sexta-feira, 25 de novembro de 2011

PEÇO PREÇO

peço preço por você;
peço algo bem vil,
um preço bem bacana,
podendo ser pago em mil prestações...

peço o laço dos seus beijos,
os abraços do seu olhar,
aquilo seu que me deixa bem...

cobro sua sombra que me cobre,
sua alma em momentos de calma,
a palma da sua mão que completa a minha...

quero o suor do seu instante,
sua lágrima que quara meus quereres,
o ser de seus seres,
o logaritmo que me norteia...
desejo a teia que me prende a você,
a cadeia de nossas conversas,
a algema que nos torna um...

peço preço
seu endereço...
seu começo pra eu findar,
afinar este equalizar,
localizar seu amor
e nele me preencher,
lhe encher das minhas luas cheias,
entrelaçar seus dedos e fazer da comunhão
um refúgio só nosso...

domingo, 20 de novembro de 2011

VIRÁ

ela virá, vocês verão...
ela virá
não importa a época ou o verão,
na primeira primavera,
no inferno invernal...
ela virá
e irá revolucionar,
acionar a bomba que há no meu peito,
cair do parapeito e dormir em suas asas,
fará leito dos seus cabelos, suas tranças
das traças dos tempos, fará presente meu futuro
será a linha da vida nesta colcha que costuro...

ela virá, certamente..
talvez de repente,
quem sabe duma vez...

ela virá e envolverá
meu ser, será alguém que verá
o quão sou além,
a lembrar que sempre estarei ali,
comprovar que meu amor é comunhão...

ele virá, tenho certeza...
mas, será?
não tenho firmeza...

virá, será?
o tempo passa, ela não aparece...
me pego acreditando em miragens,
me apegando a viagens
no qual vejo ser totalmente inutéis...

mas não há mãos amigas
que me apresentem alternativas,
não há ao menos uma voz ativa
que grite e solucione mais a minha solidão...
não há, não...

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

TRECHOS

Para Gonzaguinha...

amor, vem ver o ínfimo tempo...
ele é tão eterno e dói...
verá o verão, verá...
será o ser, será ?!
ou um trecho, um fecho éclair...

vendo ruas, suas mãos
e vias, veias
suar sua mão nua, na minha...
caminha na linha do trem, do treco
dos trechos, na linha da vida
nas palmas que contraem, palmas
na mão que aperta, coração
nas mãos que se encontram, coração
na cor que nunca se faz vão,
e se refaz então
como um primeiro nascer,
nasce então, sorrateiro descer
saber levantar e ventar como um assobio...
brios: viver ainda continuará sendo um sopro...

amor, vamos volver e revolver,
revirar e estancar o pó,
cantar enquanto só,
nó do novelo, velar e lavar
pra não esquecer o velho,
renovar assim, uma nave a navegar preciso,
quando tudo é tão impreciso,
quando a sina são cenas e obrigados...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O AGUARDADO

os opostos se atraem;
os gostos até se traem,
mas os sabores das bocas
podem ser amores,
pode ser mero acaso,
um esmero sonho, o aguardado...

aguar o desejo caduco,
torná-lo novo em esperanças...
será a renovação que alcança
ou a espera que cansa?

dizem que virão...
ninguém me oferece atalhos pra isto...
eu mesmo não me ajudo...
ela definitivamente não virá...
eu sozinho...
contemplando a estúpida felicidade alheia...
mais do que torcerem, não seria mais fácil um sim?
Não entendo...

