segunda-feira, 29 de agosto de 2011

TOLDO DO SER

Nem todo clipe é clip;
Nem todo eclipse é elípse;
Nem todo nano é dano;
Nem todo natal é nasal;
Nem toda dor é doril;
Nem todo rodo é roda;
Nem todo Rui é rei;
Nem toda rua é lua;
Nem todo relativo é reles ativo;
Nem todo motivo é movido,
Nem todo algo é alga...

E nem todo todo,
mas o todo no todo
é toldo do ser,
é o ser no nem,
o ser neném,
aquele ser ninguém que há
em todo alguém...
onde alguém há...
ou a de ser tudo...

Nem todo pé é pá;
Nem todo blá é blá-blá-blá;
Nem todo cara é cara;
Nem todo caro é claro;
Nem todo sol é solo;
Nem toda sola é cola;
Nem todo caracol é carambola;
Nem todo Marx é sax sexy;
Nem todo nem é sem...

Nem toldo todo
nem todo todos
pássaros soltos, salto voar
do ser, dose do dó
ser do nó, dono seu
o que sou quando atravesso
o rio, o riso, o travesseiro?

Sou passageiro,
passo ligeiro, ínfimo;
dínamo do tempo, grãos da ampulheta...

Todo ser é o que é,
todo ser pode ser além do que é,
além do é, além da essência...

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A MULTINACIONAL

“As multinacionais têm filiais
em quase todo o mundo,
mas mantêm suas sedes
no país de origem do capital...” -
assim me diz o informativo,
assim sei, captei,
gravei e grafitei de alguma forma
em meu coração...

mas a multinacional não têm coração;
ela nem se importa com minhas dores
de dente ou de amores,
nem se sonho com a lúdica ou com milhares
que não me escrevem, nem gravam
um rock'n'roll qualquer...
a multinacional só enfeia meu ar,
só arranha o céu acima de mim,
a multinacional apenas cai – e seus ais
são mais cais
que minhas tristezas sem filiais...

a multinacional não conhece certezas,
nem as purezas das minhas entranhas pagãs,
a multinacional não quer o amanhã ou
as estranhas que me afagam na febre terçã;
a multinacional que ser placa,
placar de vantagem sobre minhas vertigens,
a multinacional assassina as virgens dos homens-bombas,
a multinacional engarrafa o trânsito,
transita sobre as garrafas de cerveja,
a multinacional quer ser capa, veja...
a multinacional quer épocas e caras,
as caras coroas, as máscaras dos seres...

a multinacional doma o poder,
toma meu doer
doa o que é interesse, 0800, um milhão e tal...
a multinacional vem de longe,
tange a tangerina, azeda meu almoço,
faz-me engolir troços, caroços,
amarra meu cadarço, amarrota meu arroto,
amordaça minhas traças, sorve taças e laços...

a multinacional rouba o brilho da lua,
tapa o sol sem ser Ícaro,
torna-me cego pícaro,
trago fumaças no meu respirar...

a multinacional grita, eu ouço
a multinacional pinta, eu admiro
a multinacional exige, eu visto
a multinacional anuncia, eu - à vista - passo Visa
a multinacional visa, eu alcanço...

e assim, atemporal,
no casulo meu,
me traz saudades do que não vivi...

Como pode ?!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

PATERNO

Vi meu pai envelhecer,
ouvi seus ais emudecerem,
atraquei, solene, em seu cais seguro;
E seus braços eram meus abraços...
os laços, bagaços do que sou;
parte infinda de meu carinho:
a TV, a novela, o sorriso na propaganda de margarina...

e assim escrevi,
meros rascunhos que divagam:
todo poema é um ato de amor.

UM AMOR EM CALEFEITO

"Não quero a boa razão das coisas. Quero o feitiço das palavras." (Manoel de Barros)

Escrevo com emergência,
como se quisesse dizer tudo automaticamente,
como se temesse a parada do coração,
a quietude da voz, a queda da vida...

assim sou no amor: desejo-o certa veemência;
anseio sua vinda tal qual certos arrombamentos;
que ele decalque meu ser com certezas dúbias,
que não se preocupe com centenas ou dúzias,
com rosas ou beijos soturnos; que não se gabe
do que cabe ou resta, um amor em calefeito...

