terça-feira, 17 de maio de 2011

HISTÓRIAS DE AMOR

“Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?...”
(Carlos Drummond de Andrade)


Nasceram no mesmo dia. Também nasceram na mesma cidade, exatamente no mesmo hospital. Um foi mais precoce que o outro, uns vinte minutos. As mães sentiram as mesmas dores de parto, os pais dividiam a mesma sala de espera. E ambos fumavam. O primeiro choro foi da menina. Chamou-se Flor Branca.
Choveu. Contudo a lua já brilhava quando o segundo deu a luz da graça: viril, bonito, cabeludinho, denominou-se Sísifo. Aquele que era chamado de pai na verdade era seu avô. O genitor era então desconhecido, a mãe enlouquecera desde a descoberta da gravidez. Coronel Androceu, o primogênito desta linhagem aqui descrita, foi o primeiro a vê-lo. Dizem que não declinou lágrimas.
A menina, loirinha como a mais alva estrela, era filha dos vendedores de frutas da cidade. A terceira de três irmãs, última do quarteto. Sua mãe sorria feliz, no pleonasmo devido desta afirmação. Sorrir feliz era o mínimo que Dona Esperança poderia fazer. Sentia-se dadívada com tudo aquilo, como se um anjo gabrielino a tivesse comunicado de tal benção. Rezava a lenda que, ao seu nascimento, da pesada chuva exalou-se um aroma de rosas e o ar encharcou-se dum púrpuro sem igualdade.
Curioso é lembrar que o mesmo fato viria a se repetir somente vinte minutos depois. E nunca mais então...
A criança sem pai e dono dos mais valiosos vinténs teve que se contentar com um parto feito por uma estagiária. Na época só havia um médico na maternidade e este estava dando preferência à aquela que chegara primeiro, ou seja, a esposa do fruteiro. Lógico que isto causou um imenso rebuliço por parte do militar de patente. Mas tudo foi esquecido quando as mãos trêmulas, inexperientes e sangrentas daquela moça traziam consigo o garboso menino... A própria não acreditava no que acontecia, atribuindo tudo aquilo ao misterioso cessar dos aromas e do ar pesado e tinto.

2.

Aqueles dois cresceram em ambientes opostos. Um não viria o outro até um determinado instante que aqui será realmente mencionado. Vale apenas salientar que o neto do Coronel Androceu chegou e rebentou-se naquela atmosfera cinza e sisuda, onde cada poro daquele casarão exala poeira e coisa por envelhecer, sem esperanças, sem a coloração da vida brotada... Era uma enorme sala. A mãe vivia taciturna, pusilânime de si mesma. Mal comia, usava o vestido surrado de sempre, fechava-se num luto de mudez e desatenção. Também havia uma biblioteca, cheia de clássicos. Uma poltrona de algum século qualquer, uma mesinha de mogno, polida pela beleza marmórea do helenismo, um cachimbo que fedia folhas colhidas das Cubas escravistas, a janela que abortava uma luz como se do inesperado... Lá o Coronel isolava-se dos seus problemas. Lá Sísifo deu seus primeiros passos. A cozinha não era diferente de suas negras que por ali trabalhavam desde de pequena, herdadas do traço e da força que urravam seus antepassados. Uma enorme mesa, colheres de pau, tigelas coloridas brilhavam ao titilar das pratas que adornariam a mesa do jantar. Via-se dali Dona Amorosa, a esposa do Coronel. Com a ausência da filha, coube a ela a educação do seu neto. A doidivana menina chamava-se Diotima, fruto etimológico da paixão do Coronel por filosofia grega. Ela vivia num quarto aos fundos da localidade, donde de uma porta era lhe servido a comida e os raios solares. Diziam os negrinhos que por lá trabalhavam que a moça costumava brincar com seus excrementos e comia baratas entre suas fomes. Vivia no seu próprio mundo, não dava as mínimas ao filho que acabara de dar os primeiros passos, ou de falar cacofonias iniciais, ou de fazer rabiscos nas paredes da casa colonial... Sísifo crescia jubilado do amor materno, contudo encontrava na Vovó Amorosa toda à vontade de ser cuidado enquanto criança. Nunca lhe faltou nada. Vivia dependurado nas longas tranças de sua cicerone, corria atrás das galinhas que iam ser servidas no jantar, encantava-se com as grossas enciclopédias derivadas da biblioteca do Coronel, foi um menino feliz e sempre que podia, distanciava-se do local onde estava a “louca”, como assim chamava a mãe.
Já Flor Branca teve um início de viver mais brando, pobre no sentido social de bem-dizer. Um casebre sem cuidados, porém bastante limpo e organizado. O patriarca, seu Golias, assim como o nome, era bastante forte para os padrões. Ou em comparação com sua cônjuge, Dona Esperança, bastante frágil e com a candura de uma andorinha em fim de inverno. A pequena fazenda era repleta de flores e pássaros. Havia um pomar donde tiravam seus sustentos, um poço de água quase cristalina, um imenso quintal com árvores e balanços artesanais. A menina foi a caçula de um grupo de quatro. O mais velho, Fortunato, já era da idade de ser pai. Do Céu, uma quase noiva. E Meíta, aquela que deixara a posição de última do bloco, já debutara. Todos os dias acordavam com o cantar do galo, fazia as assepsias matinais, tomavam café com broa, arrumavam as frutas na velha carroça e ia para a cidade vender o seu plantio. Neste caso iam apenas os homens da casa. As mais velhas cuidavam ora do pomar, ora de Flor. A mãe também tinha a mesma função, só que em dobro. Do Céu arranjara bom noivado, casaria no final do ano. Viviam felizes, ouviam grilos no fim de noite, cantavam suas lamúrias ao redor da fogueira de São Pedro, lavavam suas roupas no riachinho que cortava a propriedade... Um bucolismo de dar dó.
Na idade de quatro anos, apesar de engatinhar e fazer todas as funções de um bebê normal, Flor apresentava um distúrbio quase anormal. Muitas das vezes do dia, Dona Esperança flagrava a filha a olhar concentrada para colméias e enxames. Nada seria estranho se esta não fosse a única atividade que a garotinha fazia na vida. Deixava os brinquedos de lado, não conversava com ninguém, seu lazer era a tal observação botânica. Seu Golias em nada preocupara, achando que era fase. Mas aquilo era motivo de horrores para a mãe. E como forma de desabafo, nos cantares e ensaboar das pedras do riacho,durante as lavagens da roupa, confessava a dor para Negra Nhá.
“Já não sei o que fazer com a Florzinha...”, dizia.
“Bom, me disseram que na cidade tem uma professora muito boa. Quem sabe o mal de sua filha não seja falta de convívio com outras crianças ?”, aconselha Negra Nhá.
A idéia remoeu Dona Esperança por dentro. Nenhum dos filhos tivera estudos. Nem precisava. Qual matemática era necessária para colher pêssegos ?! Mas o caso de Flor Branca era de pensar nesta alternativa. Chegou em diálogo com o marido. Ele achou complicado, coçou a cabeça, tinha a mesma opinião quanto à escola... “Mas se é o melhor pra menina, pode botá-la na escolinha...”, concluiu então.
Assim Flor Branca teve a sua primeira chance.

3.

Não é preciso dizer que a possibilidade de Flor Branca estudar causou inveja por parte dos irmãos. Mas especificamente de Meíta. Sempre ambicionava aprender o bêabá, os números e as ciências. Chance nunca lhe dada, mas agora à disposição da criatura mais nova da família.
E lá se foi o primeiro dia de aula de Flor. Como foi difícil vestir-lhe o melhor vestido, fazê-la entrar na carroça, segurá-la para não cair do veículo... Ao chegar na escolinha da prefeitura, arredia que só, insistia em arranhar as pernas da mãe, forçando uma barreira para a sua não-entrada. A professora demonstrava toda a doçura que já fora mencionada por Negra Nhá, tentando pedagogicamente contornar o embaraço. Em vão lutava contra a ação interna da garotinha, que temia pelo o que havia dentro da sala. Mas daí veio a guinada para tudo: a visão de Flor Branca turvou-se diante uma figura gravada na parede. Era o mapa dos aparelhos duma abelha. Nunca vira algo tão belo, uma coisa que tanto a fascinaria... Andou então, pé a pé, como uma cândida fadinha ao encontro do encanto, em direção à aquela gravura. Todos a olhavam catatônicos. Inclusive um que construía um castelo com pecinhas de montar.
Sísifo sublimou-se naquela loirinha que entrava na sala como a doce visão dum anjo mensageiro. Sentiu-se num sonho. Sua boca refletia um ataque asmático, seu coração, uma cadência de estorvos e festas... Dedicou seu olhar para aquela cena. A professora tentava controlar o grupo, passando alguma atividade. Todos sentaram em roda. Todavia Flor Branca estava de pé, olhando em reza para aquele desenho. Sísifo não perdia a concentração em venerá-la por segundos. Então decidiu pegar um papel e começou a rabiscar algo...
Aquele dia correu manso. No final da aula, Dona Esperança enchia seu coração de graça ao ver a filhinha. E quando a pegou pela mão, que surpresa foi ver Negra Nhá.
“ O que fazes aqui, Negra Nhá ?!”, pergunta.
“Ué, não vê aquele menino ?! È o Sísi, o bacuri que alimento no peito desde recém-nascido...”
As duas crianças então se olham. Pareciam estarem juntas desde sempre. Os nervos de Sísifo tremiam, sua alma congelara, as mãos estenderam e entregaram o pedaço de papel. A menina aceita, olha e sorri. Fala um tímido oi. O desenho de abelha que Sísifo fizera saiu tão perfeito quanto o original da parede. Quase tão realista quanto uma de verdade. Descobrira seu talento. Descobrira Flor Branca. Seriam amigos desde aquele momento...

4.

Desde desta época, Neiva já sofria de solidão. Bem, não era uma solidão das bem ditas. Na verdade já entrara na idade em que qualquer mulher preocupava-se em morrer encruada. Nem muito feia, nem muito bonita, Neiva tinha os mesmos anos de Do Céu. Contudo a sua solteirice já era motivo gozador entre as meninas da cidade. Todas de dezoito tinham um namorado fixo, um noivo garantido, uma barriga para contar história (garantia de casamento, vide o desrespeito às embuchadas sem matrimônio)... Neiva sofria e catalisava suas lamúrias na arte do bem cozinhar e na decoração de bolo e doces para casamentos. Sabia como ninguém qual o ponto ideal para o glacê, como desenhar bordados para contornos dos mais belos bolos; fazia tudo num capricho inenarrável, quiçá na esperança do seu próprio casar...
E não era por falta de ação. Estava ela lá, presente em toda novena de Santo Antônio, dependurando o santo pelo avesso, fazendo simpatias e mandingas diversas. Nenhum resultado positivo. Já até tivera um compromisso, um quase noivado. Mas este morreu infartado antes das núpcias. Neiva tinha um singelo buço e uma curiosa sorte: em todos os casamentos em que ia, sempre pegava o buquê jogado. Era batata: convidar Neiva para a cerimônia era garantir a sua saída com as flores que antes adornavam a dama principal da festa. Não era entendível como tamanha sorte resultava em tão grande agouro. Por que Neiva não se casava, se tanto era colecionadora de buquês ?! O tempo passava e a madura perdia a esperanças dum bom partido para dividir trouxas...

Rebento não era diferente das outras cidades interioranas. Sua pequenez a fazia desaperceber de mapas e censos. Tinha igreja com coreto, uma praça principal defronte a prefeitura, um busto do fundador, a família que mantinha domínio... Também era comum os pombos, o jogo de dama entre os velhos, os fuxicos da janela, o apagar das luzes após a meia-noite. A cidade era mórbida, parada na sua doce liturgia de esquecer-se do mundo, assim como o matuto que dorme sob a relva do nascer do dia. Havia um padre, um delegado, a rua das putas, o cheiro dos tamarindeiros, dois ou três armazéns, a gazeta de notícias sensacionalistas, a morte que causa comoção geral... Rebento nascia onde o rio atravessava as pontes, a pedra-sabão que enfeitava anjos nus aos pés do padroeiro, a vassoura que limpa as calçadas riscadas a cacos de telhas e carvão, o beijo escondido, a rosa, a Rosa, o José...
E Rebento dormia no olhar vago de Neiva. A janela do seu quarto ainda se alumiava quando os lobisomens dormiam. O calor intenso, a falta de um par, a lua amarelada. Neiva dava suspiros de crença, seu homem ainda viria no cavalo alado de suas fantasias... Do outro lado da cidade, Sísifo não pregava o sono clássico das crianças temerosas de mitos que pegam os insones. Queria que o amanhã logo chegasse, desenhou outra abelha para presentear Flor Branca.

5.

Logo se tornaram melhores amigos. A única sociabilidade de Flor Branca era o desgrenhado garoto que lhe desenhava abelhas. E Dona Esperança atribuía aquilo ao fato de nascerem no mesmo dia, no mesmo e espantoso fato do fluído aromático que nunca mais atingiria Rebento.
Viviam juntos. E assim cresceram nos avanços escolares. Sísifo se aprimorava nos desenhos, queria fazer bonito para sua musa. Passou a desenhar paisagens, sofrimentos, o rosto de Flor Branca... E apresentava-lhe o mundo dos livros, enciclopédias, aritméticas e espaços. Através de Sísifo ela descobriu que havia um mundo além de Rebento. E isto a fascinara bastante. A menina retribuía mostrando o físico, o contato com a terra, a grama, o mato, os animais, o fiozinho de água... Aprendeu, então, a subir nas goiabeiras, a matar passarinho, a cuspir semente na direção mais distante. Ambos se completavam. E aquilo preocupava o Coronel Androceu.
Não que fosse contra o neto envolver-se com crianças de nível social mais baixo. Mas esperava de Sísifo amizades mais finas, distintas para o brasão da família. Como se comprometera a fazer do jovem apenas um qualquer que errou, fazia um “deixa pra lá” da situação e recostava a coluna na poltrona, sempre por detrás de um Dostoievski por terminar... Já Dona Amorosa era pura docilidade com a garotinha, sempre lhe servindo o delicioso bolo de laranja que, talentosa, conseguia fazer até com as mãos ateadas !!!
Numa conversa, enquanto Sísifo esboçava traços e Flor Branca não desgrudava de um Dickens...
“Ei, você já pensou no que vai ser quando crescer ?”, pergunta um deles.
“Crescer ? Sei ainda não...”
“Pois eu quero construir casa...”
“Casas ?!”
“É. Como se constrói casas ?”
Sísifo pôs a ponta do lápis no queixo. Queria a melhor resposta para a indagação da menina.
“Bem, creio que tudo começa com o arquiteto...”
“Arquiteto ?”, a palavra soava bonito nos ouvidos de Flor Branca.
“É, arquiteto. Aquele que projeta como será a casa, quantos cômodos ela terá, os tamanhos das paredes, as posições da janelas...”
E pensou em dizer mais. Queria explicar a importância de posicionar bem as janelas, de como era importante saber das incidências dos raios solares na casa projetada e outras coisas mil. Contudo a idéia foi interrompida pela voz de Flor Branca:
“Pois eu vou ser arquiteta quando crescer.”
“Tem certeza ?”
“Absoluta.”
Não discordou. Em troca desenhou-a. E ela sorriu. Sísifo pintou o mais belo sorriso naquele dia...