PÉROLAS AOS PORCOS

Um amigo, mesa de bar. Chega o outro, avista-o...
- Ananias, você por aqui ?!
O primeiro, cara infeliz, apenas o observa; logo beberica de seu copo...
- Posso me sentar ?! – pede.
Ananias faz positivo com a cabeça.
O outro pede um chope ao garçom e logo indaga:
- Ananias, que puta cara é esta, camarada ?!
Ananias não conseguia lembrar o nome daquele sujeito. Mas achou que deveria desabafar...
- Ah, assim... Sabe a Pepê ?!
- Sua esposa ?!
Ananias desconfiava, cada vez mais, que não conhecia tal cidadão. Mas confiou-lhe voto: precisava mesmo desabafar com alguém...
- Sim, ela mesma...
- E o quê tem ela ?! – logo chegando sua bebida.
- Cara, você promete não contar a ninguém ?!
- Juro sigilo...
- Olha, vou confiar mesmo... – achando estranho fazer tal cena, já que ele jurava que não conhecia seu confidente...
- Conte, Ananias, conte...
- Ai, não sei se devo...
- Ananias, não sou seu amigo ?!
“Não, não é...”, pensa esquizofrênico.
- É, é sim...
- Pois então... Sem acanhamentos, conte vá...
- Tá certo então... Sabe a Pepê, né ?!
O outro, enquanto bebe de sua cerveja, faz sinal de “prossiga” com o dedo.
- Pois então... Somos casados a três anos e meio... – achou que deveria informar aquilo à aquele “estranho conhecido”...
- Sim... E ?!
- E assim... Tavamos tendo uns problemas na hora do... bem, do...
- Do ?! – com o “o” bem prolongado...
- Na hora do... – engasgava-lhe falar aquilo. Nem tinha certeza se conhecia aquela figura.
- Ananias, não faça cerimônias... Sou seu irmão, brother... Conte mesmo, vá...
Aquela situação toda começava a lhe atacar o estômago. Precisava dum sal de frutas, precisava desabafar...
- Ok: nós tamos com um problema na hora do rala-e-rola, da transa, de fazer amor... – logo achou desnecessário tantos epítetos sexuais.
O outro segura o riso, mas logo sorri amarelo...
- Bem, Ananias... Isto é comum, sei lá... Vocês já tão a tanto tempo juntos... Quantos anos mesmo?! Cinco anos ?!
- Não... Três anos e meio... – cada vez mais desconfiado que deveria encerrar a conversa por ali...
- Certo, três e meio... Mas qual é o problema de vocês dois ?!
Temia que ele lhe fizesse esta pergunta. Pensou em censurar tudo aquilo, mas algo lhe prendia para tal decisão...
- Assim... Ela tem uma espécie de disfunção...
Achou que uma explicação científica afastaria a curiosidade daquele (certamente) estranho. Contudo ele continua:
- Disfunção ?! Como assim ?! – pergunta, enquanto pega uns amendoins dum pires.
Ananias achou invasão de privacidade ele querer saber detalhes, achou canalhice ele pegar do seu amendoim, achou ultrajante aquele maluco estar naquela mesa, conversando como se lhe conhecesse de vários anos... Mas será que não conhecia mesmo ?! Sua mente oscilava inconstante...
- Você promete guardar segredo ?!
- Prometo sim, Ananias... E quando foi que lhe falhei ?!
Ele não sabia. Ele não conhecia, não lembrava daquele indivíduo...
- É, nunca...