Escrevo com o temor dos passos de ponteiros,
escrevo querendo vingar-se do tempo, das eras,
dos serás e do que se liquefaz...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A METRÓPOLE

A metrópole candeia,
acende-se no escuro,
e então, adormece...

e a garoa fina me traz saudades
de você,
a falta de seu inverno no calor glacial,
a sua ausência, meu grito de clemência
minha demência, dormência sem anestésico...

a metrópole na brasa de meu cigarro,
no pigarro que vem quando você não está,
nas táticas que aplico pra suprir esta dor,
pra não subir esta febre, pra me cobrir do clamor,
pra acalalentar a invisibilidade da sua presença.

PASSARIANDO

Minha vaidade não se veste,
minha vaidade não se reveste de ouro e panos:

minha vaidade é, passariando,
aquilo que escrevo adormecido.

DUAS NUMA SÓ

Para Ludmila e Anna Cleide

metade de uma,
metade da outra,
metades que busco,
metades que são
unção...

eu só...
sozinho sem clave,
sem sol, nem pôr,
nem chave...

e cadê você, mitose do meu monólogo,
pedido dos meus diálogos,
simbiose do amor querido ?!

conheço-as separadas,
são duas numa só...

duas
numa só
musa...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

LÁPIS-LAZÚLI

Inspirado nas sensações da minha amiga e comadre Aline em relação ao mar soteropolitano...


No mar há mares,
no mar, meus amores...
No mar expurgo meus males -
sentado na areia, sentindo nas veias
a maré da maresia...

risco seu nome
na palma da minha mão,
escrevo à lápis,
consulto conchas em desatino,
lapido você no meu destino,
mando bilhetes à lápis, em garrafas inócuas,
clamando sua presença,
tinjo, de lápis-lazúli, o mar
tão gris de sua ausência,
desdenho das onisciências –
elas não me trazem você...

Olho o mar, assim parado...
As ondas vão, faço visão
de seus olhos cor do mar...

ouvindo Chopin, vendo um mar
que não há...
o mar tá tão dentro de mim,
o azular em mim,
nos azulejos, em mim...
nos beijos azuis, em mim...
você - que não sei quem é - em mim...

domingo, 7 de agosto de 2011

JOSÉS

José não pode sonhar,
José não pode mais prever
José não pode nem ver
premonições ou deuses...
José não pode agourar
José não pode acabar
José não pode apagar a luz...
E agora ?!

todos Josés de seus josés
de seus josés...
de seus josés...

ai, Josés...
ainda não chegou seu próximo
lava-pés,
então lavra seu revês
nas palavras de viês;
na sede ao pote,
no trote, nas narinas que sangram,
no coração que dilata,
na oração da massa,
um coro juvenil:
ei, você tem que esconder seu amor !!!
o José dentro dos josés,
tão sós nos nós
que nos unem,
no nu que nos anulam,
na aliança que nos anelam...

José dentro do josé,
José minúsculo, sem músculos
sem os apolíneos dum dionisíaco,
sem par ou ímpar particular...

josé dentro do José,
sem Jesus ou cruz,
sem credo ou crédito,
sem ditos ou desditos,
ser maldito, verme e vil...
límpido e líquido, sem líbido;
um desejo, cabido...

sim, é assim...
Josés.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SEU ENCANTO

seu encanto
ficou num canto,
acuado, semi-acordado
sem acordo, não morreu...

seu encanto
não desencantou: paralisou,
adormeceu, adoeceu,
não se doou;
renegou-se, não cresceu...

seu encanto
agora é vil,
ficou muito amigo,
não quer nada comigo,
apenas dá aceno, um adeus distante...

seu encanto
migrou feito retirante,
tornou-se tonto, retardou
não sabe contar, calou-se...

mas seu encanto jamais
será desamor:
ele apenas se encontra encolhido,
mas lá ainda está;
ele foi amaldiçoado e dormirá
por cem anos – pra depois então
ser acordado por um príncipe de Bagdá;

seu encanto ainda continuará aqui,
imóvel e eterno,
interno e contido,
contado e imaculado,
o maior de todos:
seu encanto.