sábado, 25 de dezembro de 2010

O PRÓXIMO

Natal, nascer
Natal, nasceu alguém...
quem ?! quem ?!

o pacote de compras não sabe...
o Papai Noel não sabe...
o corre-corre sem olhar no olho, o comércio desenfreado,
a propaganda de TV em 4 vezes sem juros ou juras de amar,
o presente não sabe...

talvez eu até saiba, mas faço-me de rogado
quiçá esqueça, não lembre, não veja
que no Natal quem nasce também é meu próximo,
o próximo a quem devo amar, a quem devo acolher,
um próximo que morreu e morre pela gente,
gente que não olho, não observo ou absorvo,
povo que deixo passar fomes e sedes, sem sedes ou necessidades,
falta do que ler, aprender, apreender, criar e desenvolver,
ser que não deixo nascer...

Natal do Deus do outro - não do meu, só meu, eu só...

Outrora Natal da manjedoura simples,
dum presépio pretérito...
agora festa sem abraço, sem laços,
sem traços que unam pontos,
apenas, pronto e maquinado: Natal sem repensar nem penar...
Natal que não olho pro lado,
Natal que não é poliedro, é parede lisa
Natal de quem precisa...

Natal, nascer...
Natal, este essencial auto-nascer.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

MEU IMPROVÁVEL ALGUÉM

Alguém pra alguém, alguém pra mim...
mas não aparece ninguém, por quê assim ?!
estaria então além, no imponderável talvez ?!
se todo mundo merece, quando será a minha vez ?!
este meu improvável alguém...

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

JOSÉ, A MULHER

deusa
teu magno corpo, digno de mil elegias,
fazendo do prazer a mais sacra heresia,
e de teus lábios, bálsamo deleite;

delito então pensar assim....
delírio tão somente vê-la, conversar, saber da sua existência...
felicidade plena, doidivana consciência...
quero a volúpia do teus desejos,
quero a cama e teus cheiros,
a líbido vulcância que te faz Afrodite,
não, eu não posso te querer...

estais longe...
tão longe, que mesmo em abreviada distância,
ainda te veria em oásis.

és o José que penitas,
que não morres, que não dança a valsa vienense...
és José, mulher...
sabida feminina, não renegas o nome
nem o fardo, mas sabes ser bela
uma musa aquarela,
o dom do poeta,
o amar do poeta,
a poesia, a nudez
esta coisa sem pudor,
sabes ser o amor
sabes ter o amar...

moras na mãe do Criador
no ninho do contar,
voz muda que inibria,
és então sombria
mas ainda me alumia...

deusa,
meu encanto em horas tortas,
escorres por minhas mãos...
não estais aqui...

e então, renego-me.

EM TEMPO DE MENINO (OLHOS CEGOS)

Para Manoel de Barros

lembro-me, em tempo de menino,
quando diziam que não se podia engolir semente de melancia,

senão outra crescia dentro de você...

e lá ela crescia, crescia, crescia...
até explodir e te estrangular.

Tinha medo então,
e por isso as chupava com extremo zelo...

era um misto de prazer pelo sumo escaldante colorado
(tal qual o infante Buendía em seu primeiro contato com o gelo...)
com o austero esmero de não cometer tal deslize cabal.

Até que um dia - por mera distração ou entregue ao hedonismo rubro
e brilhante da carne em fruto –
engoli da sua semente.
Desesperei-me, tremi em temor, não dormir, não sorri...
não queria a morte eminente...
placebamente senti náuseas, Negra Nhá deu-me banho de ervas...

até que a semente saiu pela natural via escatológica...
achei tudo aquilo chato, perdeu a graça, muito real...

ver o mundo com olhos cegos
fascinavam as vísceras do meu ser.

sábado, 20 de novembro de 2010

PARA MERSAULT CHORAR

“Poesia é a infância da língua.” (Manoel de Barros)

deixarei minha obra inacabada.
eternamente inacabada;
e mesmo que o vento entorte
o caminho de meu veredar,
mesmo que o ostracismo corroa
este meu emberbe verso,
não fazendo-o emblema ou coroa,
mesmo que o amor me deixe à toa...
ainda sim,
deixarei-a...

nunca concluirei meu concluir
não escaparei do âmbar lânguido, bárbaro
dos lábios que mornam meu terçã discurso,
não descorrerei jamais aquilo que parece óbvio
aquilo que se esconde de sombras,
margem que embaça minha imagem
transcendências inonimavéis do meu ser...

serei, senão, breve, leve
pluma mais pesada que o ar,
árvore deste seguir,
atómo que junta, constrói, destrói

para Mersault chorar
pros ídolos caírem
apenas para eu decompôr...

deixarei, ad infinitum
minha obra inacabada.

sábado, 13 de novembro de 2010

COMEU

Não acreditou quando finalmente a levou pra cama. Anos e anos de tentativas vãs, grana com buquês e cartões, serenatas com um grupo de falsos mariachis, enfim... Tantas tormentas pra ela cair justamente naquela manjada cantada:
- Cerveja é boa no verão, mas você é ótima em qualquer estação, boneca...
Não se sabia se era o uísque ou alguma conjunção favorável do zodíaco, mas aquele sorriso lhe era favorável numa proporção deveras inédita... Então foi logo perguntando:
- Sgt. Pepper’s ?! (sentou-se)
- Prefiro o Magical Mystery Tour… (tirou um cigarro do maço)
- Titãs sem Nando Reis ou sem Arnaldo Antunes?! (olhou pra ela, depois pro garçom)
- Arnaldo Antunes... sem os Titãs. (também encarando o garçom)
- Cama, mesa ou banho?! (pede uma long neck e pergunta se ela não quer algo)
- Em cima da mesa, após o banho, hum... mas acho que vou de cama. (aceitando uma outra dose).
- Na minha ou na sua?!
- Qualquer uma (respirou fundo)... menos motel.