- Pois então... Conte, vá... É bom a gente se abrir nestas horas...
- Bem, antes eu achava que tinha uma vida sexual feliz ao lado dela...
- E não tinha ?
- Bem, eu achava que tinha. Até que um dia conversamos e descobri que ela nunca tinha tido um orgasmo...
- Ah, Ananias... Isto é comum. Quase todas as mulheres fingem orgasmo na realidade...
Começou a sentir raiva do “Isto é comum” dele. Pensou instantaneamente em pagar a comanda, sair daquele bar e ir direto pra casa: hoje iria passar uma sessão de filmes do Humphrey Bogart na TV a cabo...
- Só que ela me confessou que gozou de verdade comigo uma única vez...
- Hum, que bom... Quando ?!
- Olha: o que vou lhe contar é extremamente confidencial. Nem sei ao certo porquê devo falar disto contigo...
- Ué, Ananias... Somos amigos. Amigo é pra isto, desabafe mesmo...
Sabia que não eram amigos, cada vez mais sabia disto...
- Ela me confessou que teve um orgasmo no dia em que demos uma rapidinha durante um show do... do...
- De quem, Ananias ?!
- Ai, tenho vergonha de dizer...
- Vamos lá, diga aqui pro seu chapa: diga-me, vá...
“Preciso mesmo dum antiácido...”, pensou.
- Do Guilherme Arantes !!!
O outro se conteve pra não soltar o riso – fora impossível...
- Perdão, Ananias... Você disse Guilherme Arantes ?!
- Sim, disse sim... Agora descobrimos que ela só entra em orgasmo ouvindo a voz do Guilherme Arantes...
O estranho indivíduo solta apenas um “caramba”. Ananias prossegue:
- Parece insanidade, mas é verdade... Há um mês só transamos ao som de Guilherme Arantes. É “Êxtase”, “Meu mundo e nada mais” direto... “Fã n° 1”, por exemplo, a deixa nas alturas !!! “Pedacinhos” então... Nem se fala !!!
- Putzs, cara...
- Agora fico com “Adeus também foi feito pra se dizer: Bye bye, so long, farewell...”na mente o dia inteiro !!! Até parece mantra, Não agüento mais...
- Rola até com “Planeta Água” ?!
- Moço, nem fale nesta... Eu broxo só de ouvi-la !!!
- É, Ananias... Sua situação não tá boa não...
- Homem, eu odeio Guilherme Arantes !!! Acho que agora sou eu que vou ter uma disfunção sexual...
- É, tá russo mesmo... Cara, o papo tá bom, mas infelizmente tenho outro compromisso. De boa: compre um protetor auricular ou põe um chumaço de algodão no ouvido. Talvez até resolva... Ah, paga este chope pra mim, valeu ?! Em nome da nossa velha amizade...
E sai rapidamente. Ananias então abstrai aquilo tudo, a começar pelo nome: seu nome não é Ananias !!! Olhou rapidamente seu RG e constatou:
- Damião Henrique dos Anjos... Ah, filho duma pu...
Antes que completasse o palavrão, repensou o conselho dado: uma mínima surdez na hora do amor em nada imacularia a coisa em si... Sim, é isto !!! Pensou em correr atrás do já declarado estranho e apertar-lhe as mãos, dá-lhe um maço de cigarros ou até as chaves da casa de praia, mas conteve-se a apenas girar o dial na hora que o rádio do carro anunciou mais uma do Guilherme Arantes...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