Eles cresceram. Flor Branca menstruou, Sísifo "roubava" constantemente o carro da casa. Nenhum dos dois estavam mais tão perto naquele momento. Pelo contrário: há muito tempo não se viam com a antiga e devota constância... A menina desabrochava seios e não queria mais o banho de rio. Ele deixava pelugem no rosto e o cabelo grande sob protesto. Ela herdou as revistas de fotonovela das irmãs. O menino já contraia suas primeiras doenças venéreas. Flor Branca sonhava com o príncipe escandinavo que a tirasse daquele mundo. Sísifo queria uma moto e com ela fugir do mundo. Esqueceram-se um do outro. O primeiro beijo dela foi num rapaz longe de sua querência. A primeira vez dele foi com Rita Matilda, melhor amiga de Flor Branca. Aos 14 ficaram pela única vez, no Carnaval local. Nem se perceberam. A inércia que se levava àquela amizade rimava com algo trágico e vil.
O tempo foi passando. E Flor Branca queria expandir suas vontades. Conseguiu bolsa da prefeitura, embarcou para a cidade grande, ia fazer vestibular para arquitetura. Sísifo não planejava carreiras, mas queria a liberdade. Também foi para a cidade grande. Tentou e conseguiu entrar em duas faculdades. Não terminou nenhuma. A garota procura por seu nome numa lista interminável de pessoas. Finalmente FLOR BRANCA DOS PASSOS, aprovada.
A cidade grande assustou Flor Branca a princípio; mal conhecera o mundo e a ele temia. Sem conhecer ninguém, procurou uma república que, num anúncio de jornal, pedia mulheres para pousada. Ao chegar no estranho lugar, logo se familiarizou com o grupo, em especial com Magali, sua colega de faculdade. Descobriu nela uma cumplicidade que parecia cósmica. Ou de afinidades, conforme a denominação de sua preferência. Mas o que vale realçar é que Magali mostrou o mundo à interiorana que nada sabia dele. Assim Flor Branca conheceu a cerveja, a vodka, a cachaça, o cigarro, o Prozac, a bagana, o sexo, o sexo a três, o mesmo sexo... Flor Branca sujou seu nome na justiça, pinchou muros, dançou nua em festas e bacanais, leu Maiakovski, Carpeaux, todos os Henry Miller, Sartre, John Fante, On the road... Conheceu bandas alternativas, mas não se encantara por nenhuma delas. Colocou um piercing, uma tatuagem ao qual se arrependeu no futuro, tomou LSD, cheirou um pouco de tudo. Só não se permitiu aos injetáveis ou aos roubos de carros. Viveu de tudo, tudo aquilo que Sísifo já conhecia. Não pensou mais nele, mas mantinha o sonho de casar com um príncipe escandinavo.
Sísifo tentou a carreira como cartunista. Tinha talento, desenhou para diversos jornais subversivos. Mas a imprensa marrom não dava dinheiro suficiente para seus sustentos. Como era bonito, chegou a prostituir-se para conseguir um prato de comida. Orgulhoso, não escrevia para a família reclamando de seus maltratos. Num dado momento virou barman duma birosca de um bairro marginalizado. Ganhava dinheiro de algumas prostitutas que namorava, e nestas conheceu Roxanne. Garota de 15, cabelo vermelho, recitava Álvares de Azevedo, aparelho dentário e a mesma e surrada camisa do Judas Priest. Começaram romance, tentou levá-la a sério. Foi fiel, moraram juntos no pequeno conjugado locado por ele. Roxanne deixou de prostituir e contou-lhe que era fugida de casa. Pareciam felizes.

6.

Neiva adotara a filha da empregada morta no trabalho de parto. Batizou-a Antônia, mas todos a chamavam de Morena. A idade passava, desgraçada idade que passava! Tinha anos para ser uma senhora, contudo ainda era senhorita. Várias vezes pensou em quebrar a imagem do santo de devoção, muitas quis se matar. Em todos os casamentos que ia, o buquê insistia em cair no seu colo. O falatório era maior, Neiva guardava todos os buquês numa enorme caixa acima de seu armário de quarto.

Como há tempos não chovia em Rebento, aquela estranha tempestade de primavera fez enormes poças em que as crianças pulavam na brincadeira feliz de serem crianças. Os cheiros se misturavam, ninhos molhados e o zoar de grilos e louva-deus. Um sinal de sorte.
Seu Zenóbio abre a farmácia. Carrancudo, sonhava com o mundo de sua época. Espera os funcionários chegarem, dá reclamação por seus atrasos. Sobe para seu escritório improvisado e põe um tenebrosos minueto de Bach. O disco parece ralado, saltita pela agulha do velho aparelho. Todos o temiam, nem parecia que um dia fora feliz...

No mesmo dia Neiva recebe mais uma encomenda. Festa grande, precisaria de ajudantes para dar conta do trabalho. Até Morena, no brotar de seus oitos anos, seria uma mão de serventia.
“Nossa, Alair já vai casar ?”, pergunta após engolir seco.
“Pois é. Deu sorte de achar um bom partido...”, a senhora era gorda.
Sentiu que foi uma indireta para ela. Porém pareceu educada:
“Quantos anos ela tem mesmo ?”
“18...”
“Ah...”
“É, porque é assim: nem sempre temos sorte na vida... Graças a Deus minha filha não vai morrer encruada e...”
Nem deu tempo para a madame terminar tal fala.
“Olha aqui, minha senhora... Ou você sai daqui rapidinho ou não terá mais nada pra sua filhinha contar história. Vou fazer tudo só porque tenho respeito pela pequena Alair, que nada tem a ver com a mãe que tem !!!”
E geralmente as brincadeirinhas era as mesmas. As respostas de Neiva também. Contudo ela nunca abandonava serviço: estava no mundo para isto e fazia disto sua missão maior. Já que não podia ter o casamento de seus sonhos, não iria estragar os dos outros... Lembrando que Neiva era a única da cidade e também a melhor doceira que existia em toda a região. Sua renegação podia indicar uma fadada cerimônia.

Zenóbio olha para o porta-retrato. Era a mesma foto, uma bela moça. A razão de sua amargura, Anja Maria. A mais bela das mulheres, várias vezes miss Rebento, cobiça de todos os homens... Apesar disto, fora logo escolher o mais vagabundo e boêmio daqueles tempos. Cinco meses de casados e ela morreu. Do nada, uma simples enxaqueca e a dona caiu de cama. Sem grandes choros, morreu feito santa. E desde então Zenóbio ficara na situação atual. Dizem que nunca mais dormiu. Vivia a zanzar pelas ruas da cidade, altas madrugadas adentro. Conta a história que ele fora um dos homens mais disputados daquelas bandas. Sedutor, tinha um grupo de choro, Os Serenos da Lua. Ele no cavaco, Casca de Ferida na viola, Miltinho na flauta e Jotapê no pandeiro. Saiam nas noites a tocar, encantando as moçoilas e desesperando os pais. Zenóbio era o grande destaque, com seu topete a gel, um bigodinho a la Clarck Gable, voz de Orlando Dias... Não havia garota que não se derretesse por tal rapaz, ao luar de um tempo onde nem havia postes. Como eram românticos àqueles anos, Os Serenos da Lua deixariam um vazio na vida dos mais velhos. Foi nesta época que Zenóbio conheceu sua musa mor. E por ela abandonou o cavaco, a noite, os amigos de branquinhas... Tornou-se homem de compromisso, agradou os pais da mocinha. Até a tragédia abater toda a felicidade. Neiva ainda era muito criança naquele fato, mas lembra de tudo como a clareza de um pirulito saudoso...

7.

A faculdade passou como um raio. Estudou, foi uma das melhores da turma, estagiou, formou-se. Numa maré de sorte, logo abriu um micro-negócio com Magali. Ainda tinha uma poupança do estágio, graninha que acabou por realizar o sonho delas: seu próprio escritório, uma empresa que aos poucos foi ganhando destaque no ramo da arquitetura. Não ficou muito rica, mas com certeza tinha mais dinheiro do que o seu pai já juntara na vida! Aos poucos esquecia da cidade, nem mais abria as cartas que de lá vinham...
Sísifo ainda tinha dificuldades para pagar o aluguel. Terminava, voltava para Roxanne. Começou a endivida-se, primeiro com o pôquer, depois com traficantes. Continuava no balcão de bar, inventava drinques intragáveis, mendigava por melhores gorjetas. Tentou voltar ao ramo dos desenhos. Fez uma "boneca" de revista, criou uns personagens... A grana estava escassa. Roxanne pensou estar grávida. Fez testes, uns deu negativo, outros o contrário. Consultou um médico e o veredíto foi afirmativo. Neste dia tomou o maior porre de sua vida, quase engasgou com o próprio vômito. Não sabia se queria esquecer o hoje ou se pensava no filho por nascer. Queria ser um pai presente. Indagou-se pela displicência da mãe louca e pelo pai que nunca conhecera. Ao chegar na casa, encontrou Roxanne absorvendo carreiras de cocaína. Deu bronca nela, jogou-a contra a quina dum criado-mudo. Um hematoma, Roxanne sentiu medo. Fugiu do lugar, passou um tempo na casa duma amiga. Logo voltou. Continuou cheirando. Sofreu um aborto espontâneo ao terceiro mês de gestação. Sísifo comprou uma arma. E conseguiu vender um de seus desenhos para uma importante gazeta.
Flor Branca prosperava. Abriu filial em outras cidades e estados. Já aparecia em reportagens sobre empreendedoras de sucesso. Seus projetos eram ousados, nunca antes vistos ou imaginados. Alcunharam-na de “Dalí das casa”, “a grande mestra dos desenhos arquitetônicos”, “uma máquina de fazer dinheiro”... Seus esboços eram disputados por governos e grandes milionários. Mas sentia-se infeliz. Magali julgava ser stress...
“Por que você não faz uma enorme viagem ? Vá conhecer novos países, novos povos, novos amores !”, propôs a amiga.
“Será ?!”
“Não era você que sempre quisera conhecer o mundo ?! Como chegar até as nuvens com os pés no chão ?!”
Aquela filosofia de Legião Urbana encheu Flor Branca de coragem.
“Qual lugar você adoraria conhecer ?”, perguntou Magali.
“Lugar ?! Sei não...”
Magali pega o globo:
“Veja: aqui é o mundo. Feche os olhos e indique qual país você vai conhecer...”
Achou esquisito, mas entrou na brincadeira. De olhos fechados, fez um sinal de indicação e dirigiu o seu dedo para o mapa.
“Escandinávia. Suécia, para ser exato. Frio, mas lindo. Conheço Estocolmo...”
E Flor Branca relembrou páginas amareladas de revistas de fotonovelas.

O avião, as nuvens batendo contra a janelinha onde sua vista apenas via formiguinhas e pequeninas casas. Chegou na capital sueca e lá fazia frio. Logo pegou um táxi e locou um quarto. Sabia se virar no inglês, imaginou a vida que poderia levar numa Rebento que já esquecera... Andou por praças, conheceu museus, jogou moedas em fontes. Brincou com a neve, o branco dela até cegara seus olhos tão acostumados com os trópicos! Parou em sebos e comprou livros e discos. Então descansou num café da cidade. Pediu um chocolate quente e começou a folhear uma de suas compras. Não percebeu que alguém a olhava noutra mesa.

Sísifo ganhou um bom dinheiro. Comprou um carro, torrou uma parte com futilidades. Roxanne queria casamento, não precisava ser de igreja. O rapaz sempre dizia não. Então a moça ficava quieta. O jornal cansou das tirinhas, não tinha um público tão fiel. A crise voltou, Sísifo participou de pequenos furtos. Nunca foi detido, mas levou dois tiros. Perdeu uma parte do intestino, uma das balas alojou-se no seu braço. Estava barbudo e os dentes estragara. Bebia diariamente, maconha algumas vezes por semana. Traiu Roxanne pela primeira vez. Várias vezes, muitas mulheres diferentes. E Roxanne completou vinte anos aos seus braços. Engravidara umas duas vezes. Numa abortou por consciência e segredo. O rapaz foi demitido do bar, brigou então com o dono e levou uma facada no rosto. Quatro pontos, uma pequena cicatriz no rosto.

O homem abordou Flor Branca. Perguntou pelo livro que lia.
O Processo, Kafka...”, respondeu a moça.
Ele perguntou se podia sentar ao seu lado. Era loiro e forte, o príncipe escandinavo de seus sonhos de adolescente.
“Claro que sim...”, o díalogo seguiu-se num inglês macarrônico.
“Dá pra se ver que você não é daqui...”
Não sabia se dissera aquilo pelo fato da língua ou se pela cor meio amorenada. Devera Flor Branca sorria.
“É, não sou. Sou do Brasil...”, respondeu.
“Hum, Brasil...”
Ele pediu um uísque. O chocolate quente chegara em seguida.
“Prazer, Denny.”
“Flor Branca...”, e apertaram as mãos.
Conversaram sobre acaso, artes, Brasil... Ele era um poeta fracassado e trabalhava num jornal como crítico de cinema. Trocaram telefones e marcaram encontro. Há tempos o coração de Flor Branca não acelerara tanto. Pela noite caiu uma pequena nevasca. Flor Branca ouviu Aretha Franklin - conselho de Denny. E pensava nele quando o telefone tocou.
“Alô ?! É Denny. Lembra ?!”
Ficaram em voz por algumas horas. Ele propôs antecipar o encontro. Marcou de passar no hotel depois da meia-noite...