E depois, ela nua numa cama qualquer (não sabia se era a dele ou a dela. Depois lembrou: era a de um motel), uma garrafa de champanhe aberta, uma bagana seguida de comprimidos de Rivotril... Ele procurando alguma coisa no frigobar, já de cueca, exclamando escatologias... olhou pro teto e viu-se pelo espelho. Pela veneziana, uma rala chuva, pediu um cigarro. Ele notara que ela acordou, disse um bom-dia ou boa tarde, não lembrava, caminhou em direção à uma cadeira. Nela estava estendida a calça, e nos bolsos, o maço. Acendeu o cigarro e passou-o. Ela deu uma tragada e perguntou-se, em consciência, o que estava fazendo ali... Ele parecia em êxtase, feliz por estar com ela, numa pocilga qualquer, uma vidraça molhada em gotas dançantes, parecendo cena de filme francês. Pra parecer mais convincente sua analogia, resolveu sentar-se ao lado dela.
- Você gostou ?! – pergunta ele.
Ela entendeu “gozou” (talvez fosse o efeito dos entorpecentes...), mas preferiu acreditar que ele houvesse dito “gostou”.
- Vem cá: você me comeu ?! – retrucou, levando o dorso.
Ele achou absurda a pergunta:
- Cê tá brincando, né ?!
Não achou graça.
- Óbvio que te comi... e você é muito gostosa!
Continuou sem achar graça...
- Mas, como... como eu... como assim?! – indagou e indagou-se...
- Ué, foi... bem... – não sabia o que argumentar – sei lá, você tava chapada, eu também...
Respirou mais um pouco, tirou fios despenteados e que caiam em sua testa, deu mais uma tragada e voltou à retórica:
- Tu só pode tá de brincadeira né... como eu, euzinha aqui, iria te dar?! Justamente prum carinha como você...
Humilhado, resolveu (só por ironia) jogar o velho e cacoete papo:
- Sgt. Pepper’s ?!
Ela fez um “hãn” inicial e, ainda embasbacada, respondeu:
- Ah, sei lá... nem gosto tanto assim de Beatles. – achando maluca esta conversa, mas inda sim continuou – Eu curto mais os Stones.
Pensou em jogar se ela curtia o Beggars Banquet (cujo nome fugiu-lhe da mente naquele momento), mas desistiu logo quando ela perguntou:
- E que provas você tem pra eu acreditar que tu me comeu?!
- Você acha preciso?!
- Ué... lógico!
- Só o fato de estarmos aqui já não te diz isto?!
- (carinha de desdém) Hum, não necessariamente...
- Bem... e como explicar você nua nesta cama?!
- (rosto desmontado, de espanto...) Nua?!
Então percebe a sua nudez escondida por entre lençóis vagabundos...
- Ei, olha pra lá!!!! – tentando esconder o corpo coberto...
Ele levanta, dá uma risadinha de canto...
- E você acha que eu já não vi?! – pergunta respondendo a questão...
Logo conclui:
- Vi e adorei...

Ela, mesa com amigas. Fazia uma semana que tudo havia acontecido. A conversa se desenvolvia apenas neste tema. Ninguém acreditava como ela havia dado prum carinha como aquele. Nem ela...

Resolveu então negar, dizer que nada daquilo tinha acontecido. Pareceu mentira, a vergonha transparecia em rosto... Então calou e consentiu.

Ele, mesa com mais chegados. Um dia depois... Entre cervejas e cigarros, apenas um tema: ninguém acreditava que ele havia comido uma mina como aquela... Nem ele.

Mas havia um vídeo em seu celular. Nada mais foi preciso dizer...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ANTI-HAIKAI DO SOU(L)

defino-me: um hiato em certos momentos,
sou obsoleto para os amores populares,
talento ?! Levar topadas no dedão do pé...

sábado, 16 de outubro de 2010

POEMA PARA COMER DINHEIRO

Poema
Para ser feliz
Para ser lido
Para ser lado
Para qualquer ser
Para qual querer
Para declamar
Para clamar, mar...
Para comer dinheiro
Para ganhar inteiro
Para tornar-se metade
Para o dilema,
Poema...

Poema
Para parar
Para parir
Para rir da pá, do pé
Para perguntar
Para agüentar
Para sugar, açúcar
Para adoçar salgado
Para delgado
Para deleitar
Para iludir problema,
Poema.

Poema
Para descobrir
Para a cama, raptar camaleoa
Para acalmar
Para nadar
Para nada
Para dizer desdito
Para soar erudito
Para suar banal
Para finalizar o esquema,
Poema.

LIRA (NÃO VIRÁS)

Não adianta força-te, poema...
Não virás caso não queiras...
Eu, linhas num papel em branco,
Querendo torna-te moldado,
Não vens...
Não vens...
Nem tu e nem a bela dama a dar-me adeus...
Não virás.