VERSÃO DOIS DO MOMENTO UM

Típico programa dominical, aparece atenuante figura:
- Ôêêê, começamos mais um “Namorico na TV”... É com você, Bombardim !!!
Após os reclames, aplausos. Um contra-regra me empurra, adentro o palco. Mais aplausos... O apresentador me cumprimenta e diz:
- Mas você é o Amadeus, certum ?!
Logo percebo que há um crachá em minha lapela, escrito meu nome em letras garrafais.
- Mas meu filho é mudum ?! – comenta o sujeito de cabelos entopetado e acaju. O público ri.
- Nã... não...
- Então você está aqui atrás duma namorada, certum ?!
Sorrio amarelo.
- Mas diga: tá ou não ?!
Apenas confirmo com o balançar de cabeça...
- Vejo que o garoto é tímido, não é publícum ?!
Em uníssono, a plateia responde um “sim” cheio de “is”...
- Mas, sente, sente...
Há um sofá enorme, em formato de coração... Sento-me nele. O animador fica ao meu lado. Olho para o auditório, uma placa no teto acende em neon, com os dizeres “silêncio”...
- Repito: você tá atrás dum grande amor, estou certum ?!
- Tou sim, seu Mílvio Mantos...
- Você não tá conseguindo arranjar namoradas no mercado, meninum ?!
O público ri. Uma espécie de coreógrafo tenta acalmá-los...
- Não, seu Mílvio Mantos... Tá fácil não...
- Mas você se esforça ao menuns ?!
- Eu tento, seu Mílvio...
- Sem sucessum ?!
- Assim, vez em quando eu até bico aqui ou ali... Mas nunca pinta nada sério...
- Sei, sei... Mas qual é o problemam ?! Você até que não é um rapaz de se jogar foram...
- Acho que o problema é que sou muito eu, saca ?! As mulheres não me agüentam por mais de quatro horas !!!
- Certo, certo... Mas vejo aqui nas minhas fichas que você está interessada numa rapariga, corretum ?!
- É, é sim...
- O nome dela é Anna Lud, estou certum ?!
- Tá sim, seu Mílvio...
- E ela é muito bonitam ?!
- “Elas”, o senhor quer dizer...
- Como assim “elas” ?!
- Elas, tipo... Ah, chama aí que o senhor vai entender...
- Ai, ai... O mocinho sabe que bigamia é crime no Brasil, não ém ?!
Mais risos de velhas gordas e jovenzinhas em faniquitos...
- Bem, bem... Que entre então “as” Anna Lud !!!
E logo os aplausos dão lugar à reações de espanto. Mílvio Mantos não se contem:
- Mas são gêmeas siamesas ?!
Anna Lud – ainda sem me vê – cumprimenta o comunicador, apertando-lhe as mãos...
- Acho que a primeira vez que vejo uma coisa destam...
- Ah, existe primeira vez pra tudo né... – diz apenas uma das cabeças.
- É verdade, é verdade... Mas, mas... Você nem imagina que tá de flerte contigum ?!
- Ai, sei não, seu Mílvio...
- Nem desconfiam ?!
- Não, não... Tou curiosíssima pra saber !!!
- Teria alguém que você gostaria que fossem ?!
- Ah, tem vários... Não sendo o insosso do Amadeus, de resto tá ótimo...
- (ri) Certum, certum... Mas, (ri com mais força) antes de vermos quem é o mentecapto, me mate uma curiosidade: neste tempo todo, vocês nunca quiseram se separar ?!
- Ai, seu Mílvio, aproveitando o espaço me dado, eu queria pedir pro senhor...
- Mas você está confundindo os programas. Aqui não é o “Porteira da Esperança” !!! Vamos logo, venha ver quem é aquele que tento o quer, venham...
Anna Lud se aproxima, Suo frio nas mãos... Finalmente ela me vê:
- Amadeus, não acredito...
Respondo com um inaudível “oi”.
- Não acredito que é você... – diz, sentando-se ao meu lado...
- Pois é, pois é...
- Cara, você é louco mesmo. Eu já não te disse que entre a gente não rola nada ?! O que você pretende afinal ?! Me matar de vergonha em rede nacional ?! - Neste momento as duas cabeças falam ao mesmo tempo, entrando em total desconexo.