Dois amigos de Sísifo morreram de overdose. Uns quatro foram para a penitenciária. O cabelo de Roxanne ficava mais escuro. Seu rosto ganhava olheiras e estranhas manchas, algumas rugas também. Já não era bela como antes, abandonara de vez a camisa do Judas Priest. Ora andava nua pela casa, ora usava uma Pólo azul de Sísifo. Mesmo quando os amigos do homem estavam em casa, o traje era o mesmo. Sentava-se sempre de pernas abertas, o que era garantia de espancamentos depois das visitas. Em suas laricas comia repolho com mel. Até lascas de lápis apontado ela já pusera na boca. Sísifo andava reclamando do estômago. Achava que beber uma garrafa de Domus era a solução. Pensou em suicídio umas duas vezes. Chegou a ligar o gás e fechar janelas. Roxanne propusera uma morte mista. Ele não achava digno morrer por tal proposta... Leu Bukowski por pedido de uma das amantes. Roxanne gostou de lê-lo também. Desenhou-se, biografou-se numa tira caseira. Gostou, batizou-o de “Pequeno Cagado”. Por trocados publicou-o num informativo sindical do bairro. Os seios de Roxanne estavam enorme, ela engordara como uma leitoa. Sísifo broxou pela primeira vez. Riu disto e escreveu no desenho “Meu pinto ficou menor que uma casca de amendoim...”. Foi Dom Quixote numa sessão de maconha. Uma das garotas que transou morreu aidética. Fez o teste e, pra seu alívio, deu negativo. Sentia-se vazio na vida. Constatou que amava Roxanne.
“Ei...”, chamou o homem.
“Hã ?!”, Roxanne despertava dum sono.
“Tu quer casar comigo ?”
Ela o abraçou e beijou-lhe os lábios.

Flor volta noiva da viagem. Um belo anel de 28 quilates. Conversavam por e-mail, ele prometia morar no Brasil em dezembro. Marcaram cerimônia para março do próximo ano. Neste tempo enjoou, mas era alarme falso. Tentava esboçar sorrisos, mas havia um negro vazio por dentro de si.

8.

Morena se tornara uma bela de dezoito anos. Cabelos cheios, cacheados e muito negros, corpinho de pilão, seios na redondez perfeita. Uma deusa na brasilidade certa. Muitos a cortejavam, Neiva estava ciente disto. Mas havia uma condição:
“Morena, tu pode estar certa: antes de mim tu não casa não ! Portanto não quero ver você de rabicho com ninguém, estamos dito ?!”
E a menina atendia, apesar do seu coração bater mais forte por um caboclo atendido por Jurubeba. Tinha uns 26, nenhum tostão no bolso, chapéu-panamá e um cabelo engomado com pasta de cheiro ruim. Feições bonitas, um nariz bem arendondado, sem pelugens nas bochechas, pupilas clarinhas... Sempre abordava Morena com um caramelo e um elogio.
“Por tu, minha Morena, daria o céu em toda sua santidade e o mar em toda sua profundidade... Pra tu o meu mais amistoso amor e meus mais sinceros votos de felicidade comunhada comigo...”, dizia malandrosamente poético.
Na fala, via-se um dente de ouro na gengiva que mascava um velho chiclete. Seu verdadeiro nome era Cleonílson, odiava-o.
“Nem um namorinho assim posso ter, madrinha ?!”, indagava a mocinha para Neiva.
A chamava de madrinha, nunca de mãe. Sabia da história toda desde muito pequena.
“Em vez de pensar nestas coisa, tu devia é me ajudar. Bate esta massa pra mim, fazendo favor...”, sempre disfarçando conversas.
Morena nunca dissera nada sobre Jurubeba. Nem que lhe prometera beijo na boca na quermesse de São João. Foi ali que o namoro secreto começou. Ela temia tanto pela madrinha que tinha diárias crises de diarréia.
“Nunca de vi gente que caga tanto, meu Cristo!”, brincava aos prantos Neiva.

9.

Flor Branca sentiu uma agonia qualquer, algo que a consumia no dia inteiro de trabalho. Saiu do escritório, caminhou pela rua, comprou tangerinas. Resolveu pensar no que viria a acontecer. Tinha horário para a prova do vestido de noiva, ia conhecer os pais de Denny, faltavam muitos detalhes do casamento para serem acertados. Andou pela praça municipal, viu garotinhos brincando nas gangorras e balanços, respirou fundo... Sentou-se num banco e leu um folheto que recebeu dum anônimo.

Sísifo não sentiu-se bem ao receber tal telegrama. No envelope havia o nome de Rebento. Há quanto tempo não recitava este palavra. Rebento em nada lhe representava. Não naquele momento. Fazia quantos anos que não pensava na cidade natal ?! Não quis abri-lo na frente de Roxanne, nunca se sabe o que esperar dum telegrama. Foi para o lugar mais distante de seu bairro. Era a praça municipal. Caminhou pelos paralelepípedos que enfeitavam a rua, cada um de uma certa cor que faziam um estranho mosaico. Olhou para um casal de joão-de-barro, a estranha que caminha doutro lado da praça pareceu-lhe conhecida. Não ligou para suas impressões.

A mulher percebe o azul do céu, há tempos não fazia um parecido. Quis saber qual desenho as nuvens queriam fazer para ela. Havia perdido o onirismo de desenhar em nuvens. A infância falhou-lhe lembranças, parecia ter deletado qualquer imagem do passado. O saco cai e deixa rolar algumas tangerinas. Uma lágrima brotou-lhe quando a estranha velha senta ao seu lado.
“O que há, linda moça?”, diz. A voz lembrou-lhe a mãe.
“Ah, sei lá... Sabe quando você parece ter tudo e não ter nada?”
“Sei não.O que tenho?! Apenas este agasalho e um gato no meu barraco. O nome dele é Melquiades. Era o nome de meu falecido...”
“E como é este gato?”, o papo parecia realmente interessante.
“Ele é assim preto, com manchinhas brancas... Ou seria branco com manchinhas pretas ?! Ah, ele é muito lindo, sabia ?!”
“Deve realmente ser...”
“E você, tem o quê ?!”
“Um carro último tipo, uma boa casa, propriedades, um noivo escandinavo...”
“E tu é feliz ?!”
“Feliz ?!”
“É. Eu com tudo isto seria a mulher mais feliz do mundo...”
“Entretanto você só tem o agasalho e o gato....”
“É, o Melquiades !!!”
“E você é feliz ?!”
“Sabe o que eu faço quando estou infeliz ?!”
Flor Branca negou com a cabeça.
“Observo aquela colméia ali. Como pode as abelhas serem felizes nos fazendo feliz ?!”
E Flor olhou a colméia. A lembrança veio-lhe parcialmente. Enxergou a decisão. Ia buscar a felicidade, qual custo lhe fosse...

Do outro lado da praça, Sísifo criava força para abrir o telegrama. Tinha medo do que aquilo poderia resultar. Estava amando Roxanne a cada dia mais. Suas mãos pesavam, ocupavam algo maior que a alma. Resolveu encarar. Jogou o envelope no lixo e concentrou-se naquelas palavras. Diziam lá que seu avô não estava nada bem e que esperava apenas a presença dele para ter "o conforto da paz eterna", nos dizeres do escrito. Não era justo deixar o Coronel na agonia de morrer desta forma. Suas profecias estavam certas. Tomou a decisão que mudaria tudo a partir dali...

Flor Branca abandonou o noivo, vendeu sua parte na empresa, o carro, as propriedades. Tinha em mente o que fazer: voltar para Rebento e lá abrir uma pequena apicultura.

Sísifo chegou em casa mudo. Pegou a mala e começou a pôr peça por peça. Roxanne chega e logo indaga:
“Vai pra onde ?!”
Ele nada responde.
“Tu vai viajar ?!”, insistiu.
O homem olha para ela. Um sereno olhar, queria dizer tudo sem precisar esmiuçar palavras...
“Fala comigo, Sísifo !!!”, dizia Roxanne, já alterando voz.
“Vou ali...”
“Ali onde ?! Tu tá doido ?! Fumou algum estragado ?!”
“Ah, Roxanne... Não mereço uma mulher como você....”, tenta abraçá-la.
Ela foge dos braços.
“Tu tá me deixando é ?!”
“Sei não...”
“Peraí, tu tá ou não tá ?!”
“Tô !”, diz isto sem olhar para ela.
“E posso saber por quê ?!”
“Vou viajar. Não sei se volto...”
“E eu não posso ir contigo ?!”
“Não.”
“E por quê ?! Vai se encontrar com outra ?!”, acende um cigarro e senta numa cadeira.
Resolve encará-la.
“Não há ninguém...”, e aproxima de Roxanne. Acocora-se à frente dela.
“Então o quê é ?!”, já chorosa.
“Aconteceu umas coisas aí...”
“Me diz o que é, caralho !”
“Com o coroa...”
“Tu vai voltar pra tua cidade ?!”
“Talvez.”
“Tu volta ?!”
“Não sei...”, levanta-se e acende um cigarro.
“Tu não me ama mais ?!”
“Amo.”
“Então ?!”
“Então o quê ?!”
“Deixa eu ir contigo...”
“Melhor não...”
“Deixa eu ir contigo !!!”, também levanta-se. Chega bem perto dele.
“Não, tu não pode ir...”, olha para a janela.
“Mas eu quero ir com tu...”, beija-lhe as costas.
“Por favor, não insista !!!”, virando-se para ela e recomeçando a pôr as roupas na mala.
“Eu te amo...”
“Também te amo.”
“Vai não...”
“Desculpa. Mas é o velho que precisa...”
“Depois tu podia voltar...”
“Acho que eu não volto mais não...”
“E nós ?!”, grita.
“Não grita !”
“E eu ?!”
“Arranja outro...”
“Eu não quero outro.”
“Tu arranja fácil. Ainda tá bonitinha, tem uns peitão...”
“Eu só quero tu...”
“Pois vai ter que arranjar outro !”
Os dois se olham. Ela desaba na cama, copiosamente suas lágrimas encharcam a coberta. Sísifo afaga-lhe os cabelos.
“Ô, minha gatinha...”, beija a cabeça da moça, “...vai viver tua vida. Eu gosto de tu de verdade. Amo mesmo. Mas o meu amor por você é tão grande que, não vendo outra situação, só me resta te deixar...”
E começa a sair. Roxanne levanta o rosto e diz:
“Ó, eu vou me matar! Cortar meus punhos...”
“Faça o que tu quiser. Te amo, viu ?!”
Sai, fecha a porta forte. Caminha como se deixando tudo num ralo. Não vira o rosto para ver Roxanne vendo-o partir...

10.

Estavam na mesma rodoviária da cidade grande, mas ainda sim não se viram. Ela embarcou primeiro, Sísifo teve que pedir uma grana emprestada para pagar a passagem.

“Mas as minhas intenções são as mais sinceras...”, diz Jurubeba em mesa de bar.
“Sei, crêdito...”, responde Mané das Marvadas, seu grande amigo.
“É verdade, Mané !”
“Tu fala disto pra todas as suas namoradinhas....”
“Mas com Morena é diferente...”
“Tu também fala disto pra todas as outras...”
“Minha Moreninha é a única que me faz ficar assim...”
“Assim como ?!”
“Com este olhar de,de...”
“Peixe morto. Olhar de peixe morto...”
“É. Desta maneira. Eu num passo um instantinho assim sem pensar na minha morena...”
Mané das Marvadas vira-se para o balcão do bar Legume´s e grita:
“Amarelo, mais uma Pitú !!!”
“Eu num entendo como você pode beber tanto...”
“Nasci pra isto. Você sabe como identificar a melhor branquinha ?!”
“Não.”
“Pede uma Havana pra mim ?!”
Jurubeba faz sinal afirmativo com a cabeça. Havana era a mais cara das cachaças. Mané grita mais uma vez:
“Amarelo, suspende a Pitú !!! Traz uma Havana no capricho, tá ?!”, logo conversa com Jurubeba:
“Tu tá com bufunfa pra pagar uma Havana ?!”
Ele fez sinal negativo com a cabeça.
“Então como é que...”, gaguejou Mané.
“Só pra tu ver. Tava tão aqui, nos pensamentos em Morena, que nem percebi o preço do pedido...”
“Se tu quiser a gente suspende o pedido e...”
“É tarde demais...”, a voz de Amarelo saiu tipo trovão. Ele bate o copo com força na mesa de ferro.
“Não, Mané. Bebe !”, responde Jurubeba.
“Tem certeza, Jurubeba ?!”
“Absoluta...”
“Tá vendo o colarzinho ?! Esta linha curva ?! É só dar uma deitadinha no copo, sem derramar, e voltar a posição original. Taí a curva !”
“Como é que vou fazer pra dobrar aquela velha encruada ?!”
“Quem ?! A Dona Neiva ?!”
“É.”
“Vixe, aquela tá duro de casar...”, e toma de seu trago.
“ A velha só deixa Morena namorar se ela arranjar um homem...”
Mané solta uma risada sarcástica. E diz:
“A encruada ?! Casar ?! Jurubeba, deixa esta menina, desista dela logo... A solteirona num vai casar é mais nunca !”
E grita novamente para a direção oposta:
“Amarelo, agora sim ! Traga aquela Pituzinha que suspendemos !”, voltando a rir.