O que tenho então, aqui despido?
Imploro e não vens, nada, nadinha...
Desgraçado poema, nefasto elixir
Venhas como o amor do marinheiro,
Venhas então inteiro, ó vinhas de minha lira!

Mas não vens...
Nuvens que nublam meu pensar,
Agonia tonta, aquilo torpor
Tentas transpor, não deixo...
Queres transportar-me num verbo quão carne,
Beijar-me em fel, traindo seu próprio espectro, seu amado irmão...

Somos faces da mesma Quimera,
À César o que é de César, siameses sem par...

Ah, poema...

PRA NÃO ENTRAR MOSCAS

minha boca
oca
não ousa
contar o que não
pode ser dito...
já foi então desdito,
assim moído,
tornou-se notório,
mas nem era
pra ter saído...

e saiu...

foi sem querer...

minha boca
de tão tola
não cola, nem se toca
que não era pra dizer...
mas agora já foi mal-dito
e vão maldizer aflito,
deste meu infortúnio delito...

vou me calar !!!!

fechar a boca
pra guardar segredos
pra não entrar moscas
pra evitar amistosas desmesuras,
ou fazer da censura
manchete nacional...

calar-se
para segurar
não brotar o segredo
fazê-lo para poucos, fiar os laços
confiar no veto, no velado tão hostil
não contar,
fechar a boca, deixar no âmago
no amargo de suas entranhas,
é só seu, não estranha
esta sensação de explodir mil
e conter pedaços.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

CASAL DE CÁGADOS

Um casal de cágados.
Ninguém sabe quem é quem - o macho,
a femêa, o beijo...
O casal de cágados.
Não fede, nem cheira,
não amam ou compreendem.
Casal de cágados,
iguais a todos os casais de cágados,
iguais aqui, na China,
no jardim zoológico
e no quintal do seu Xico.
Um casal de cágados
não é, não foi, nem será...
Não se entende a unicidade
do casal de cágado - não precisa de artigos,
de conceitos ou sentimentos...
O casal de cágados
é atemporal
não tem 12 de junho,
nem pedido de casamento...

O casal de cágados
(assim como o amor) não existe.

(2003)

A ANTI-MATÉRIA

"...Direi milhares de metáforas rimadas/ E farei das tripas coração/ Do medo, minha oração/ Pra não sei que Deus "H"/ Da hora da partida/ Na hora da partida/ A tiros de vamos pra vida/ Então, vamos pra vida..." (Cazuza)

"Os deuses são deuses porque não se pensam" (Fernando Pessoa)

Quem me olhar,
vai olhar para alguém que diariamente
vende sua alma para o primeiro indigente,
...triste e ambíguo
nascido do umbigo
como todos que me habitam...
Quem me olha
talvez distingua os relógios
que penetram meus olhos,
...e bebendo meu ego,
balanceando minhas torturas,
construindo canções ou
beijando todas as mulheres
como se a última fosse,
trsite, ambíguo, qualificado,
acabado, choroso ou apenaas um pássaro,
voando ou morto,
confundindo-se no céu e sangue...

Quem me olhar,
olhos coloridos na
minha vida sem cor,
vai saber que troquei minha alma
por uma noite com aquele corpo
...trsite, ambíguo
desfolhada
como a cena que vejo...
Quem me olha
peça talvez, como eu,
a anti-matéria
anti-coisa
anti-desejo, anti-cristão
e, antes,
o anti-anti...

quem me olha,
quem me olhar
triste e ambíguo, numa palavra:
"Os deuses são deuses porque não se pensam".

(2003)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

UMA NOVA AUTOPSICOGRAFIA

" (...) Narciso, seduzido pela fonte amena./ Se inclina, vai beber, mas outra sede o toma: enquanto bebe o embebe a forma do que vê./ Ama a sombra sem corpo, a imagem, quase-corpo (...)." (Haroldo de Campos)

Na intimidade sou só,
com minhas masturbações,
evocando ninfas;
à conversar comigo e não receber respostas,
chegando a um momento que Beethoven e livros não curam
a insana enxaqueca
do poeta-fingidor...

Eco revela a feiúra de Narciso
(porque Narciso era feio...)
que mesmo bebendo
"o embebe a forma do que vê."
descubra em si um pouco do demasiado humano.

E me vejo Narciso humano,
vendo-se tão homem, abandonado como homem, como Deus...
ou como o poeta circuncisado pela escória de um poema.

(2003)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

EXISTENCIAL

Vendo Deus
nos espectros de minhas dúvidas,
vendo-o nos olhos vendados do eu,
no sentir vendido e fundido, na descrença deste meu ego -
cego nonsense fazendo dimensão do que não sou....

para no fim sermos, apenas
cadáveres.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

DEMENTEMENTE

Para uma amiga que, sofrendo demais por amor, inspirou-me nestes versos...

Apaixonados amam demais,
amam em demasia,
amam tão qual azia, uma ânsia
apaixonados, amam...

apaixonados amam demais
apaixonados amam além da razão
apaixonados são movidos
apaixonados são todos ouvidos,
apaixonados, cegos que tateiam
apaixonados ensaiam a busca, o fôlego,
a querência, a entrega da alma...

apaixonados amam demais
demais, acima do seu si
demais em seus pormenores
demais no salitre do sândalo, do rícino...
demais, quase ensandecidos, insaciáveis, com sede e fogo...

apaixonados amam
demais, de menos, por igual
amam o amor, amam o amar, amam a paixão...
amam com compaixão, amam apaixonadamente !!!!

amam demais, apaixonados então...
buscam nos umbrais e praças, um amor aluvião;
jorrando do magma interno, deste uno tão par
fazendo-se eterno, mas desejando um findar...
daquilo que nomeiam em segredo, escancarado buscar.