- Mas, Anna Lud... Eu gosto de vocês de verdade, é amor...
As gêmeas entram em acordo e uma delas começa o sermão:
- Amadeus, cara... Eu já disse que meu carinho por você é de irmã, de amiga... Não há e nunca haverá atração sexual entre a gente. Por favor, não subestime minha lucidez !!!
Fico quieto, como se querendo esconder minha alma na parte mais abissal de meu corpo...
- Você é sem graça, sem vaidades, fraco, tolo... Como amigo assexuado você serve que é uma beleza, mas como namorado...
- Não, nem fale... Eu até já sei como vai terminar seu discurso: “Você um dia vai encontrar...”
- “Encontrar alguém...”. É, é isto mesmo que eu penso, já te disse. Você vai ter uma garota massa, que te ame mesmo, é só ter paciência... Vai ser qualquer uma, menos euzinha aqui...
- E por quê você tira o seu da reta ?! Por que não pode ser você, hein ?!
- Ah, Mate... digo, Amadeus... Vou bater na tecla mil vezes de novo: não sou eu porque não sou eu e ponto !!! (neste momento a platéia grita um “ahhhh” de condolência...)
Resmungo qualquer coisa, soco uma das mãos na outra palma... Mílvio Mantos então entra:
- Mas, Anna Lud...é Anna Lud, né ?!
- È sim, seu Mílvio...
- Então, então... Anna Lud, dê uma chance pro nosso amigo Amadeusum ?!
- Pôxa, seu Mílvio... Não deseje uma desgraça desta pra mim não... Amadeus é um puta cara gente fina, mas não serve sexualmente pra mim...
- Mas, mas... Veja a cara do meninum... Ele tá em chorum... O que o auditório acha: dá uma chance pra ele ou não dáam ?!
Centenas de vozes femininas gritam um “dá”, seguidos duma alternância de “dê uma chance, dê uma chance...”. As cabeças de Anna Lud já não sabem pra onde olhar, uma tentando querer esconder a vergonha da outra... Eu, no meu canto, digo num quase grito:
- Eu só quero uma explicação plausível, Anna Lud...
- Mais plausíveis do que as que lhe dou, Amadeus ?! Cara, ai, ai...
O coro de “dá uma chance” aumenta ferozmente. O “patrão” faz um sinal, logo entendido pelo coreógrafo de palco, que exige silêncio num só gesto.
- Bem, bem... Não podemos forçar a menina a escolher o que ela não deseja, corretum ?!
Passo a mão por dentro do meu colete. Uma grata surpresa pra todos, certamente...
- Assim sendo – continua Mílvio – só posso lhe desejar boa sorte, Anna Led...
- É Lud, Mílvio, Anna Lud...
- Ah, certum, certum... Boa sorte, receba esta lembrancinha do programa e boa sorte pra vocêm... – e Mílvio Mantos grita, sempre com vogais hiperbólicas – Broque !!!
Logo aparece um sujeito, que entrega um buquê de flores pras gêmeas. Quando ia me levantando, o apresentador me segura pelo braço e me desce com força para o enorme puff.
- Espere um pouco, Amadeusum... Me comovi de verdade com sua situação. Quero lhe ajudar a encontrar a outra goma da sua tangerinam... Tou pensando aqui, vai ser algo inédito no programam... Tem um quadro onde uns rapazinhos ficam olhando umas mocinhas por uns binóculos, você deve conhecer, não ém ?! Pois então... Vou lhe dar mais uma chance de encontrar o amor, se você quiser, é clarum... Você tem apelo popular, nosso ibope vai subir que é uma belezam !!! Por favor, aceite participar deste quadro tambéem...
Cortejo então a proposta, mais uma vez a platéia incendeia com seus gritos de “aceita, aceita...”
- Bem, tudo bem então... – digo, concordando.