O casarão já desbotado, uma multidão acompanhava os últimos suspiros do Coronel. Flor Branca estranhou, contudo lembrou-se de Rebento como um vídeo repetitivo. Tudo estava exatamente como antes, a tirar as ferrugens nos coretos e poucas pinturas nos bancos e em algumas casas... Pegou o envelope da última carta mandada pela irmã mais velha. Sua casa de mulher casada era logo ali. Continuou a olhar o movimento daquela estranha casa que as lembranças nublavam. Sabia que sua infância era marcada daquele local, mas não lembrava mais de quê.
Aproximou-se da porta que o endereço lhe indicava. Tocou a campainha. Um rapazinho a atende:
“Sim ?!”
“Aqui é a casa da Do Céu ?!”
“É sim senhora...”
“E ela está ?!”
“Tá sim...”
“Eu poderia falar com ela ?!”
“Entra...”
Flor Branca entra naquela casa. O rapazinho grita por sua mãe. Engolindo seco, Flor passava as mãos nervosamente uma noutra. A imagem de Do Céu a emociona. Fazia anos que não se lembrava da família. Não foi preciso palavras ou explicações. As duas se abraçaram. Lágrimas, inevitáveis.
“Florzinha, a caçula ?! Meu Deus, meu Deus...”, exclamava Do Céu.
Emudeceram, se olhavam, não acreditavam em tal reencontro. Do Céu passa um café e a vida toda pareceu passar por ali. Flor contou tudo sobre si, a irmã só escuta. Com que alegria revia a sua mais nova dos filhos de sua mãe.
“Pai e mãe morreram chamando por você...”, comenta Do Céu.
Flor lacrimeja pouco, diz:
“Papai... Mãe... Meu Deus ! Como pude ter os abandonado...”
“Ora, aconteceu ! Não adianta lamentar. Olha, saiba que, de onde eles estiverem, estarão abençoando este momento... Ai, Flor Branca ! Como eu sonhei em te ver novamente...”
De repente a porta bate. Mas uma vez o rapazinho abre. Do Céu grita:
“Januário, quem é ?!”
Uma outra voz responde:
“Sou eu, Do Céu. Soube que a sumida resolveu regredir. Resolvi conferir...”
Flor Branca se levanta. Está cara a cara com Meíta, sua irmã do meio.

Com que assombro foi recebido Sísifo naquela mansão tão movimentada.
“Mas é o meu menino ?!”
“Negra Nhá ?!”
Os dois driblam os curiosos e se abraçam.
“Pequeno Síssi ! Mas como você ta magrinho ! E, olha só: de barba mal feita... Cristo, meu menino ta um homenzarrão ! Mas venha aqui, dá outro abraço nesta véia preta !”
Realmente Sísifo achou-a bastante velha. Logo perguntou:
“E vovó ?!”
“Ai, menino ! É tanto tempo longe... Tua vó é morta há alguns anos. Agora vai ser o tempo do seu avô Coronel...”
Não disse nada. Deixou-se conduzido pelos braços de Negra Nhá. Subia aquelas escadas de seus passados, os mesmos quadros, fotografias, o cheiro de mofo. Os móveis impecavelmente no mesmíssimo lugar, raros as mudanças. O abajur quebrado, um desenho seu na parede da época de criança... Tudo era particularmente conhecido. Sentiu-se como se absorvendo novidades para sua mente tão vaga pelo esquecimento. Entrou no quarto, lá estava seu avô. Havia uma luz rubra. Uma estante de livros, um criado mudo com uma bacia em cima, um penico embaixo da cama, nela o já moribundo. Do seu lado, sentada com um pano umedecido sob o vestido, uma figura:
“Conhece ainda ?!”, Negra Nhá não sabia para quem dizer aquilo.
A mulher levanta. Gagueja ao dizer:
“Dizem seres meu filho...”
Sísifo achou-a estranha. Contudo havia um distanciado lembrar.
“Não abraças tua mãe ?!”
Manteve-se na mesma posição. Não agiu de forma alguma. Negra Nhá pensou em ajudar:
“Síssi, esta é Diotima. Tua mãe. Ela está curada...”
Nem aquilo fê-lo mexer.
“Não estou bem. Preciso sair. Por favor, não deixem papai sozinho...”, diz a antiga louca.
“Eu te acompanho, Diotima. Agora é o pequeno e o Coronel. Eles precisam tirar os anos de conversas atrasadas. Qualquer coisa é só chamar, viu filho Síssi ?!”
Sísifo abraça Negra Nhá. Continua seu estranho olhar para aquela mulher. Ambas saem.
Então escuta um brando a sussurra-lhe. Aproxima-se do avô e senta-se na cadeira perto da cama.
“Vovô, sou eu...”
“Sísifo ?!”
“Sim, meu avô...”, pega-lhe na mão.
“Ah, meu pequeno Sísifo ! Parece mais homem agora...”
Ele ri. Logo diz:
“Todos nós envelhecemos...”
“Continua muito bonito...”
“Agradecido fico, meu avô...”
“Como me é agradável te olhar...”
Sísifo engole um seco. Observa mais uma vez o quarto. Da janela aberta, uma borboleta noturna parecia procurar um alimento. Suas asas são negras, um negro sem igual visão. Ela sobrevoa o local, pousa em cima duma Bíblia aberta. Perto há um vaso com flores e um pequeno baú. A borboleta anda por aqueles versículos, deixa alastrar uma poeirinha de cor amarelada. O avô olha-o como um apaixonado, um enfeitiçado na expectativa de dizer uma prece...
“Sabes que vou morrer...”, diz.
Sísifo nada fala. Não queria causar engano para tal moribundo.
“Ah... Está me faltando os últimos ares. Nada vejo. Cristo, compadeça-me desta hora...”
O neto prefere o silêncio. Queria mais ouvir que falar. Aquilo parecia agradâ-lo mais. Sentia que o Coronel precisava desabafar.
“Sísifo, carregaste a pedra da vida por toda a sua eternidade. Ela parece de um peso constante, nunca tem fim o martírio. Viver é carregar a eterna pedra de Sísifo. Foi o que eu entendi de Camus na minha vida toda. A Filosofia é também uma pedra. Platão, Descartes, Spinoza, Nietzsche... Todos este são pedras que devem ser levadas e novamente trazidas. Mas eu não sei o que isto tem a ver com isto...”, esmiúça um riso, “...Perdão a esclerose insana. Deve ser o mal de quem está por morrer. Sísifo, querido meu... Não sabes o quanto me orgulho de tê-lo. Queria estar moribundo para somente te dizer isto... Tua mãe, ah tua mãe... Foste o mais belo favo do algodão já existente. Como odiar um fruto dela ?! E tu parecia prodigiar um futuro tão maravilhoso, sempre dedicado a ler... Qual foi o primeiro livro que abordeio-o lendo ?!”
Parecia forçar ar para dizer tão epílogo.
As Aventuras de Tom Sawyer...”, respondeu Sísifo.
“Claro. Twain aos... Seis anos, certo ?! Ai, ai... Vivias cercado de Horácio, Sófocles, La Fontaine, Monteiro Lobato... Prodígio aos extremos...”
“Não force muito, vovô...”
“Chama-me de novo disto...”
“Vovô...”
“Nunca me chamavas de avô. Era somente Coronel...”
“É verdade...”
“Já disse que me orgulho de você ?!”
“Agora a pouco...”
“Sinto um descompasso no coração. Como se ele estivesse fadando... Não pareço ter mais tempo. Tenho algo a te revelar...”
“Sim...”, diz isto aproximando o rosto da boca do avô. Quase não o ouvia direito.
“Tenho algo para te passar. Um anel que atravessa gerações. Meu avô comprou-o numa viagem para as Índias. Há uma lenda nele. Diz que somente deve ser dado à amada de seu dono. Parece que nenhum de nós tivemos este privilégio por enquanto. Nem meu avô amava tanto minha avó, nem eu amei como se devia amar a Amorosa... Minha missão é passá-lo. Prometa-me manter esta história. Ou você entrega-o para seu grande amor ou então o guarda para entregar para o seu neto, a sexta geração desta desgraçada sina...”
Sísifo afasta o rosto dele. Pareceu refletir por instante.
“Promete ?!”, o Coronel já faz um cego esforço.
“Onde está o anel ?!”
“Promete ?!”
“Prometo. Cadê o anel ?!”
“Ai, não posso... não posso falhar... O anel, o anel está no...”, tenta apontar. Os olhos não brilham mais, não há mais suspiro ou sopro na sua boca, o Coronel nada mais sente. A morte lhe repousa os braços.
Sísifo, sem mais nada a fazer, fecha as pupilas do avô morto. Então levanta, põe as mãos do Coronel em posição de morte, olha-o pela última vez e desce para dar notícias...

“Meíta... Você não mudou nada...”, exclama Flor Branca antes de se levantar.
“Que milagre faz aqui ?!”
“Resolvi dar uma nova chance a minha vida...”
“E por quê ?! Não deu certo a sua outra vida ?!”
Flor Branca respirou mais fundo ainda. Respondeu :
“Certo, não sei... Consegui quase tudo aquilo que muitas pessoas desejam. Vim aqui preencher meus vazios...”
“Vazios ?!”
“Sim, Meíta. Vazios. Por mais tolos que sejam...”, olha para a janela.
“Como quais ?!”
“Que movimento é aquele ?!”
“Ah, é o Coronel Androceu que falece. Se é que já não é morto...”
“Coronel Androceu ?!”
Do Céu aproxima-se da porta. Diz:
“É, o Coronel. Ele andava bastante adoentado fazia tempos. Você costumava brincar com o neto dele, não lembra ?! Só não me recordo o nome do menino...”
Antes que Flor Branca pudesse puxar pela memória, Meíta interfere :
“Sim, menina, não disse por quê resolveu aparecer assim, feito alma penada ?! Sabe por quanto tempo nossos pais aguardaram notícias suas ?! Não tem um tanto de compaixão ?!”
“Meíta, vamos parar...”, Do Céu tenta apartar, “...Flor deve de ter tido os seus motivos. E isto não nos diz respeito. O que é mais importante é que ela retornou...”
“Bem, bem... Eu realmente tenho um motivo que me fez voltar aqui para Rebento...”, diz Flor. Meíta logo indaga :
“E qual foi ?!”
“Como já lhe disse, precisava preencher vazios. Abandonei um trabalho de sucesso, um noivo de futuro, uma vida na cidade grande... Abandonei tudo por algo que realmente acredito e quero pregar aqui.”
“E qual é o desatino ?!”
“Desatino ?! Talvez até seja...”
As duas irmãs mais velhas aguardam com emoção aquela previsão de Flor Branca. Sentiam o coração bater trincado, queria o segredo como dálias num jardim seco de mimos...
“Resolvi que vou criar abelhas.”, diz Flor.
“Como ?!”, pergunta Meíta. Do Céu apenas ouve.
“Vou investir na apicultura, vou colher e comercializar mel. Já estudei e vi que Rebento é bastante propício para fazendas de abelhas. Tenho umas economias, aplicarei tudo na compra de aparelhos e contratação de funcionários...”
“Endoidou...”, comenta Meíta.
“Pois eu apoio à menina. Ela sempre fora fascinada por abelhas. Comum que seguisse tal sina...”, contrapõe Do Céu.
Flor olha a janela novamente.
“Um caixão está chegando no casarão...”, comenta, “...O Coronel já deve ter morrido...”
Meíta caminha em direção a porta. Logo branda:
“Pois de minha parte você não pode confiar um vintém de ajuda, tamos entendidos ?!”
Sai apressadamente, batendo forte a portinhola. Pareceu exclamar um “parece doida, Cristo !” bem baixinho, porém audível para todos.
“Não ligue para a Meíta. Ela sempre foi assim...”, fala Do Céu.
Flor observa pela terceira vez a visão que os vidros da janela a ofertavam. Coronel Androceu, seu neto... Aquilo soava bastante distante, como um eco, mas sentiu-se muito próxima daquela recitação tão antiga.

Sísifo resolveu sair um pouco daquela muvuca. Acendeu um cigarro e sentou-se na calçada. Lá recebeu algumas condolências, nem todos o reconheciam. A casa enchia de curiosos, o médico veio dar o laudo, o padre a extremunção. O corpo ainda a de ser lavado, vestido com pompas militares, talvez o enterrassem noutro cemitério que não aquele modesto de Rebento. O homem pensou nas últimas palavras de seu avô, entregar o anel para o amor de sua vida... Pensou em Roxanne. Será que já o esqueceu ?! Ou dorme com outro, fuça a comida noutra panela, cheira outras golas de camisa ?! Pensou em Roxanne com uma ternura de quem dispensou algo, não era tamanho amor... Sentia que ainda encontraria aquilo que jamais perdeu. Não sabia o que era, talvez um devaneio. Sentiu a fumaça entrar pelos pulmões, soltou o mais brando dos ares. Fez círculos, brincou com o cigarro. Este acabou, acendeu o último do maço. Observou a praça e seu movimento chulo, os bancos com namorados vis, uma árvore por deteriorar, quis um copo de qualquer merda apenas para esquecer as pedras que levaria, como os ditames do Coronel profetizavam.