Apaixonados, tão puros, amam dementemente.

domingo, 8 de agosto de 2010

UTILIDADE PÚBLICA

Entrevista dada pro blog "Bloco de Notas":

http://notaderodape-marcelo-novaes.blogspot.com/2010/08/marcelo-conversa-com-mateus-dourado.html

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

DE(S)FORMAR

“(...) No mesmo dia, floresce e vive, morre e nasce, nunca opulento, nem completamente desvalido. Não sendo deus nem tolo, ama a sabedoria. Se fosse um deus, não poderia amá-la, pois não se ama o que já se possui; se fosse tolo, julgar-se-ia perfeito e completo e não poderia desejar aquilo cuja falta não pode notar. Eros é o desejo: carência em busca de plenitude. Eros ama. (...)”
(Platão, O Banquete)

no cu
do cubo
não cabe
Picasso.

com mil passos
de um compasso,
ao acaso
ocasional, de formar
um desformar...

e o redondo
de Adorno
não adorna
qualquer dorso...

um dorso dual...
lual, luar...
lua islâmica, de cerâmica
minguante e cheia,
vermelha, redonda...

hedionda onda
é da sonda, Adônis...
apolíneo o neo, o poli,
o multifacetado...

numa triangular relação
ménage pai-filho-espírito,
feito o amor, feto da felação dormida
Pênia e Póros...

o que é aparente
somente ser só,
sóbria e sombria
sombra.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O COTIDIANO NOSSO DE CADA DIA

“...porque é do abuso que vem o vício e é do vício que vem a degenerescência, tanto do corpo como das taras morais de cada um...”
(Julio Cortázar)

Seis e meia no meu rádio-relógio, que sempre me acorda ao som de algum hit de FM. Num dia tocou James Brown, o que eu não achei incômodo nenhum. Mas naquele dia tocara uma destas músicas que minha filha de 14 curte. “Não se fazem mais filhas de 14 como nos meus tempos de 14...”, é o que penso enquanto desligo o aparelho que me acordou e dei uma olhada para aquela que dormira ao meu lado. É a mesma na mesma função há quinze anos... Dou-lhe um beijo na testa e digo um olá meio sem graça. Ela responde “Marcílio, vá escovar logo estes dentes... Teu bafo tá de matar leão...”. Meu sorriso amarelo se amarela mais... Espreguiço de vez, ponho meu chinelo e encaminho-me para o banheiro. Bato na porta (evidentemente trancada...). “Nestor, anda logo. Papai tá atrasado...”. Pensei em quem hoje em dia colocaria o nome do filho de “Nestor”... Era o nome do meu avô e fora insistência minha... O dito grita lá de dentro dizendo um já vai. Concluo que eu também já fui adolescência e também demorava nos banheiros da vida. Encosto-me na parede e pela primeira vez reparo no porta-retrato acima da escrivaninha. Lá uma foto minha e Leonor grávida de alguns meses. Esperando por Melissa, a nossa tal filha de 14.
Seis minutos cronometrados e enfim meu filho deixa as dependências do banheiro. Fecho a porta, abaixo minha ceroula de dormir e sento na privada. Pego o jornal de ontem e ainda assobio o refrão de “O Portão”. Leio a parte de política, um pouco a de esportes, dou uma olhadinha sem compromissos no caderno 2. Cagar exige arte. E algo pra ler, né ?! Me limpo, lavo meu rosto, escovo os dentes e espremo alguns cravos. Faço a minha barba e dispo-me. Entro no box, coloco o chuveiro na posição primavera e deixo o jato d’água exorcizar minha preguiça. De fora a voz nasal de minha filha em dentição de aparelho, também argumentando sobre demora, desta vez a minha própria. Logo Leonor bate mais forte e diz “Vamos, Marcílio !!! A menina não tem este tempo todo pra esperar não. Daqui a pouco a Kombi vai passar...”. Xingo e indago o porquê de ter colocado mais dois banheiros na mesma casa em que minha filha de 14 abdica pelo prazer de se arrumar pro cotidiano nosso de cada dia... Ainda com o chuveiro ligado, olho meu pau enrugado, tão velho, quase impotente pras luxúrias da vida. “O homem não devia envelhecer sexualmente...”, filosofo. “Marcílio, homem de Deus... Pela última vez: saia logo desta joça !!!”, ultimata Leonor.
Sem alardes desligo o chuveiro, enxugo-me e penteio meu cabelo, prometendo a mim mesmo que hoje sim eu iria ao cabeleireiro. Visto o roupão e saio do banheiro, onde Melissa entra apressadamente, sem um bom-dia ou um beijo... Já na mesa de cear, sento-me e parto uma fatia de mamão. Nestor chega e diz um “oi papai”, pegando uma maçã e pedindo a mãe ovos mexidos. Coloco café numa xícara e adoço-o com duas colheres de açúcar. “Olha sua diabetes...”, reclama minha esposa. “Hoje é dia 15, né ?!”, pergunto. “Sim... Dia de pagar o cartão. Tenho que fazer supermercado. A casa tá às moscas...”. Não confirmo, apenas digo uma onomatopéia qualquer. Melissa adentra a cena e logo pede “mãe, posso pintar o meu cabelo...”. Leonor nada diz, apenas me olha como se esperando uma atitude de pai. “Pra quê você precisa pintar o seu cabelo ?”, pergunto. “Ah, pai... As meninas todas do colégio tão pintando...”. “Mas você não é qualquer uma...”, contra-ataca Leonor. “Poxa, deixa mãe... Só uma mecha, bem clarinha, quase não vai dar pra perceber...”. Novamente minha cônjuge me encara. Melissa também, dizendo um por favor quase inaudível... “Sua mãe é que decide...”, respondo saindo e argumentando que estava atrasado. Melissa cai num choro em berro, Leonor grita por meu nome e diz que não agüenta mais aquilo. Nestor coloca os fones do seu MP3 e reclama pela demora dos ovos. Olho para o relógio, sete e onze... Tranco-me no quarto, retiro o roupão e ainda de cuecas escolho a calça e o paletó de “proleta”. Rio do apelido que dou às vestimentas e ligo o rádio-relógio na estação que toca música nacional. Era o horário que tocava muito soul e naquele momento rola um Jorge Ben das antigas. Cantarolo o “Bebete vambora...” e digo uns trá-lá-lás que denunciam minha ignorância sobre o resto da canção. Visto-me na ordem comum, antes porem passo uma loção que ganhei num amigo-secreto. Decido pela gravata vermelha e observo se não esquecera nada que deveria levar na maleta de trabalho... Olho-me pela última vez no grande espelho do armário e penso nas pernas da nova estagiária, jovem, uns vinte talvez, olhares maliciosos... Era sexta, quem sabe um chopinho...
Desço, dou um beijo na patroa e carona aos pequenos que perderam o escolar. Ligo o rádio do carro, noticiários sobre o trânsito, uma antiga canção de Dylan, meninos do farol fazendo malabares, as pernas da estagiária... Penso em voltar a fumar e não atendo ao celular que anunciava o número de Leonor. “Tsc,tsc... Este meu cotidiano...”, penso alto e esmiuço um sorriso.

