segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

RUAS MORTAS

olho
com olhos de saudades
as ruas que já foram;
hoje não são mais...
com casas que lá ainda estão
algumas recém-pintadas, outras não...

ruas mortas
sem pio, sem piar
sem piadas ou pião,
rua parada
sem nada,
sem bicho de pé, sem pé no chão...

ruas onde imperam o silêncio,
sem gente nas calçadas, ruas caladas...
nem grito de criança, nem brincadeiras ou passadas;
aquelas ruas do meu passado,
hoje sem sombras, sem som,
sem tom, sem tombos, polícia e ladrão
esconde-esconde, primeiro beijo...
sem ondes ou quandos...

agora, apenas
uma rua, nada mais...

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

FORA DO COMUM

Conversa de balcão, cervejinha pós-pelada:
- Ôrra, finalmente você chegou... que é que que cê tinha pra falar comigo de tão urgente ?!
- (ofegante) Cara, inda bem que você veio... meu, precisava trocar um lero contigo viu...
O outro era todo ouvidos:
- Sou todo ouvidos... manda aí !
- (sem saber falar, tropeça nas palavras) Assim, cara... (engasga, ora gagueja) puta, brother, tou apaixonado, caído mesmo !!!
- (sorriso amarelo, como que esperava se espantar mais com a notícia) Porra... era só isso ?! Cara, fico feliz... e logo contigo, que tava na procura mesmo... parabéns, mano, parabéns !!!
- (pede uma cerveja) Pois é... homem, ela é linda, linda mesmo... mas tem um probleminha...
- (beberica sua já morna cerveja. Finge espanto.) Probleminha ?! E qualé ?! Me conte logo, oxi...
- Cara, ela é de circo...
- Circo ?! Aquele que tá na cidade ?! Hum, pitoresco diria... mas tá valendo.
- (põe mais cerveja nos dois copos) Certo, mas ainda sim tem outro pequeno problema...
- (espantado de verdade) E é ?! Deixe de rodeios e conte logo, porra...
- Meu, é difícil de falar...
- (pensa em ir embora) Porra, fala logo... (chega a se levantar, mas logo se senta novamente)
- (puxa respiração) Tá, vou falar... é o seguinte: como eu já disse, ela trabalha no circo....
- Sim, você já me disse isto...
- Pois então... tou pensando em fugir com ela...
Esta o assusta em maior grau, mas ainda sim nada de grande absurdo:
- Bem, assim... é complicado, mas se você a ama...
- Amo sim, cara... porra, foi amor de verdade, daqueles de filme, de aniversário de casamento dos avós...
Pela primeira vez na conversa conseguiu abstrair o fato. Logo indagou:
- Cara, vem cá: o broto trabalha com o quê lá ?!
Engole bruscamente a cerveja, parecendo surpreso com a pergunta. Não diz nada, então o outro continua:
- Hein, moleque: a mana faz o quê lá ?! Já sei: ela é a contorcionista né...
Ele nega.
- Não ?! Hum, deixe-me ver... ah, vou chutar: é a malabarista ?!
- (com certa vergonha) Não, não...
- (já sem ideias) Hum... então ela é bailarina, domadora de leão, assistente de mágico... já sei: ela é uma daquelas que fica no alvo do atirador de faca, acertei ?!
- (quase derrubando o copo) Não, não, não e não...
Fico com medo do que cogitou. Ainda sim arriscou:
- (risinho) Só falta você dizer que tá de love com a mulher barbada...
Ainda rindo de sua piada, ele observa o rosto do colega ficar sério.
- Não, cara...
Ele confirma com a cabeça. Logo diz, quase gritando:
- Barbada, cara, barbada !!! (o último “barbada” sai em soletração)
Diante de tal ironia nonsense, o outro se vê num misto de gargalhada e espanto:
- Cara, tou babaca agora... nem sei o que dizer...
- Brother, diga nada... sei que bizarro, mas gosto dela pra caralho...
Ainda besta, o outro tenta alguma justificativa desnecessária:
- Bem... eu já tive namoradas de pequeno buço e tal...
Contudo não conteve-se em perguntar:
- E ela tem muito pêlo ?!
- Putzs... (um gole de cerveja. Logo conclui) Cara, ela tem mais que um camelo... (completa) Camelo o animal, não o cantor !!!
Então ficaram quietos, sorvem o restante do líquido e saem para seus "felizes para sempre..."