“É sabido a morte do Coronel !”, alguém pronuncia em alto tom no Legume´s.
Mané das Marvadas vira-se para Jurubeba e diz :
“Pois eu bebo por ele !”
“Ué, eu não sabia que tu conhecia o Coronel...”
“E não conheço. Mas todo morto merece a sua água digna. Deus compadeça da alma deste bravo homem...”, pede um brinde geral. Poucos o acompanham, nenhum diz palavras de homenagem. Mané bebe a aguardente rapidamente.
“Tu inventa qualquer coisa pra beber mais...”, exclama Jurubeba.
“Amarelo, mais uma destas...”, sua voz já embolava. Fato raro para tal bebum.
“Ah, não ! Nós vamos é pra casa. Tu tem mulher e filhos...”, grita para o lado oposto, “... Amarelo, suspende ! E pendura esta rodada...”
Jurubeba ajuda Mané a se levantar. Segura-o pela cintura e começam a via-crúcis de quem bebe. Caminham e veem ao longe os carros que param e as pessoas que entram no casarão do Coronel. Há uma figura que fuma um cigarro descompromissadamente. Não sabiam quem era. Logo escutam uma terna voz:
“Querem ajuda ?!”, era Morena.
“Oh, minha nêga... Deusa do ébano, meu doce amor...”
Ela faz algum sinal com a cabeça, como se dissesse que havia alguém entre eles naquele momento.
“Como ?! Ah, o Mané ! Fique tranqüila, meu bem ! O Mané é meu grande amigo e confidente. Não há segredos entre nós...”
“A Morena mais morena !”, diz Mané naquele urrar de bêbado,”...Este caboclo aqui é doido de amores por sua figura. Pensa em casamento e tudo...”
“Cala-te, Mané !”, ordena Jurubeba.
“Sim, mas eu posso ajudar ?!”, pede novamente a moça.
“Não é risco demais ?!”
“Risco, num sei... Mas a madrinha tá lá no velório do Coronel. Acho que ela só sai de lá quando o sol raiar. Ela adora velórios...”
Morena pega o bêbado do outro lado de seu corpo e conduze-o até a sua casa. Chagam no casebre, é inevitável não acordar a esposa de Mané. Os três colocam-no na cama. Jurubeba e Morena saem. No caminho, comentam:
“Tu é doida mesmo...”
“Tinha que inventar um motivo pra te ver...”
“Mesmo assim. È risco demais. E se a Dona Neiva te pega ?!”
“Vai dizer que tu não gostou ?!”
O rapaz a entrelaça pela cintura.
“Oxi, se eu gostei ?! Acaso perguntam ao luar o porquê de seu brilho ?!”
“Ai, Jurubeba ! Fico toda arrepiada quando tu fala deste jeito tão poeta...”
Antes que os dois se beijassem, começa a cair uma chuva. Um lacrimejar de nuvens, gotas sublimes empapavam o vestido de Morena, deixando-o justo. Jurubeba propõe uma guarita no barraco dele, próximo dali a alguns metros.
“Não é decente moça de família ir pra casa do namorado sozinha...”, ela diz.
“E nós vamos ficar ensopados aqui ?! Tá querendo pegar uma gripe, é ?!”
Ela concordou com o último argumento de Jurubeba e acabaram por ir. A chuva torna-se tempestade. Entram no pequeno conjugado, um sofá-cama, uma mesa bagunçada com pedaços de biscoitos e frutas mordidas. Papéis remexidos, uma vitrola...
“Ai, uma vitrola !!”, saltitante Morena avança.
“É, bota um sonzinho aí para a gente ?!”
Morena mexe nos poucos discos ali existentes.
“Ai, não tem nada bom...”
“Como não, meu doce ?! Olha, tem um aqui do Roberto Carlos que é bala...”
Então ele liga a vitrola e começa a música :
Eu quero ser sua canção, quero ser seu tom
Me esfregar na sua boca, ser o seu batom.
..”
“Então, não é bom ?!”
“Você não tem nenhum do Bon Jovi aí ?!”
“Como é que tu prefere estes estrangeirados ao invés do Rei ?!”
“Nem um Michael Jackson ?!”
“Ouça o romantismo de Roberto. Talvez esta seja melhor...”
Põe outra faixa:
“Eu te proponho,nós nos amarmos
Nos entregarmos...”

“É, é bonitinha...”, diz Morena. Logo sentando-se na cadeira.
“Tu não quer tirar este vestido ?! Olha, tá todo molhado...”
“Tá doido, é ?! Seu safadinho...”, levanta-se e caminha para a veneziana.
“Ai, esta chuva que não passa...”
“Ué, tá preocupada com o quê ?! Não tá gostando da companhia não ?!”, e vai dar um cheiro no cangote de Morena.
“Sai, Jurubeba ! Eu sei de tuas intenções. Mas isto só vai acontecer depois de nós casar. É só a chuva passar e eu volto lá pro velório...”
Jurubeba olha o céu. Proclama
“Não é te desanimando não, mas esta chuva parece que só vai passar pela manhã...”
“Não diz isto nem por brincadeira ! Se a madrinha não me ver logo, vai dizer é coisa comigo...”
“Vem cá, minha Morena !”, ela aproxima-se dele. Jurubeba abraça-a. “...Tudo vai ficar bem. Tu parece cansada. Vamos dormir, viu ?!”
“Na mesma cama não !”
“Mas só tem uma cama ! Ou melhor, um sofá-cama...”
“Então eu não durmo...”
“Não, minha flor de candura ! Você dorme no sofá-cama e eu improviso aqui...”
“Mas não precisa, meu docinho... Eu num tô cansada. Vou ficar acordada até a chuva passar...”
“Eu tô lhe dizendo que esta chuva vai durar madrugada toda. Dorme aqui, vem !”
Jurubeba arma o sofá-cama. Pega cobertores e travesseiros. Um deles ele estende no chão e lá deita.
“Pode vir, minha morena ! Tu vai é dormir feito princesa...”
“Tu vai dormir nesta coberta estendida no chão ?!”
“Ah, eu já dormir em lugares piores...”
“Mas, meu neguinho...”
“Sem mais, Morena ! Pode dormir, vixi ! Ô, ô...”, e deita-se na coberta, “...Tá a maior gostosura aqui !”
Então Morena se deita no sofá-cama. Realmente estava cansada.

Um toró cobre os céus negros e encharcam os paralelepípedos das ruas de Rebento. Mesmo assim o velório seguia-se cheio, figuras ilustres e pessoas do cotidiano misturavam-se no ver a última imagem do Coronel. Claro que muitos iam para beliscar dos petiscos que Negra Nhá servia aos convidados. Num canto da sala vê-se Meíta e Dona Neiva :
“Saliência desta pequena em retornar depois destes anos todos...”, diz Meíta entre um bolinho e outro.
“Que pequena ?!”
“Flor Branca, minha irmão caçula...”
“E ela tá de retorno ?!”
“E não foi o que eu te disse ?! Voltou com a cara mais cínica do mundo, só se vendo...”
“E voltou por quê ?!”
“Disse que veio preencher vazios. Mas eu sei o que ela quer encher...”
“E é o quê ?!”
“Os bolsos ! Provavelmente veio pra buscar a parte dela na fazenda...”
“Ué, mas não é dela ?!”
“Bem, é. Mas voltar só pra isto, depois que papai e mamãe morreram...”
“Tu tem razão. Peraí, cadê Morena ?!”
“Hum, tem mãe que é cega...”, alongando o tom na última sílaba.
“Como ?!”
“Nada não...”
“A chuva tá forte, né ?!”
“Agora é que tá...”
“Ela disse que ia na casa da Carmina, filha da Iáiá...”
“Sei...”, e põe os lábios na borda da xícara.

“Ô, Jurubeba, tu tá acordado...”, exclama Morena.
“Hum, tô...”
“A chuva tá mais forte, né ?!”
“Num te disse ?!”
“Como é que tu tá conseguindo dormir neste chão gelado...”
“Não se preocupa não, minha flor...”
“Ei...”
“Fala...”
“Se eu fizer uma coisa tu promete de ser bem comportadinho ?!”
“Prometo.”
“Promete mesmo ?!”
“Pela alma de minha mãezinha morta...”
“Assim, se tu quiser dormir aqui comigo...”
Ele logo se levanta.
“Mas num pode bulir neu...”
“Tudo bem, minha sementinha de maracujá fresco...”
Jurubeba deita-se ao lado dela. Procura a melhor posição. Finalmente se acomoda:
“Assim tá bom, Moreninha ?!”, pergunta.
“Tá, tá ótimo...”

Flor Branca observa a chuva de sua janela, num confortável quarto alojado por Do Céu. Não conseguia dormir, espalhado por sua cama alguns folhetos e apostilas sobre apicultura. Pensou em acender um cigarro, mas havia decidido parar de fumar. Uma jarra no criado mudo, refrescou-se de água. “Coronel Androceu...o neto...”, pensava em gaguejo.

Sísifo não queria ver toda aquela gente. Logo que começou a chover, procuro abrigo e solidão no quarto que Negra Nhá havia lhe destinado. Não tinha mais cigarros. Desceu até o escritório e pegou alguns charutos. Não gostava de charutos, mas o que faria ?! Também olhou a chuva bater nos vidros da janela. Lembrou-se da infância sem nomes ou pessoas, saudou-se como se vivesse num eterno breu, onde fisionomias e imagens não importavam para tal vivência. Deitou-se na cama, pensou nas palavras do avô e no tal anel...

11.

Passaram-se alguns dias e Flor Branca estava a todo vapor para a concretização de seus sonhos. Calculou custos, contratou especialistas e pessoas dispostas ao trabalho, comprou os avançados modernos... Queria contar com as melhores condições para a produção do mel de abelha mais puro e saboroso que se podia imaginar... Uma de suas funcionárias ia ser Morena. Tendo inclusive o incentivo de Dona Neiva. Era um grande salto para a menina que não queria viver do cozer docinho e enfeites de casamento.
Só havia um empecilho para tudo se realizar: o pequeno terreno que Flor herdou era bastante micro para as idealizações do negócio. Com as terras divididas em quatro, pouco rentáveis seria usar apenas um quarto de um local com bastante potência para tal investimento. Fortunato já era falecido e sem família, fazendo de Do Céu, a mais velha, proprietária de metade da antiga fazenda.
Numa conversa informal de cozinha, Flor Branca entre papéis e calculadoras...
“Hum... O tamanho do terreno é pouco, mas dá inicialmente. O problema será quando expandirmos os negócios...”
“Flor, minha irmã, eu estive conversando com meu esposo e...”
“Cristo ! Olha quanto vai me custar às mãos de obra ?!”
“Flor Branca !”
“Hã ?!”
“Presta atenção... Eu conversei com o Bamba e nós decidimos que vamos doar minha parte pra você...”
“Parte ?!”
“Do terreno...”
“Não, Do Céu !”
“E por quê não ?!”
“Ora, a parte é tua...”
“Por isso mesmo. Faço dela o que quiser. E eu quero passá-la pra você...”
“Ai, minha irmã... Não seria justo...”
“Eu acredito no seu trabalho. Papai e mamãe estão orgulhosos de você...”
“Poxa...”, e abraça a irmã, “... Agradeço o incentivo e as suas palavras. Mesmo assim ainda não seria justo.”
“Mas por quê ?!”
“Que lucro você teria me dando sua parte na fazenda ?!”
“Ora, eu não ligo para dinheiro. Eu e meu marido já temos como viver. Nossos filhos já estão feitos na vida, só faltando o Elivelton. Agora só quero ver você crescer...”
“Fico até emocionada. Mas eu ainda não acho... Peraí, eu tô tendo uma idéia...”
“Ai, ai, qual é ?! Não faça nada que possa lhe prejudicar...”
“Vou te pôr como sócia !”
“Sócia ?!”
“Sim, seremos donas. E dividiremos os lucros...”
“Mas eu já disse que não quero...”
“Só aceito se for assim... Então, topas ser minha sócia ?!”
“Tenho outra alternativa, sua teimosa ?!”
E as duas se abraçam mais uma vez.

Sísifo vivia escondido dentro daquele casarão. Queria porque queria resolver o enigma do avô. Onde estaria aquele maldito anel ?! Fuçava a casa toda, procurava nos mais obscuros cantos, nas passagens secretas... No grande cofre (ao qual sabia a combinação desde moleque, de tanto ver o Coronel abrir e fechá-lo.), apenas notas de cruzeiros envelhecidas e alguns dólares ainda válidos, fotos e uma garrafa de vinho... A mãe, que parecia tão bem, retornou à sua loucura interna. Sísifo resolveu então interná-la, pelo bem da casa e da própria. Negra Nhá era deixada de lado aos poucos. Contudo jurou morrer naquele casarão. Também pensava no bem estar do seu amo-de-leite. Cuidaria dele até quando houvesse forças nas suas pernas. Dia e noite, era a rotina de Sísifo pensar nas palavras finais de seu avô, tentando achar nelas alguma pista que decifrasse o sumiço da jóia. Nem tanto pelo valor do objeto, mas sentia que estava ali a solução do vazio que tanto o atormentava. Dá-lo ao seu grande amor, seria isto o fim de suas infelicidades ?!

Nada mudou para Zenóbio. Continuava a chegar muito cedo para abrir a farmácia, dava reclamações para os atrasos dos funcionários, subia para o escritório improvisado e ligava a vitrola naquela mesma faixa fúnebre, quase não almoçava, observava e chorava por aquele retrato, o cuco lhe indicava a hora de fechar e, segundo dizem, andava vagando pelas ruas de Rebento. Parecia manter os velhos hábitos de quando boêmio, onde dormir era a única possibilidade de deixar de ser feliz no hoje. Mas o seu “zumbinismo” desta vez era patológico, sem amores dados ou o chorar de seu cavaco de ouro. Era um sonambulismo maléfico, que o deixava feio e monstruoso. Não mais se barbeava, nem escovava os dentes, os cabelos despenteados, uma completa falta de vaidades e higiene. Sempre o mesmo terno marrom, descosturado na bainha e em algumas outras partes, mofado e velho. Quem o via duvidava que num passado havia sido o mais folião dos carnavais, o mais amante das primaveras, o mais vivo dentre as pessoas daquele lugar... Apático e infeliz, Zenóbio despede-se dos funcionários sem sinal algum, fecha as portas e põe o molho de chaves no bolso empoeirado. Caminhava litúrgico pela praça, na procura de nada, nenhuma cura, nada enfim que o fizesse ter missões da vida. Andava e andava, contudo e ao contrário do que todos imaginavam, ele tinha uma finalidade nesta procissão a só: todos os dias, chovia ou não, ia visitar o jazigo onde estava enterrada sua Anja Maria. Não levava flores, apenas lágrimas e saudades. Dormia lá mesmo, num segredo dele e de seu Tico, o coveiro.

Sem pompas, num clima ameno e com um pouco mais de trinta funcionários, a “Distribuidora de Mel Flor do Céu Ltda.” começava a sua produção. Aos poucos, os débitos tornaram-se lucros e parte do que fora investido já havia entrado em caixa. Contaram com a sorte de ter uma posição propícia, as abelhas sempre fartas, as colméias bem formadas. Em tempo a fábrica já era um sucesso e o mel vendia como ouro. Para surpresa até de Flor Branca, que não contava com tamanha cena.
Morena prometia ser uma funcionária de ascenção declarada. Todos admiravam a competência da moça, inclusive Flor, que já mantinha uma grande amizade com ela. Ela administrava a linha de produção com a serenidade ímpar de quem tinha uma gama de experiência. E ela era uma garota de um pouco mais de vinte anos, não sabia de taxas ou regras administrativas. Tudo era instintivo, inato. Tinha pulso para lidar com problemas que eventualmente ocorreriam, coordenava maturamente as finanças e sabia, como que por encanto, entregar fichários e listas de como a produção lucrava ou não.
Morena sentia que nascera para aquilo, assim como sentia os primeiros enjôos...