(2007)

FURTA-COR

sentir-se
peixinho verde
no meio
do mar vermelho,
enquanto o espelho
solene(mente) reflete: “perde, perde...”

assim é...
ou seria assim do azul
se todos gostassem do rosa,
(nunca deixando seu rosar - mesmo tendo o sobrenome inimigo...)
um furta-cor
dança das cores,
a junção do tudo,
unção de todos, uma canção no ar
poema do mar
domar instintos...

dum mar sem cor
mar sem azul ou blues,
empresta-me então sua cor
e assim serei mais um...

assim serei sim,
o sim que encaixa nos nãos
terei o rubro de suas veias, o chamar de suas velas
mil tonalidades de aquarelas
nas querelas de um ser comum.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

ESTRELA POENTE

Para Bethânia cantando "Invocação"

verves,
palhaços e arlequins
tocando oboés e rouxinóis,
arcanjos são tão anjos, demasiados homens...

vermes,
inverte inerte
a estrela poente,
ponta rente duma ponte qualquer...
dominam, dolentes, gigantes invisíveis
como num grande cosmo,
como algo que sugasse...

aedos, árias
pátrias dum só corpo,
exército, mar, poemas...
eles virão sem dar alardes!
eles cantarão em mil alaúdes!
chegarão e romperão a vida, arrebatador!

A ode será carochinha,
a chacota reinará verdades, soará os sinos!
o insosso fará de ossos, ouro
e de mouros, vis jacobinos...

e tudo será revolução
e tudo será a metamorfose, a necessidade de mudar,
de triunfar o oprimido
fazê-lo comido, digerido sem ruminar
engolir cuspido, salivar o gosto
aliviar, aluviar...
deixar correr e transformar...

tudo é vão,
nada é pequeno...
se a alma, não...
valerá a pena então...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O NUBLADO

A base da solidão
é o encontro que não há,
luz do fim do túnel, labirinto dos instintos;
solidão, labaredas de fogo e rícino...
coisa mesquinha e daninha, enfadonha...
torpor em ócio-ópio,
solidão:
encontro das almas no umbral dos esquecimentos...
alma sem par
sem pavio, sem a chama da vida, que a corrói
feito a morte das estátuas;
solidão que me deixa náufrago, sem nau
sem fantasmas shakesperianos ou fumaça para revelar
o nublado...
a solidão é frio no nosso exoesqueleto,
é amar antes o adjetivo,
subjetivo sem objetivo,
sujeito-objeto, figura seca...

a solidão é este nonsense que me faz escrever,
gravar, rupestre, esta coisa selvagem...
ou coisificações do puro...
Solidão é o que me faz pensar num você antes do meu ego,
o que transforma o eu no que se perde, no que se cria,
solidão é andar cego e achar caminho
solidão é lidar, lindamente lidar
com espectros que procuram-me,
não acho...
não me acho...
achismos, somente
sementear...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

LOBOTOMIA

O Ser e
o Nada
nadaram
no logos...
logo no Lego do criar:
da cria e
do cio...

namoraram
e pariu-se, apeiron
a essência e a existência:
gêmeas siamêsas,
existiram antes de ser.