Seguem-se as gravações, agora estou num dos cantos do estúdio. Há uma patota de uns oito garotos, todos munidos de binóculos azulados e exalando feromônios por todo lado. Antípoda a isto se vê um grupo feminino, igualmente de binóculos – estes, cor de rosa – e com um sorrisinho maroto e fuxicos inocentes a cada resposta do grupo alheio. Não me sinto nada a vontade, contudo tento fixar olhos em alguma garota. Algumas são até bonitas, dariam ótimas namoradas certamente... Como não estou muito bonitinho para escolhas, opto por alguma que esteja correspondendo ao meu ataque. Bixo, acredite: nenhuma me olha com maiores interesses.
Então Mílvio Mantos pede uma música de fundo. Rola um Núlio Iglesias das antigas, os rapazes dirijam-se em direção às moças do outro lado. Demoro pra ficha cair, mas sigo a direção dos caras... Cada um procura seu flerte combinado, vou cambaleando e sendo jogado de lado, empurrado com asco de um lado para outro, até que pela graça do número par de presentes, sou glorificado com uma mina que fica no vácuo, quiçá torcendo para que eu não a percebesse...
Então chamo-a para dançar. Ela aceita – parece que era contratual: ela não podia recusar dança à um participante... Bailamos, eu ainda tímido, ela a olhar para um outro camarada. Num certo momento, quando já estava me preparando para o xaveco, ela antecipa-se e diz ao meu ouvido:
- Nem cogite esperanças, que eu não vou lhe aceitar em namoro não, valeu ?!
Aquilo me brochou de imediato. Pensei em retrucar, querer saber o porquê daquela decisão...
- Bem, tudo bem então... Bôra continuar a dançar só por burocracia, né ?!
Ela concorda e logo a música pára, as luzes se acendem, Mílvio Mantos se aproxima... Começa a fazer a enquete de quem namora quem, sempre pedindo os palpites adivinhatórios da platéia... Seguro a mão daquela garota, apenas por trâmites do programa, algo frio... Mílvio nos deixa propositadamente por último. Muitos casais depois, troca de parceiras e afins, continuo segurando a mão daquela da qual sei que me dará um fora monumental...
- E finalmente chega Amadeus...
Aplausos efusivos ecoam pelo estúdio.
- Então você conversou bastante com esta garota ?!
Acanhado, respondo com gestos, o que motiva risos entre todos... Mílvio prossegue com o qüiproquó, cheio de piadinhas e tiradinhas sacanas. Ambos queríamos uma definição praquilo logo... Então, finalmente, o apresentador pergunta:
- E aí, minha filha, é namoro ou amizade ?!
- Deste traste eu não quero nem amizade...
Começa então uma saraivada de vaias...
- Mas que é que isto ?! – pergunta Mílvio Mantos – Qual mal este moço lhe fez ?!
- Certamente o de ter nascido no mesmo mundo que eu... Sai pra lá que eu te chuto, macumba !!!
Mais vaias cobrem o local. A moça responde:
- Se vocês defendem tanto este mané, por quê alguma de vocês não namora com ele ?!
Silêncio absoluto... Passo mais uma vez a mão por dentro do colete. Não resisto e tiro-o duma vez: um 38 cromado... Pego Mílvio Mantos pelo pescoço e ponho a arma perto de sua orelha:
- Parados aí que eu mato este esclerosado...
Um batalhão de seguranças se faz em frente. Um cameraman ameaça sair de seu posto...
- Não desliga esta bosta não, senão eu atiro... Falo sério !!!
Todos pedem calma, um dos seguranças – seguramente o chefe deles – tenta negociar...
- Me ouçam: tou com este babaca como refém... E o que quero é simples... Só peço uma namorada bacana, que me queira de verdade... Tou com duas balas nesta porra. Se em dez minutos não aparecer uma mina disposta a me aceitar, eu mato este zé-ruela e depois eu me mato, aqui na frente de todos... – já choramingando – Por favor, não me forcem a fazer o que não quero...
Neste momento o palco é todo escoado, mulheres saindo nervosas, em prantos... O superior entre os policiais propõe que eu desista, que abaixe arma e me entregue. Contudo estou irredutível...
- Uma namorada, moço, é só o que peço...
Nesta hora Mílvio Mantos diz:
- Moço, não peça o impossível. Vamos negociar algo que meu dinheiro possa lhe pagar... Que tal a paz no Oriente Médiom ?! Isto posso conseguir pra vocêm... Ou o fim da corrupção no Brasium ?! É mais fácil e lhe faria bem... Que tal então uma cesta com produtos da linha Muriqui ?!
- Não quero merda de perfumes e creminhos não... Cala a boca, seu velho caquético !!! Quer morrer, quer ?! É só você abrir esta sua bosta de boca... Experimenta pra ver, vá...
Foi no exato momento em que fui alvejado por um tiro fatal, bem no pescoço, o suficiente para deixar o apresentador ileso... O autor do disparo fora treinado na polícia secreta israelita e estava escondido nas coxias do estúdio...

Então me torno herói, um quase santo... Criam-se páginas em redes sociais, algumas com os dizeres “Eu daria uma chance pro Amadeus”, “Amadeus: o namorado perfeito”, “Eu só quero uma namorada – Amadeus Forever”, entre outros... O vídeo com toda esta história fica entre os mais assistidos de todos os tempos, propõem-se construções de obeliscos em minha homenagem, praças levam meu nome de norte a sul deste país, viro um mártir entre os solteirões encalhados, sou estudo em debates acadêmicos, em rodas de conversas antropológicas, cafés filosóficos, palestras de grandes figurões, viro tema de teses, uma nomenclatura científica para certos traumas psicológicos... E, em algumas mesas de bar, um motivo de lamentações etílicas, com garotas se dizendo, no fundo, no fundo, um pouco apaixonadas por mim...