12.

Todo aquele clima de morbidez, uma escuridão digna de cavernas, Sísifo não permitia abrir cortinas ou colocar flores em vasos. Pelo menos no escritório, seu habitat atual. Negra Nhá controlava aquela casa com todo o amor que sentia no seu frágil coração quase centenário. Não tinha família consangüínea, era viúva de tempos e o único filho era morto desde os tempos da guerra. Andava arrastado, sabia de cor todas as receitas, faxinava com disposição mor, contudo débil na agilidade de seus braços e pernas. Sentia que não demoraria em morrer, advertia Sísifo:
“Meu filho, você é ainda novo. E bonito, como você é bonito...”
“Sim ?!”
“Tu devia de procurar uma esposa, ter filhos. Não é nada bom te ver assim, todo sozinho...”
“Ora, Negra Nhá, me deixe !”
“Enquanto tua negra estiver cá, tu pode contar com tudo. Mas eu não sou eterna, morrerei. E logo...”
A profecia de Negra Nhá doía-lhe no pensar futuros. E aquele anel ?! Ainda se achasse o anel, se tivesse certezas... Teria Roxanne já o esquecido ?!
“Por quê que tu não dá uma saída ?! Deve de ter umas meninas felícitas em lhe ver...”, retorna ao assunto Negra Nhá.
“Não me interesso por garota alguma. Quero apenas ficar recluso no meu canto, dá pra entender ?!”, responde.
Então Negra Nhá saia. E Sísifo pensava cada vez mais no anel e no pedido do falecido avô...

Mané das Marvadas e Jurubeba discutiam numa mesa de bar.
“Eu não sei mais o que fazer, Mané...”
“Ora, vamos beber !”
“Eu falo sério. Poxa, eu constituir matrimônio com Morena...”
“Tu fala umas coisas bonitas. Constituir matrimônio...”
“É hipérbole...”
“É o quê ?!”
“Deixa pra lá.... Agora, como é que eu vou vencer a bicuinha da Dona Neiva ?! Logo a mais solteirona da cidade, quiçá do mundo... Num tem homem nenhum que vai querer aquela velha bigoduda...”
“Olha como tu fala da tua sogrinha...”
“E eu tô mentindo ?!”
“Pior que não. È mais fácil o mar virar sertão que esta velha desencrunhar...”

Dona Neiva está no oratório de sua casa. Dentre todos os santos, o mais enfeitado é com certeza o Santo Antônio. Aos seus pés, lírios e flores amarelas, fitas coloridas, velas de sete dias, lâmpadas de variadas cores. Umas três ou quatro vezes por dia ela interrompia seus afazeres para começar suas ladainhas e pedidos. Quando era novena do santo, este ritual se multiplicava. Recebia a imagem da igreja, que percorria as casas dos fiéis todos os anos, com festa e comilança gratuita. Era uma estátua enorme, ficava quinze dias na sua residência. E durante isto, era reza e cânticos pelo dia a fora...
“Ai, meu santo glorioso...”, começa, “...Por quê que tu não me atende ?! Há quantos anos eu tô aqui, sempre mantendo a fé, lhe sendo fiel ?! Por acaso erro em algo ?! Sim, me diga: erro nalguma coisa ?! Cadê o meu amado, meu doce homem que virá num cavalo branco e me tirará desta cidadezinha de merda ?!... Ai, perdão, meu santinho !... Que dia meu dia chegará ?! Até quando sofrerei por não ser possuída por uma voz qualquer, um roçar de barba no meu rosto, um toque viril em minhas coxas... Perdão novamente ! Terei que morrer sozinha, encruada e no imenso caritó ?! Será este ano ?! Oh, meu Antônio santo, prometo que, se eu arranjar um marido pra logo, darei pão para todos os mendigos da cidade, prometo mandar pintar a capela e acenderei uma vela do tamanho de minha Antônia em seu louvor...”
Aí ela pára, senão a massa do bolo desanda...

“Não pode ser...”
“Não pode ser o quê, Morena ?!”
“Ai, Flor Branca, nem vi que você estava aí...”
“Sim, mas o quê é que te aflige ?!”
“É que eu tô com umas suspeitas...”
“Isto é um teste de gravidez, não é ?!”
Mudez por parte de Morena. Flor insiste:
“É um deste teste de farmácia, estou certa ?!”
Ela confirma com a cabeça :
“Estou perdida, Flor...”
“O quê deu o teste ?!”
“Tá marcando rosa. E rosa é positivo...”
“Positivo, tem certeza ?!”
“Absolutamente. Fiz o que foi pedido: urina, mergulhar papelzinho, esperar uma hora, comparar com as cores da caixa e o treco deu rosa...”
“E rosa é positivo...”
“È. Eu tô perdida...”
“Mas você não pode só confiar em teste de farmácia. Tem que marcar exame no posto de saúde. Aí sim é que é confiável...”
“Ai, eu não sei mais o que fazer. Só o fato deu ter a possibilidade de estar grávida, já me dá uns troços no estômago...”
“Você tem mantido relações com seu parceiro ?”
“Só uma vez. No dia do velório do Coronel, quando caiu aquele toró...”
“Bom, fica calma. Vá lá pro posto e marque o exame. Aí depois vamos pensar no que fazer...”

13.

Foi durante o sono que o Coronel revelou-se para Sísifo, assim como um dantesco fantasma macbethiano. Uma estranha noite de calor, um zéfiro tão outonal e tão frio, os galhos arranhavam os vitrais, as folhas desfaleciam. A lua revelara-se gris, cinzenta quão fumaça, não havia nuvens. Algumas estrelas, poucas, insuficientes para formar constelações. Nem era preciso contá-las. Sísifo dormia de short, encoberto, tinha uma jarra de água na cabeceira. Ouviu uma voz a chamá-lo. Pensando ser Negra Nhá o incomodando, não chegou a abrir os olhos. Houve insistência, precisou despertar:
“Quem é ?! Quem está aí ?!”
Não houve resposta. Pegou a jarra e pôs água num copo. Bebeu-a de vez. A velha cadeira de balanço rangeu...
“Meu Deus, o que é isto ?!”, perguntou-se alto.
E foi naquele instante que o viu. Estava trajando um velho fardão de guerra cheio de medalhas. Sua voz resoava trovões:
“Sísifo, meu neto...”
“Vô ?! É o senhor ?!”
O fantasma não respondeu.
“É o senhor ?!”, insistiu.
“Digo-lhe que a busca do anel é vã...”
“Como assim ?! Foi o senhor mesmo que...”
“Mas não será trancafiado em casa que o achará !”
“Então o anel está no lado de fora da casa ?!”
“Isto eu já não posso lhe dizer. Ou melhor, eu já lhe indiquei onde ele está...”
“Não compreendo. Fui o último a falar com o senhor e não me lembro do senhor ter... Vô, Coronel ?!”
O espectro havia sumido no meio de seu diálogo. Negra Nhá aparece no quarto:
“Menino, falava com quem ?!”
“Negra Nhá ?! Ah, falava com o meu... Deixa pra lá, deixa pra lá...”
“Tu quer um chá de erva-cidreira pra dormir ?!”
“Ah, seria ótimo...”
Acompanha, com os olhos, a negra sair. Sentou-se na cama e passou a mão pela testa suada. Indagou-se pela afirmação do Coronel: lembrava da última conversa com o avô. Não lhe vinha na cabeça nada que pudesse ser indício do esconderijo do anel. E por que ser vão a procura na casa ?!

Morena chegou desanimadamente à fábrica e posicionou-se na cadeira de seu ofício. Flor Branca percebeu tamanha apatia:
“Fez o exame ?!”
Ela afirma com a cabeça.
“E ?! Deu o quê ?!”, continua Flor.
“Ai, me abraça...”
Morena se levanta e as duas se abraçam.
“Você está grávida ?!”, pergunta Flor.
“Tô...”
“E o pai sabe ?!”
“Ainda não...”
“Mas você pensa em contar, né ?!”
“Sim. O Jurubeba vai adorar, ele tá louco pra casar comigo...”
“E então ?!”
“È a madrinha. Não sei como ela vai reagir quando souber. Aliás, eu sei sim...”
“A Dona Neiva ?! O que ela tem a ver com isto ?!”
“Não lembra que eu te disse que ela só quer que eu case depois dela ?! Pois então... Agora ela vai achar que eu fui incrédula à suas ordens...”
“Bem, a única opção que você tem é torcer para ela se casar logo...”
“Não me faça rir. Não queria falar assim da madrinha, mas é difícil ela arranjar marido ao logo do campeonato... Ela tá velha demais, ninguém irá querê-la mais...”
“Então você vai ter que assumir tudo o que fez e...”
“Não, isto não ! Nunca !”
Morena senta e Flor vai pegar um calmante em sua bolsa.
“Toma. Isto vai lhe fazer bem...”, dando-lhe um copo de água junto ao comprimido.
“Hoje eu vou ter que passar na farmácia e contar pro Jurubeba. Vamos ver o que iremos fazer...”, diz tomando o calmante.
“Espera aí, Morena... Estou tendo uma idéia...”
“Idéia ?!”
“É meio doida, mas quem sabe...”
“Topo tudo ! Me diz o que é...”
“Tua madrinha só aceita um casamento teu depois do dela, certo ?!”
“É, isto eu já lhe havia dito...”
“Pois eu acho que conheço o par ideal para ela...”
“Quem é ?! Eu conheço ?! É solteiro ?!”
“Viúvo, viúvo...”, repetia Flor Branca.

Naquele dia Sísifo pediu para Negra Nhá passar sua melhor camisa. Resolveu dar uma volta pela pracinha. Fez a barba, perfumou-se. Saiu e logo sentiu o ar puro, o vento, a poeira a entrar-lhe nas vistas... Passou na mercearia e comprou cigarros e a gazeta municipal. Parou num banco e sentou. Quando estava começando a ler, apareceu-lhe uma menina. Não devia ter oito anos, loirinha de cachinhos, vestido vermelho de estampas, segurava um vestido. Disse-lhe um oi cabisbaixo. Ele respondeu ao cumprimento e perguntou por seu nome...
“O senhor procura algo ?!”, ela perguntou.
“Como ?!”
“O senhor tá com uma cara de que tá procurando alguma coisa...”
“Ah, estou ?!”
“É, está !”
“Você me lembra alguém...”
“Alguém ?!”
“É, uma pessoa que nunca devia esquecer. E eu não a esqueci, só não a vejo claramente em minhas lembranças...”
“É alguém que você devia lembrar ?!”
“Creio que sim...”
“E é pra esta pessoa que você devia dar o que você procura ?!”
“Como você sabe que estou procurando algo ?!”
“Eu não sei ! Só lhe disse que você tá com cara de quem procura algo...”
Ele calou-se. Parecia querer decifrar os olhos da garotinha.
“O senhor sabe qual é o meu nome ?!”, perguntou a menina.
“Eu havia lhe perguntado isto...”
“É Ofélia.”
“Ofélia... Bonito nome...”
“Minha mãe pegou o nome duma tragédia de Shakespeare...”
“Nossa, você já conhece Shakespeare ?!”
“Hamlet !”
“É, você está certa ! Ofélia é um personagem de Hamlet...”
“Um amiguinho meu está lendo a obra para mim...”
“Um amiguinho ?!”
“O melhor. Ele me mostra um montão de coisas que eu não conheço...”
“É ?!”
“É ! E eu mostro umas coisa pra ele também...”
“Tipo o quê ?!”
“Como subir em árvores, roubar manga do vizinho, matar lagartixa... O garoto não sabia nem como uma aranha construía uma teia, pode ?!”
“Não pode mesmo...”
“Ele me prometeu me dar uma coisa...”
“É ?! E o quê ?!”
“Um anel...”
“Um anel ?!”
“Ele faz uma cara tipo a tua...”
“Que tipo ?!”
“Esta de quem está procurando alguma coisa...”
Sísifo fica quieto mais uma vez. Não entende nada daquilo. Logo diz:
“Eu estou procurando algo...”
“Sabia. E o que é ?!”
“Curiosamente é um anel...”
“E o senhor vai dá-lo a alguém ?!”
“Não sei...”
“Se o senhor não quiser o anel ou não dá-lo a alguém, o senhor me dá ?!”
“Dou, prometo...”
“O senhor gosta de olhar pro céu ?!”
“Gostava mais quando era criança...”
“E o senhor não é mais criança não ?!”
“Infelizmente não...”
“E a pessoa que parece comigo e o senhor não se lembra mais, é criança ?!”
“Creio que é.”
“O senhor gosta de olhar o sol ?!”
“É difícil olhar o sol...”
“É mesmo. Não consigo olhar pra ele. E quando olho fica umas luzinhas redondas no meu olho... É gozado !”
“Realmente é...”
“Onde é que tá o anel que o senhor procura ?!”
“Eu não sei. Ainda o procuro...”
“Será que não está no céu ?! Ou no sol ?!”
“Acho que não...”
“Como sabe ?! O senhor disse que não olha mais pro céu e que é difícil olhar pro sol... Quem sabe esteja lá em cima...”, e aponta para o céu.
Quando a menina apontou, deu-lhe um estalo. Lembrou-se que o avô fazia um esforço para apontar algo no quarto. Seria isto ?! Enquanto se indagava, a menina lhe diz:
“Agora tenho que ir...”
“Ah, tchau Ofélia !”
“Não vá esquecer a sua promessa...”
“Certo. O anel será seu...”
“Sei não, mas acho que este anel já tem uma dona, em algum canto...”
A garotinha sai correndo, logo sumindo. O sol brilhou mais forte naquele momento, como se quisesse esconder alguma coisa... Então Sísifo, sem qualquer medo, levantou-se e sorrindo já sabia que o enigma estava tendo um breve desfecho.