E tudo isto só Sartre viu...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

ÚLTIMO SUSPIRO

“...Vertigem visionária que não carece de seguidor/ Nu com a minha música, afora isso somente amor/ Vislumbro certas coisas de onde estou...” (Caetano Veloso)

mesmo que tudo tenha dado avesso
mesmo que o instante não seja um presente dádivo,
ainda sim o amanhã virá ao abrir meus olhos,
minha boca ressecará as palavras amenas,
minhas lembranças me devoraram tal qual Cronos,
e eu então condenado à masmorra dos julgamentos...

Estarei sim “nu com a minha música”
ou sozinho com o meu twitter...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

MENSAGEM PE(R)DIDA

O tédio vem com seus tentáculos,
tenta, cria obstáculos
labirínticos laços, passos e compassos...

O tédio vem com seus quilos,
ou com seus 140 caracteres...
o tédio de caráter pérfido
de vontade perdida, desejo de não ir...
O tédio voa, sábio
donde o sabiá faz suas entranhas,
o tédio devora, estranho, a minha razão
fazendo-me poeta gótico,
embaçando meu sistema óptico, cuspindo na minha cara
e dizendo o quanto é caro
tirar a minha satisfação de ser...

O tédio vai, tufão
o tédio, embasbacado bufão
da minha commedia dell'arte insana,
o tédio trepa com minha vontade de trepar,
o tédio substancia minha necessidade de não estar,
o tédio ruboriza o mar,
o tédio zomba da minha querência de amar...

tédio, amigos não virão
tédio, a garrafa secará
e nem trará sinal,
tédio, dama que não vingará
tédio, a castração do meu voar...

tédio, ódio do ócio
o tédio é estes dizeres sem par.
Tédio é o amargo e fel infiel comer,
tédio, tédio, tempo, tempo
tic-tac que não traz,
troca que não jaz,
aviso ao acaso, casa sem merecer...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

MONOGRAMA

Um dia os outros me ouvirão...
ou verão quantos verões
pode fazer uma só andorinha - eu.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

TITULAR (ETHOS CASULO)

“Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos.” (Fernando Pessoa)

Quis sempre fazer música.
Fracassei –
virei poeta.

Desde de menino imaginava-me astronauta.
Fracassei –
virei poeta.

Desejei ser o mais bonito, ter a menina.
Fracassei –
virei poeta.

Fracassei – virei poeta...
virei poeta...
virei pó...

um ethos casulo.

A PORRA DO AMOR É DESGRAÇA...

um dia se ama, no outro não...
e aí a roca da vida tece outros tecidos,
uns parecidos, outros exclusivos...
vindo assim, vide incisivos
arrebatador, como dor em anestesia...

Mas aí você não é amar...
Não sou suficiente ou sustento,

então, por que insiste o amor nesta total eugenia ?!
por que o outro ?! O outro do outro ?!
por que os infernais outros, por que não eu?!

CANTIGA

minha rua,
ó deusa da minha
lua,
nua na sua
náusea,
na sua nau,
num dourado sonho:
ser nobre de sua rica e pobre plebe.

ausência
da minha deusa...

ladrilhar
minha lua,
com seus olhinhos de brilhantes,
olhos de se embriagar...

com pedrinhas, com pedrinhas...
rua sem graça, espelhos da minha mágoa...

minha rua
deusa, se esta assim fosse...

tão somente para o meu amor passar...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

VERDA

“Verde carne, tranças verdes,/com olhos de fria prata./ Verde que te quero verde...”
(Romance sonâmbulo, Federico Garcia Lorca).

Verde que te quero
ver
de
verda
de...

ver-te que
quero
verte,
de vê-la,
(in)verter ou (re)verter;
(ver)da
de ver
dádivas veredas...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

ALEGRE

lapidar palavras,
podá-las, fazendo-as
o que há de mais
alegre...

assim paro, vinagro-me...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

RESPONDAM !!!!!!!!!

nesta vida onde sigo torto,
corda bamba nas certezas do outrem;
oráculos que sempre me determinam
ser um gauche ad infinitum -
quando estarei, finalmente, certo ?

quando me ouvirão,
ou verão ourives nos meus dizeres ?
é, no entanto, Midas
apenas outras vidas,
outras vozes, outros vasos...
estaria então, nos acasos
eu, sempre cego
sempre débil, imobilizado em tudo?

decerto errante,
de certo, deserto -
perto, miragem... longe, acre aragem.

NA MINHA ROLLEYFLEX

Tim Tom
Tim Tom
Tim, som
Tom, sim
Simonal...

Bim bom
Bim bom
bom bim, no bamba, no samba, na valsinha...
na vitrolinha, na minha Rolleyflex,
na batida de João, canção de lavadeira,
subindo ladeiras e preguiças, novas dimensões...
em qualquer lugar assim...

