASINATO EM CIDADE GRANDE

Uma família tradicional de uma grande cidade grande, contudo tradicional. O pai, apressado em seu café, ainda encontra tempo para ler uma manchete de um grande jornal em circulação:
“Amor, veja esta...”, ele diz, pondo na boca um pequeno pedaço de torrada, “Crime assusta favela da cidade: homem, enfurecido de ciúmes, mata e trucida namorada !”
A esposa, no preparar das panquecas, pareceu dar mais atenção ao filho que reclamava do seu atraso para ir à faculdade.
“O que você disse, Romualdo ?!”, pergunta.
“Ouve-me, Felícia ! Tá aqui no jornal: um homem matou a namorada e trucidou ela todinha...”
“Cristo-Deus ! Deixa eu ver...”
Agora é o filho que reclama do desleixo.
“Espera um pouco, Dadinho ! Deixa eu ler isto aqui do jornal... Meu Deus ! O mundo tá acabando mesmo...”, a mãe quer tomar o jornal do marido.
“Peraí, Felícia ! Deixa eu ler meu jornalzinho em paz ! Filho, me passe a manteiga !”
O rapaz passa o pote e exige da mãe uns ovos estrelados.
“Sabe que eu nem mais me espanto com estas notícias ?! Primeiro que na favela sempre acontece estas coisas e depois que no mundo inteiro se matam pessoas...”
A mãe, da frigideira, comenta:
“Pois é, Romualdo.Mas eu fico com medo, sabe ?! Eu só penso nas discussões que os nossos vizinhos têm...”
“Tu é besta mesmo, Felícia ! Aqui é área nobre, estas coisas não acontecem em bairros como o nosso ! Dadinho, hoje você pega ônibus. Tô atrasadíssimo...”
Assim o pai sai, deixando o jornal de lado. A esposa o apanha e ainda relê a notícia do assassinato. Suspira um cruz-credo, dobra o jornal e guarda-o como os mais velhos. O senhor da reciclagem passa as nove.

(2006)

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