Foi com ironia e espanto que Morena escutou aquele nome. Pensou num surto repentino que a amiga pudesse estar tendo, só poderia ser um delírio aquela sugestão...
“O Seu Zenóbio ?!”, repetia.
“E por que não ?!”, respondeu Flor Branca.
“Bem, ele é um... Você sabe o que dizem dele ?!”
“Já ouvi...”
“Então ?!”
“Ora, Morena, ele é o único solteiro em idade de casar com sua madrinha...”
“Pois eu já sei qual vai ser a resposta dela: “O zumbi ?! Nunca !!!!”...”
“Mas foi você mesma que disse que topava tudo...”
“Sim, mas eu não sabia que fosse uma idéia tão loucamente absurda...”
“Mas dizem que o Seu Zenóbio já foi um homem bastante atraente...”
“Eu sei. Minha madrinha já me disse que ele...”
“Taí ! Quem sabe não haja chances ?! Além disso, você não perde nada em tentar...”
Morena apenas aceitou a conclusão de Flor com um mínimo sorriso de esperanças. No mesmo dia foi conversar com Jurubeba. Nem é preciso dizer que o coitado fico cinza com as notícias. E mais azucrinado ainda quando soube do transloucado plano de Flor.
“Mas, meu pitelzinho, será que vai dar certo ?!”, pergunta.
“Não sei, meu dengo... Só sei que é a única alternativa que temos neste instante.”
“Oxi, diacho, ai, danado...”, e Jurubeba dava voltas em torno de si mesmo, “Oh, bicho do cabrungo, raiva da moléstia, pé de pato mangalô três vezes !!!”
“Ô, Jurubeba, pára de me deixar azoada !!! Tu acha que pra mim tá sendo fácil ?! Eu tô aqui que não me agüento mais...”
“Me desculpe, coisa escultural ! È que tá me dando uns treco aqui no centro das lombrigas,ai...”
“Nós tem que ter calma nesta hora. O negócio é agir. Vamos ajuntar minha madrinha com o Seu Zenóbio, temo que ajuntar...”

E o plano não era dos mais complicado. Primeiro era preciso trazer o farmacêutico à realidade. Isto seria possível resgatando uma das grandes paixões de Seu Zenóbio: a música. Então foi feito uma busca e foram conectados alguns dos membros do antigo “Os Serenos da Lua”. Casca de Ferida já era falecido, Miltinho também. Contudo Jotapê ainda estava lúcido e disposto a participar do plano.
Naquele dia Jotapê chegou na farmácia, era tarde e ele usava uma boina verde. Trouxera o antigo pandeiro numa mochila, Jurubeba conduziu-o até o escritório de seu patrão:
“Doutor Zenóbio, tem alguém querendo falar com o senhor...”
“Não estou pra ninguém !”, esbravejou Seu Zenóbio, a mesma voz de trovão.
“Ele disse que é amigo seu das antigas...”
“Jurubeba, tu é surdo ?! Eu não lhe disse que eu...”, virou-se e viu o velho amigo. Ficou estático. Jurubeba deixou-os a sós.
As lágrimas caiam dos rostos de ambos. Jotapê ofereceu o corpo num abraço, o outro recusou a principio. Não que não o quisesse, mas é que estava com as pernas paralisadas, tamanha emoção de revêr o amigo após tantos anos. Jotapê olhou-o e comentou:
“Os anos parecem não ter passado pra você...”
Zenóbio consegue, finalmente, levantar-se. Retribui o elogio:
“Que nada. Meu rosto parece uma ameixa, isto sim...”
Riram. Há tempos Seu Zenóbio não ria.
“Por quê vieste ?!”, pergunta.
“Sei não...”, mente, “...Saudades ?!”
“Saudades ?!”
“Que música triste é esta ?!”. O minueto ainda rolava na vitrola do local.
“È a síntese de minha vida...”
“Eu trouxe o meu pandeiro...”
“Desculpa, mas eu não toco...”
“Tu tem ainda o cavaquinho ?!”
“O cavaco ?!”
“Sim. Ou tu já esqueceu os tempos do Serenos ?!”
Não havia esquecido. Jamais se esquece felicidade, por mais que você a abomine atualmente. Achava que não tinha mais habilidades para tocar, nem sabia onde guardara o instrumento...
“Bom Jotapê, foi ótimo revê-lo... Mas , por favor, eu tenho coisa pra fazer aqui. Se você me der licença...”
O velho Jotapê fechou a porta lentamente, logo fazendo uma cara de desânimo para Jurubeba. Este contou a Morena:
“E agora, o que vamos fazer ?!”
“Bem, temos que partir pro plano B...”
“Plano B ?!”
Nem a moça sabia ao certo que plano era este. Contudo estava crente na sapiência de Flor Branca, ao qual recorreu o mais rápido possível...
“Realmente eu tenho sim uma outra idéia...”, argumentou.

Noutro dia, Seu Zenóbio já começou a reclamar:
“Jurubeba, não estou pra ninguém hoje e... O que é isto ?!”
“Isto ?! Ah, é um violão...”
“Não me diga... Eu achava que era um elefante... È lógico que eu sei que é um violão. Dos vagabundos, possamos dizer. O que eu queria sabre o que ele faz aqui...”
“Sabe, Seu Zenóbio, é que eu tenho uma grande paixão por tocar violão. Queria por demais tocar. Só que ainda não sei. Aí eu pensei se o senhor poderia...”
“Eu, logo eu ?! Não, Jurubeba, vá trabalhar...”
“Por favor, Seu Zenóbio ! Já ouvi maravilhas do senhor. Dizem que o teu apelido era “O Cavaco de Ouro”... Pela minha falecida mãezinha, por favor...”
“Ai, ai,ai... Me dá aqui este violão...”
Jurubeba lhe entrega o instrumento. Zenóbio observa, analisa, toca-o. Quantos anos não triscava numa corda, dava um acorde, sentia o peso da madeira, o cheiro que qualquer violão emana...
“Bem vagabundinho este violão, viu...”, disse.
“Então o senhor vai me ensinar ?!”
“Posso lhe dar umas dicas...”
Então, por magia enfim, Zenóbio posiciona o violão por entre sua perna e toca "Odeon". Sua alma quis clamar, há tempos não sentia tal euforia. Cada toque era acompanhado das lembranças daqueles anos de glória e juventude. Quis chorar e sorrir ao mesmo tempo. De repente, a farmácia encheu-se de gente, todas curiosas em saber que estranho tom saíra dali. Já outros embarcaram na nostalgia que o choro trazia, a desbotada memória jazia, tudo parecia uma docilidade de retorno. Zenóbio terminou, como se inebriado, e não havia percebido a multidão que se aglomerava ali. Recebeu as palmas momentaneamente como elogio, outrora achou desrespeito a memória de sua Anja Maria, o luto não se fechara.
“Pra fora todos! Isto aqui é uma farmácia e não um bordel...”, exagerou.
Para Jurubeba aquilo era uma prova cabal de que o artista não havia morrido dentro daquele corpo entristecido. A felicidade encontrava-se deitada e exibiu-se naquele espetáculo. Seu Zenóbio entregou o violão e subiu para o escritório, pondo em seguida o maldito minueto de Bach. Mas a partir daquele dia, sempre após o expediente, Jurubeba recebia lições básicas com o antigo “Cavaco de Ouro”...

“Então, madrinha, você soube que o Seu Zenóbio tocou violão lá na farmácia hoje pela manhã ?!”, diz Morena, pretensiosamente.
“È, eu ouvi falar...”
“È incrível acreditar que ele foi um tipão no passado...”
“Pois é, pra tu ver... Eu era muito menina ainda quando ele tinha o grupo de chorinho. Fazia umas serenatas lindas...”
“E a senhora já fui afim dele ?!”
“E quem não era afim do Zenóbio naquela época ?! Devia ter uns 12 anos, creio. Todas as meninas babavam por ele...”
“Inclusive a senhora ?!”
“Talvez... Por quê ?!”
“Ah, sei lá... Eu imaginei que, de repente, a senhora e ele poderiam...”
“Poderiam o quê ?!”, já com ares de irritação.
“É que a senhora está sempre reclamando que não casou, e o Seu Zenóbio...”
“Tu não tá querendo sugerir que eu me case com o...o... com o zumbi ?!”
“Ah, madrinha, ele é viúvo... e a senhora já foi apaixonada por ele...”
“Epa ! Eu não disse que fui apaixonada por ele...”
“Não disse ou não é ?!”
“Eu,eu... Ah, pare Morena ! Não coloque intenções em minhas falas !”
“Veja bem, madrinha: ele tá melhorando. Já tocou violão hoje e tudo...”
“Nem que fosse o último partido da Terra. Prefiro morrer sozinha...”
Morena levanta-se e chorosa, conclama:
“Pois do jeito que a senhora pensa, vai é continuar encruada pra vida toda !!!”, e sai correndo.
“Morena, Morena... Que diacho deu nesta menina ?!”

Zenóbio sentia-se jovem lecionando a arte do tocar para Jurubeba. Entusiasmou-se tanto que até encontrou o seu enterrado cavaco, perdido nos baús duma casa que nunca mais havia freqüentado. Que tamanho sofrimento foi reaparecer naquele abandonado lar, os móveis, prateleiras com cristais, sofá, a velha cama, lembranças de sua Anja Maria... Encarou tudo com obstinação, a paixão pela música transcendia qualquer dor... Jurubeba mostrava-se um relapso aluno, contudo aquilo não desanimava o animado professor, tanto lumiar era em sua plena felicidade naquilo que fazia. As mãos recebiam com louvor a cada ordem de sua memória musical, vinha-lhe antigas canções e baladas que tanto animavam uma Rebento em preto e branco. Jotapê voltou a aparecer e havia a possibilidade dos Serenos voltarem, nem que fosse por simples hobby. Para completar a trupe chamou-se Milton Filho, o primogênito de Miltinho, que tocava flauta com tanto lirismo quanto o pai e Regino, amigo e tão jovem quanto Milton Filho, uma nova virtuose na viola. Aos poucos Zenóbio foi perdendo o seu casmurro jeito, personalizando-se numa figura colorida por viver. Anja Maria lhe era agora uma recordação distante, algo que doía mas que tinha uma cura instantânea. Uma parte do plano de Flor Branca estava completo...

E enquanto Sísifo buscava armar um enigmático quebra cabeça... Sabia que a presença daquela garotinha não havia sido mero acaso do destino. Era um evidente sinal, o Coronel tinha se comunicado com ele novamente. Aquele gesto, uma mão a apontar infinitos... Posicionou-se, então, na cama do quarto onde o avô morrera. Tão logo percebera que a mão do Coronel só poderia apontar para a estante de livros. Indo a direção, dentre vários títulos, apenas um deveria ser a chave.
“Ofélia... Hamlet !”, diz pra si mesmo.
Pegou o velho exemplar de capa dura, um avermelhado já sem colorido, com letras doiradas e um cheiro de mofo ao abri-lo. Percebeu que havia um papel dentro dele, um estranho papel, um mapa...
“Que curioso... O papel estava justamente na página em que Ofélia morre afogada...”
O mapa do desfecho, o anel haveria de ser encontrado. Mas qual destino ele terá ?! Pra quê encontrá-lo, se não sabia ainda para quem entregar ?! Pensou em Roxanne, mas ela estava longe. Havia a aparência da garota, uma estranha visão que o incomodava. Quem seria aquela garotinha que pousava em suas reinações ?! O mapa indicava um lugar não muito desconhecido, realmente um comum local, árvores e abelhas. Pensou tudo como num desenho já decalcado em sua mente divaga.
E naquele momento ele rever o espectro de seu avô. Segura, misteriosamente, uma garota pela mão...
“Ofélia ?!”, diz, quase em gaguejo.
“Achaste o mapa...”, a voz de trovão do Coronel.
“É.”
“Olha a promessa que você me fez...”, diz Ofélia.
“Espera um pouco: quem é você ?! Como pode você estar segurando a mão de meu falecido avô ?! A não ser que você seja...”
“Ofélia representa a criança morta dentro de você. É o fantasma de sua infância, a mais singela representação daquilo que você fará...”, responde o avô.
Ofélia lhe sorri como alguém já sorrira a ele. Sísifo sentiu uma emanação de recordações, um surto qualquer de medo e basbaquice, queria correr. Suas pernas estavam pressas, contudo.
“Eu não sei o que farei...”, disse.
“Ah, sabes ! Ou no mínimo saberá...”
Não sabia se era um delírio, uma mediunidade ou devaneio. A imagem daqueles dois sumia lentamente, ainda deu tempo de Ofélia exclamar:
“Boa sorte, Sísifo ! Tu já sabes para quem entregar o anel, tenho certeza. É só seguir as ordens do teu coração...”
Deu-se, então, um vapor e daí uma flor. Uma flor branca...

Zenóbio abandonou o surrado terno, começou a banhar-se e perfumar-se constantemente, não ia mais diariamente ao cemitério à noite. Quem sentia falta desta rotina era Seu Tico, tão acostumado à quebra do silêncio das covas com aqueles papos e ladainhas do viúvo.
Agora o farmacêutico freqüentava os bares e tocava nas praças, faziam as mocinhas e as eternas moçoilas suspirarem com aquelas cancionetas de amor e ternura. Os agora Serenos da Noite iluminavam o breu da lua, a luz do poste e o clarão da vida. Atendiam aos pedidos musicais, estendiam os chapéus e recebiam moedas. Bebiam pinga com elas, sempre regados à modinhas de Nelson Gonçalves e Herivelto Martins . Madrugavam, viviam da boêmia, como se mais de trinta anos não fizessem peso à fadiga das idades.
Então, era o ataque de Jurubeba:
“O senhor não sente falta duma mulher não ?!”
“Mulher ?!”
“É. Tu vive sozinho o tempo todo, deve de sentir falta duma mulher...”
“Eu me acostumei à solidão. Além disto, quem é que poderia me interessar ?! Estou velho, feio, enrugado...”
“Que que é isto, Seu Zenóbio ?! Tu tá um coroa muito do aprumado. Sabe quem anda comentando sobre tu ?!”
Não queria saber, porém indagou:
“Não, quem ?!”
“A Dona Neiva.”, mente.
“A bigoduda ?!”
“Oras, não fale assim dela. Ela bem que dá um caldo...”
“Bem que tu tem razão. Ela tem umas ancas...”
“Então quer dizer que o senhor...”
“Não quer dizer nada ! Eu apenas elogiei a Dona Neiva em uma característica, não significando que eu e ela...”
“Mas por que não ?! Ela tá doidinha pra arranjar marido e o senhor está a tanto tempo só...”
“Tu acha que daria certo ?!”
Jurubeba diz exaltado, tamanho foi seu espanto com tal pergunta:
“Certeza absoluta ! Faz o seguinte: aparece hoje na casa dela, faz uma visitinha, leva umas flores...”
“Sei não...”
“Oras, cadê o Zenóbio que encantava as garotinhas no passado ?!”
“Você já disse: no passado...”
“Pelo amor de Deus...”, Jurubeba ajoelha aos pés de Zenóbio, “...Tu tem que namorar com a Dona Neiva e...”
“Ué, e por quê tenho ?!”
“Ai, meu Cristo ! Eu disse isto ?! Eu quis dizer que o senhor tá em tempo de ainda encontrar a felicidade no amor...”
“Felicidade no amor eu já encontrei e a perdi...”, pigarreia, “...Licença que eu vou ver umas contas que estão por vencer...”, diz, saindo do ambiente.
“Oxi, diacho, ai, danado ! Oh, bicho do cabrungo, raiva da moléstia, pé de pato mangalô três vezes !!!”, em agonias Jurubeba tenta acender o seu fumo.