Naná Tim
Tim Naná
Batuque, voz,
Voz, batuque, veloz, veloz...
Batucar
Nana no Tim
Na voz, Nana no Tim
Nana no Tom, Naná
no ninar, nanar
luar, mar, cantar...
na capoeira, estribeira, Minas...
Milton,
Tim Tom
Tom Tim
tontinho, tontinho
quietinho, solinho
carinho Tom, bom
matita, matita,
maldita, dita, tá bom ?!
não tá, talvez, tê, ti...

batu... bati... bater, tum-tum
no tom dum corá... coraçoar...
na batida-coração, cor... batida bandida
Tom Tim
Tim Tom
tim-tim, o tom...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

CONDIÇÕES

se não luta, estagna
se estagna, estanca...
se estanca, sangra, arde
se pára, não vai
não vai
não voa
não ai, não ar
não ara...

se não ora, horas
se orar, o céu
se cear, ao léu
se ler, entender
se tender, lado
de lá, de cá, outro lugar...

e aí se formar
firmar-se, nunca envergar
enxergar chagas e chegas,
ir, parir ideias e ideais...
certeza de ser, descer subir no rio,
assobio tocar, toca de se achar
abrigo esconder,
condor no seu pousar,
ousar sendo dádivo,
gritar ainda tácito,
ácido em êxito, doce êxodo...

se não, será então
senão um mero não,
mão sem saber fiar
ou fé sem se confiar...
mas sim, assim
tornará forma, sabiá
saberá saborear, provará e testará
irá na mira, mirará
e o que alcançar, canção será,
apenas se...

segunda-feira, 1 de março de 2010

DRUMMÔNICO

O poeta de um mundo caduco
(não ser...)
O caduco de um poeta mundo
(ser não...)
O mundo de um caduco poeta
(não-ser...)

E assim, drummônico, seguir
pedra, flor feia, Chaplin gauche
retrato na parede, hoje beija...
na morte do leiteiro, no meio do caminho
sei não, José...
ser não, José...
o mundo, o poeta, caduco agora.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

INFINITUM NIJINSKI, AO SOM DO “CUBAN SOUL – 18 KILATES”, DO CASSIANO.

“Eu só acreditaria num Deus que soubesse dançar.” (Nietzsche).
“Ouse fazer e o poder lhe será dado.” (Goethe).


dançar é ousar,
ousar, poder.
E dançar é poder mover as moléculas no ar,
dançar é movimentar, ventar ou nublar-se,
constatando que só haverá Deus se ele assim souber dançar...

dançar é verter, volver,
fazer, num auto-círculo, uma coberta interna,
isolar-se casulo,
insano solar,
solo, passo, piso, chão...
dançar é comunhão
impulsionar, anima, animus;
pulso, punho, mão...
pé, fé, felicidade...
dançar, estar-sendo de todos
povos, ovo, zigoto, fecundo...
dançar e ser do mundo, assim catapulta
alavanca, margem, afluente,
dançar e ser cura, milagre, cinema, luz
dançar e ser um mero deus, carne e pão
ser o sangue, nativa, um rabisco, um rascunho
desenho na palma, no destino
equilibrista de si mesmo,
esmo, esmero, esmeralda...
dançar e traçar-se, ser ângulo, ser balanço
ser laço, ser lança,
ser, enfim, dança...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

NO QUE PENSAR...

Tem pessoas de ir, pessoas pra voltar, pessoas “yin”, pessoas “young”... Tem pessoas que valem um abraço, tem outras pra quem não se daria nem dedo ou braço, têm pessoas que devem, pessoas pra dever, pessoas de direitos, pessoas que choram, de maré e de mar. Tem pessoas pra se amar, pessoas pra se sentir, alguns medo, alguns calor... Pessoas pra se ler um Pessoa, um Rosa, dar uma rosa e exalar os começos. Pessoas que começam, meçam, pessoas pequenas, grandes, de grandes olhos, de enorme coração. Pessoas pra se dedicar poemas, pessoa-poesia, pessoas que serão musas, os narcisistas, os estóicos, os mais-ou-menos, os menores e os sensuais...
O que há mais no mundo são pessoas. E de todos os tipos. A genética ainda é a mais pop-moderna das artistas, e o sexo, sua mais sublime inspiração. E foi com este pensamento que Isolda indagou quando lhe vinha, em caprichosa mensagem de sua mente, a visão quase espectral de Mariano. Tanta pessoa no mundo para imaginar, e logo lhe vem o rosto do namorado da melhor amiga?! Achou aquilo mais um conto banal escrito por alguém, fechou os olhos e quis que tudo não passasse de pieguismos que a vida, num assalto breve e provador, apenas brincava bufão, dentro do seu pequeno mundinho... Tentou mascar chicletes, nada... Resolveu uma conta de álgebra, não sumiu... escutou por duas vezes o CD do Pedro Bial que pedia uso de filtro solar, Mariano parecia mais próximo... quis um chicote, uma auto-flagelação, ajoelhar em cacos de vidros, quis um raio punitivo dos céus cristão... Tomou uma ducha, fez um pudim, recortou figuras duma antiga revista, acendeu um incenso, Mariano, não... concentrou-se no artigo que tinha que entregar, pensou em Joplin cantando “Summertime”, amassou um papel e jogou-o, em forma de bolinha, na lixeira... Mariano parecia cada vez mais perto... e o olhar de Isolda também... então acendeu um cigarro, mas lembrou-se das promessas de não fumar e da outra que dizia justamente em cumprir todas as antes prometidas, chegou a pegar a bolsa e dar uma volta no parque, na feirinha da esquina, num brechó em liquidação... Interfone tocou e quis que fosse Mariano. “Não, não estou interessado numa vida com Jesus...”, disse e logo recriminou-se dos pecados imbuídos em algumas respostas... Respirou fundo, não pensar em Mariano, tossiu, não pensar em Mariano sem camisa, cogitou ficar só de calcinha pela casa, pensou em Mariano sem camisa e masturbou-se...

