segunda-feira, 23 de junho de 2008

ASSASSINATO EM CIDADE PEQUENA

Uma cidade pequena, minúscula e encravada num estado tão medíocre quanto à insignificância do país em que dele federava. Um local pacato, com a pracinha exalando a infâncias nascidas e velhinhos jogando dominó como passagem dos dias. Havia o coreto e a igreja tombada pelo patrimônio público. A dona de casa ainda varria suas calçadas no primeiro raiar e a fumacinha negra que surgia nos altos dos telhados era o indicio das despedidas. Tinha, talvez, umas poucas centenas de casa, com média de quatro ou cinco habitantes. Do pároco ao mendigo, todos eram cúmplices. Pois foi com espanto que a cidade acordou no dia do tal assassinato.
Fora o açougueiro que havia dado mais de cinqüenta facadas em sua esposa, jovem cabocla muito querida nas cercanias. Motivo aparente: ciúmes. Na casa do casal, poças de sangues e pedaços do corpo espalhado pelos cômodos. A cabeça da esquartejada estava em cima da penteadeira, bem a frente do assassino, que a observa num tom catatônico e plácido. Seu avental de ofício estava de um rubro brilhante. O delegado da cidade, que o muito que fazia diariamente era várias sestas na sua confortante cadeira giratória, antecipou-se muito rapidamente: decretou prisão no ato !
Dias e dias de comentários. Todos, das senhoras do crochê na porta até os alunos da escola estadual. Não tinham outro assunto, discutiam sempre as novidades do caso: um possível canibalismo do açougueiro ?! A traição havia sido com o Menelau da quitanda, sumido desde o dia do acontecido ?! E as sucessivas mortes desde então: o da centenária Tia Chica, o do já desenganado Seu Alcides, o coração da viúva Santinha que parara duma hora para outra ?! Pela primeira vez a pequena cidade teve medo. Queriam o linchamento do açougueiro. A mãe da cabocla era um chororó que só vendo... Todos os dias eram visitas e o exame médico do doutor Jacks. O irmão da falecida jurava vingança. E o crime chamara a atenção do jornal de uma cidade vizinha, bem maior que aquela sofrida pela barbaridade do acontecido.
Pois surpresa foi quando o açougueiro declarou-se inocente, apesar das evidências testemunharem o contrário. Dizia amar a jovem cabocla e aquilo jamais o faria. Então o alvo das suspeitas agora se destinou ao empregado da quitanda. Havia bolões, apostas para se descobrir o verdadeiro assassino. A maioria desconfiava do açougueiro. Menelau era cria da cidade, todos o conheciam desde moleque, tinha boa índole e era bem quisto pela cidade toda.
Então se chamou um detetive da capital. Investigou-se, apuraram-se os detalhes, omitiu opiniões e conclusões, tudo foi feito num clima nunca visto na localidade. O detetive acabou se tornando uma figura comum por lá, ao ponto de ganhar diários pães com ovo e um engraxate particular. Tudo gratuito, apenas com a simples obrigação de desvendar o mistério do crime. Demorou meses, pouco ainda se comentava sobre o crime. Até que o laudo do policial catedrático emancipou-se: o culpado era o açougueiro, o próprio declarara após uma sova daquelas.
O açougueiro foi preso, mas mediante um advogado acabou sendo solto com pouco tempo de xilindró. Mudou de cidade e soube-se que acabou por se matar anos depois. Motivo ?! Ciúmes por causa de uma outra cabocla.

(2006)

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