Mas tantos foram às insistências que Zenóbio acabou por dar uma chance. Era uma bela tarde de sábado e Morena já havia preparado um chá com pétalas de rosas. Uma antiga receita da família de Flor Branca, diziam ser afrodisíaco. Também foram feitos bolachas com sementes de girassol e um bolo cozido com cálice de catuaba. Era necessário reacender todo o furor romântico do casal.
Foi difícil convencer, mas Dona Neiva pôs seu melhor vestido e acabou por embelezar-se com maquilagem e perfumes. Estavam ambas à espera quando, pontualmente as três e meia, o farmacêutico chega. Trazia um belo arranjo de orquídeas.
“Boa tarde, senhoritas !”, disse meio acanhado.
“Boa tarde...”, responderam. O de Dona Neiva foi mais seco.
Convidaram-no para sentar. Já recostado na poltrona, Zenóbio tira o chapéu e o põe no joelho dobrado. As mãos suavam, esfregava-as em sinal de preocupação. Dona Neiva bufava ao ar, como se chateada fosse conveniente. Morena tentava puxar diversos assuntos, inclusive elogiando o gosto por flores do homem.
“Ora, não são nada...”, responde Zenóbio, bastante sem graça.
“Bem, vamos experimentar o lanche, né ?!”, tenta Morena contorna a embaraçosa situação.
Serviram-se. A cada gole ou nas mordidas sentiram um calor e passaram a se olhar como atraentes. Dona Neiva gostou do cheiro da colônia dele e Zenóbio percebera que os buços da senhora à frente eram o tanto quanto erótico...
“Soube que o senhor voltou a tocar...”, disse Dona Neiva.
“Por favor: senhor não...Pode me chamar de você...”
Morena então se levanta lentamente. Nenhum deles perceberam que a moça já não estava em cena. Lancharam e conversaram como namorados. Nas despedidas, promessas de se verem. Depois daquilo, uma vela acendeu-se sozinha em frente à imagem de Santo Antônio, mas Dona Neiva nem percebera... Os tempos foram passando, árvores desnudando, crianças ganhando contornos de adultas, e os encontros entre ambos tornavam-se corriqueiros e gratos. Não sabiam se ainda eram namorados, noivos, companheiros... Ainda não imaginavam ser amor, paixão, meros flertes. Tocavam as mãos, juravam palavrinhas românticas, ruborizavam-se com cada qualificação dada um ao outro. Mas Zenóbio estava decidido a ir aos últimos limites:
“Dona Neiva...”
“Oras, o senhor está cansado de saber que pode me chamar apenas de Neiva...”
“Certo, certo. Neiva, quero lhe pedir algo...”
“Bolachinhas ?!”
“Hã ?!”
“O senhor quer provar estas bolachinhas. Estão quentinhas, recém saídas do forno...”
“Ah, sim, quero...”
E Neiva estende o pote de bolachas. Zenóbio pega uma e prova.
“Estão gostosos, saborosos...”, diz.
Ela apenas ri. E ele pega um lencinho do bolso, logo o passando na testa. Estava visivelmente nervoso.
“O senhor disse que me queria pedir algo...”, Neiva quebra o gelo.
“Ah, sim, sim...”
“E o que é ?!”
“Bem, é que eu pensei... pensei...”, diz isto mexendo várias vezes no sofrido lenço.
“Pensou...”
“Como ?!”
“O senhor disse que estava pensando...”
“Agora sou eu que peço: por favor, não me chame de senhor...”
“Ah, desculpe ! Mas que devo ter respeito, afinal não somos nada...”
“Nada ?!”
“Não é isso... Digo nada de íntimo...”
“Ainda bem que a senhorita mencionou isto...”
“Não entendo...”
“Bem, Dona... digo, Neiva, venho aqui pedir a sua...”
“A minha ?!”, parece querer antecipar os pensamentos dele.
“A sua mão !”
“Como é que é ?!”
“A senhora pode até achar que é ousadia minha. Refleti muito antes de fazer tal pedido. Aí eu pensei que poderia ser uma boa para nós...”
“Você está me pedindo em casamento ?!”
“Mais ou menos... digo, sim, é !”
Neiva pega um leque e começar a abanar-se. Zenóbio não abandona o lenço e disfarça um olhar lânguido para os lados. Então pergunta:
“O que a senhorita me diz ?!”
“Bem, o senhor... digo, você me pegou de bastante surpresa...”
“Mas o que me diz ?! Aceita ?!”
Fez-se um breve silêncio. Havia apenas o agitar do leque e o umedecer do lenço. Eram duas almas tão velhas, dois solitários fadigados pelo tempo e pela falta de oportunidades. Queriam amar, terminar suas vidas amando um alguém, vencendo a solidão e a falta física dum alguém...
“A senhorita quer um tempo para pensar ?!”, pergunta Zenóbio.
Sentia que a demora da resposta poderia representar seu definhamento na masmorra da vida a só. Queria saber como era um homem e via naquela proposta a oportunidade ideal.
“Sim, quero !”, responde feliz.
“É sério ?!”
“Sim, eu quero ser a sua esposa...”
Mas do que animado, Zenóbio puxa-lhe pelo braço e, como um mocinho de cinema preto e branco, dá-lhe um ardoroso beijo. Como era bom e sensação de ser beijada pela primeira vez, a força dum braço másculo, um roçar da barba por fazer, o hálito de homem... Neiva teve um breve sentimento de flutuação, como se o chão e as coisas não mais existissem. E casaram-se no dia de Santo Antônio, sem pompas e num complicado dia de chuva. Todos quiseram ver o casamento da antiga encruada. Todos estavam lá, menos Flor Branca e Sísifo.

Flor estava inquieta naquele dia de festa. Já travava seu melhor vestido, não perderia o casamento da madrinha de sua melhor funcionária e amiga por nada. Mas havia uma agonia inexplicável, ouvia um chamado estranho, espiritual ou mais interno, não sabia ao certo. O tempo fechava-se em nuvens escuras, densas. Trovões não tardariam. A chuva era sua amiga, adorava climas tempestuosos. Abriu a janela, queria absorver o ar e a aproximação das gotas, deseja sugar as primeiras lágrimas e sentir as folhas batendo sobre sua aura. Mas ainda assim havia um pavor nos seus poros...
“Vamos, Florzinha. Você não quer chegar atrasada, quer ?!”, diz Do Céu.
“Oh, Do Céu... Vá na frente, ainda tenho que passar um pouco de rimel...”
Ao afugentar a irmã, Flor Branca previu que assim era preciso. Devia estar só para fazer o que era para ser feito. Por mais que não soubesse ainda o que era, tinha em si uma sensação de missão, como se esperasse uma luz guiá-la pra qualquer lugar. Os pingos engrossavam, observou uma pedra molhar, uma obsoleta pedra levando águas de vida, carregar pedras, a vida...
“Ai, Sísifo...”, exclamava sem querer, como um canto hipnótico.
Revirou seus sentimentos, seus passados, a infância e o fôlego de criança substituíam sua respiração. E uma abelha invadiu o recinto, fez um vôo rasante e pousou em cima da bailarina duma caixinha de música. Ela aproximou-se da cena. Uma ventania foi mais forte e derrubou um antigo caixote de cima do velho armário. Ao abri-lo, desenhos num papel e a assinatura...
“Sísifo...”, disse com os olhos em brando frágil.
E como se impulsionada por uma força extra sensorial, Flor Branca partiu não se importando com a torrencial chuva, dirigindo-se para um lugar ao qual não compreendia o porquê do destino. Veio-lhe um mapa mental e disto a segurança de fazer o certo, os sapatos de salto doíam-lhe, tirou-os então. Havia uma extrema vontade de rir, uma ânsia de chorar, via-se tão paradoxa que duvidava da sua racionalidade momentânea. Flutuava pelos paralelepípedos, desviava de ruas, os poucos que a viam talvez questionasse sua sanidade. Era um intenso amor que movia suas pernas, que criava o motriz daquilo tudo, queria uma saciação antes faltante, deseja lábios distantes, sentia-se um poeta do século XVIII. Pensava no Sísifo terno, no menino que tanto lhe conduziu para sua atual personalidade, para aquele ser que agora percebia ser tudo vão sem o acarinhamento daquela imagem que o passado brincava em não revelar antes...

Sísifo não temia os trovões que soavam naqueles céus tão azuis de negros. Tudo o que queria naquele momento era encontrar o anel e esperar o que viria depois disto. Sabia que haveria algo, por mais que ainda não decifrasse o quê. O papel do mapa já desbotara, contudo o havia decorado com precisão. Não lhe era segredo a localização da árvore onde seu avô guardara a preciosa jóia. A tamareira continuava imponente, assim como dantes na sua infância. Parecia tão centenária. Não havia fruto, mas sim um surto de envelhecimento. “Todos envelhecemos...”, pensou. Então contou os passos pedido no mapa e logo sentiu estar no exato lugar. Cavou com as mãos, a terra molhada facilitava a ação. Jogava longe o excesso, fez um buraco médio quando tocou finalmente numa caixa. Retirou-a e num movimento brusco, abriu. Lá estava o reluzente anel, uma safira vermelha, rara, a mais linda já vista...

Flor Branca recordava de cada canto mesmo com a visão embaçada pela chuva. Nada mudara desde a infância. Haviam cercas que demarcavam localidades, arbusto com suas frutas daninhas, o cantar das cigarras... Caminhou até a tamareira, observou a sua bela velhice, o casco morto, a ausência do florescer, quis ressuscitar aquela árvore só para poder aprisionar novamente aquelas lembranças que retornavam. Via-se tão pequena, no mesmo vestido de chita e fitas que lhe prendiam as tranças. Reluzia a cor violeta daquelas fitas.
Foi então que viu um vulto. Parecia uma imagem familiar, mesmo naquele breu sentiu a confiança que seu coração transmitia. Foi segura em direção ao espectro negro. Ouviu seu nome no meio daquilo tudo.

“Flor, minha flor...”, dizia Sísifo, fantasmagórico diante aquele anel. Era a única coisa que balbuciava, era tudo o que lhe via na mente. Um nome, uma lembrança, uma garotinha que andava com joelhos ralados e um cheiro de vida.
“Flor Branca... Minha amiga, meu amor...”, disse baixinho, logo gritando o nome.
Não sentiu o corpo aproximando-se.
“Sísifo...”
Virou-se e não tinha crenças nos seus olhos. Pensou ser mais uma aparição do avô. Flor Branca repetiu novamente. Sentia o calor dela. Brilhos nos olhos de ambos. Viu-a como uma espécie de Janus, dois rosto num só. O lado mulher de hoje e a criança de ontem.
Flor também o via desta maneiro, minotauro místico, duas criaturas de mesmo dorso. Estavam frente a frente, ele segurando o anel. Se abraçaram sem porquê. Teve-se a leve impressão que suas almas infantis se desprenderam e finalmente estava num elo.
“Eu te procurava sempre...”, disse Sísifo.
“Também, de alguma maneira...”
“Perdão por estar tão longe...”
“Perdoa-me também...”
Olharam para o lado. A chuva já cessara, duas crianças também se olhavam abraçadas.
“Somos nós ?!”, pergunta Flor.
“É. Estávamos eternamente juntos, ligado por nossas almas de criança. Por mais que nossos corpos e lembranças não estivessem em conexão, tudo era pura sintonia...”
“Isto um dia ia acontecer...”
Se olhavam, assim maduros, assim crianças. Desejavam aquele velho fim de filmes dos anos 40, o beijo como o começo de tudo aquilo que nunca findara. Pareciam um casal tão íntimo, a distância física em nada danificaria todo o sentimento. E se entregaram aos bruscos anseios, colaram-se para toda a eternidade dos corações. A partir daquele dia seriam um só, Sísifo e Flor Branca, e não temeriam mais nada, o amor os completaria. Do céu, aromas de rosa e o ar tão púrpuro como a alguns anos atrás, num tempo em que ambos nasceram.

Da capela de uma cidade, recém-casados sonhavam que tal fenômeno era para a ocasião, uma celebração dos deuses para a insólita união de Dona Neiva e seu amado Zenóbio...
Não é preciso dizer que depois daquilo ainda houve outros casamentos, e que filhos nasceram e todo o ciclo do mundo continuou como nos tempos de Noé. Porém saliento que o casal dos tais escritos viveram como no marasmo final dos contos de fada: se amaram até os últimos respirares, viram netos e alguns bisnetos, se divertiam ao lembrar do quanto sofreram para finalmente juntos ficarem... E fim !

(Ah ! Morena teve um meninão, que chamou-se Benvindo, apesar do protesto da mãe que nada pode fazer em relação a um pai que vai ao cartório e, num ímpeto beberrão, batiza o filho com o primeiro nome sugerido nas mesas de bares...)

(2006)