(2008/2010)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

AQUELA NA CABEÇA

Um Tom no som,
aquela na cabeça...
a sensação do ir, do ar,
do mar a ir e vir...
e aquela na cabeça...
qualquer viagem, qualquer musa,
qualquer miragem, qualquer voltar...

aquela na cabeça
uma pequena, uma saudade,
pequenas saudades
qualquer saúde ou saudação,
aquela na cabeça...
tão fumaça, tão lisérgica
tão mágica, enérgica...
telúrica, surrealista...
aquela na cabeça.

SAUDADES DE JANEIRO

Já não se fazem mais janeiros como antigamente...
saudades das férias escolares, de brincar na chuva,
das chuvas e das brincadeiras...

Hoje, ao janeiro - tão somente-apenas um calendário,
só me resta contas, contar, contratos...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

DIVAGAR DEVAGAR

fazer
poema:
traçar
dilemas
traço-
-eiros...

eira,
sem beira
nem
em
quando
enquanto...

pegar a palavra
do saco,
caco
do mosaico,
prosaico divinar...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

PR'ELA

quero um amor
quebrado
filtrado
colado
decantado
roubado...

quero um amor
apaixonado
transformado
iluminado
engessado
louvado

quero um amor
namorado
aluado
ensolarado
mutilado
ousado
usado
de lado
encantado...

quero um amor
peneirado
coalhado
molhado
ensinado
encurralado
maltratado
visado
humilhado

quero um amor
enrolado
empossado
enterrado
multiplicado
somado
enjaulado
libertado
qualificado...

apenas querendo, no fim, um amor
amado.

ILÓGICA LOUCURA

Acredite:
poesia não é fábula.
Medite:
poesia não é bula.

Então por que procura
tradução no que escrevo?
Meu verso pode ser ilógica loucura,
e classificar-me, oras... não me atrevo!

IGUALDADE

nem todo mundo é igual,
mas querem que eu seja igual
aos outros – e ter carrinho do ano,
ser de muitos, o soberano,
um doutor qualquer...

e qualé a dor, me diga qualé a dor
que sana um coitado que nada quer ?!
que nada quer...
que nada quer...
ou que apenas quer
ser alguém de outro alguém,
ser um alguém diferente
um destaque no meio de destaques,
um ser, nada mais...

e por que você não vem ?!
ou por que não tem
um mínimo de consideração,
e venha logo em condecoração;
apunhalar-me coração
como flechas dum cupido vão ?!

eu
tendo esta difícil missão:
ser eu;

este ser entre entes,
iguais ou diferentes,
procurando assimilidades ou paradoxos,
humanos céticos ou ortodoxos,
de invariável ou muitos sexos...

o curso do meu rio independe de concursos,
posso bifurca-lo em várias margens,
o que é viagem pode ser mil passagens,
passando ou não pelo mesmo cio...

cio – crio
crio – cio
e assim vão-se meus créditos...
cio – crio – ceio
crio, ora cio
ceio, oras seios;
cio e crio
meus cricris
vindo como um deleite, um manjar
ou talvez já tão manjado:
quem controla o inédito ?!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

SERMOS NOVOS

Sermos novos.
sermos sermão,
a mão do novo,
sermão do povo,

ser mão do povo,
sermão do novo,
sermão do sermos,
sermos dos servos,
a textura da mão que caleja;
o texto, ser da mão, que no cajado
se faz, calado, sermão de novo...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

ENSINAMENTOS II

Ainda pensando, cá com meus botões,
na reflexão que ora caiba:
seria a Lycra que fermenta a bunda
ou a bunda, esta sim fermentada pela Lycra ?!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

HAIKAIS NONSENSE

pássaro cagado
é pio calado,
é cágado que não sabe nadar.

gago gag-gag-gaguejando gags,
algo cego atrás dum logos,
lago qualquer convertido em Lego.

ou um samurai a djavaniar,
fazendo haikais de endoidar,
cometendo arakiris, entoar : iaaaaaaaa... ai !!!

O VELHO CHAPÉU DO MOÇO

Acolá,
aqui ou lá
aquilo que o faz
instante e estante,
antes, distante
meras dissonâncias...

tão inconstante quanto o mar,
ou quando a onda se quebra
e a pedra não fura;
do furo no futuro jorra o passado, já diz o profeta
da seta, a ordem certa
da cerca, o que nos acerta.

pretos, brancos,
preto e branco, em sépia
olhos de lambe-lambe que capturam:
indócil cachoeira gritante, rio dividido
meu riso, meu pranto
rebento meu, ventre parido...
vento árido, moinho... mover das horas

no tempo do pé de manga,
nas mangas e abotoaduras, botas, aberturas...
o tempo no pé do menino,
o tempo no sapato do homem,
no velho chapéu do moço;

o mundo é tão antípoda, amigo...
o mundo é antítese, gênesis
e luto.
o mundo, nossas epifanias cotidianas:
quando o tempo tempestade...
quando o tempo temporal...

domingo, 3 de janeiro de 2010

ENSINAMENTOS

Pensando, cá com meus botões,
numa reflexão profunda:
seria a bunda que tornea a calça
ou a calça que tornea a bunda ?!