***

Caminha pela rua movimentada. Logo é abordado por uma bela mulher:
- Moço, você sabe onde fica esta rua aqui ?! – e estende um papel.
O homem mal responde e ela logo diz:
- Cara, como você é lindo !!! Nossa, tou apaixonada...
Embasbacado, ele fica sem reação. A gata continua:
- Nossa, nunca vi um homem como você... você é lindo, uau...
Ele apenas indaga:
- Você tá falando comigo mesmo ?!
Ela, em frenesi, continua:
- Sim, é claro... você é o homem mais lindo que já vi na vida !!!
E beija-lhe a face várias vezes no rosto e no pescoço. Indaga:
- Você é casado, tem namorada ?! Ai, meu Deus... eu tenho que ter você pra mim !!!
Então o homem puxa algo do bolso e diz em off:
- Finalmente minha vez....obrigado, meu Santo Antônio !!!!
E guarda uma pequena imagem do santo que sempre carregara. Logo se vira pra moça:
- Tenho não, querida... sou sozinho, finalmente você chegou, meu amor !! – e agarra-na com força, devolvendo-lhe os beijos.
Vendo até onde tinha chegado, ela diz:
- Moço, isto é uma pegadinha... olha lá a câmera...
Ele parece não escutar e ainda continua segurando o corpo da rapariga, cada vez mais forte...
- Vem cá, meu amor... Há tempos que esperava uma chance do amor....
- Cara, me larga... eu sou uma atriz, nada disto é verdadeiro... isto aqui uma pegadinha, por favor me larga !!!!
E começa a gritar:
- Direção, direção... socorro !!!
O doidivano continua com seu migué:
- Eu te amo, te amo... é amor verdadeiro, tipo estes de filme, de aniversário de casamento dos avós... não vou te perder jamais !!! Casa comigo ?!
A moça, num tom de sarcasmo e medo:
- Casar ?! O senhor está louco ?! Eu já sou casada... me larga, pela amor de Deus !!!

Demoraram minutos para separar o quiprocó, ele assina um termo de autorização das imagens e a atriz, ainda apavorada, sai trêmula e medicada. E ele então, cabisbaixo e mudo, também vai embora e segue sua sina.

sábado, 15 de janeiro de 2011

PALAVRA AMORAL

"É tão fácil ser poeta, e tão difícil ser um homem." (Charles Bukowski)

Não leia minhas palavras – deguste-as...
coma-as de forma glutônica, devore-as e extraia seu sumo...
desossoe-as toda, sugue-lhes o tutâno essencial...
Embebeda delas, nutra-se de seu teor...
Cozinhe-as no vapor, deixe-nas dissolver na língua...

e nunca procure nelas qualquer lógica,
esclarecimento, parábola ou moral de fábula...
minha palavra amoral, sem ética,
sem consequências, apenas um ditame...

palavra dita, palavra mal/dita
que fere os olhos, alimenta o ego,
se aninha com meu ser,
purifica imaculando;
palavra profana,
palavra sana, palavra corpo
palavra para nunca ser lida – palavra vida...

mas não as leia, palavra ceia...
sorva-as em banho-maria
defume-as, unte, unge-as
morda, chupe, engola-as...

sou a fome do poema,
tão mais dificíl é ser homem.

MANJADA

O amor ri de mim...
o amor zomba de mim...
o amor joga bexiga d’água em mim...
o amor urina em meu corpo,
cospe no meu rosto, queima minha pele,
fura meus olhos...

o amor me faz de besta,
o amor me renega
o amor nem rega minhas flores,
o amor me vigia pelas frestas,
o amor quer me morder...

o amor azeda meu manjar,
o amor me ofende de forma manjada
o amor denigre meu ser, me violenta
viola minha moral, rememora velhos traumas...

o amor gangrena minhas chagas,
cutuca minha ferida,
tira minhas roupas em praça pública,
me xinga e me força andar no trem-fantasma...

o amor me tortura, não atura meus prazeres
o amor me castiga, me instiga
o amor me dá azar, me entedia, me empurra...

o amor, tão simplesmente,
é manchete de pasquim, é página policial,
noticiário de terremoto na TV,
destino de vilão de novela,
a inflação, a queda da Bolsa, a epidemia de resfriado...

o amor é chato, enfadonho,
aquele que sempre reclama,
a dor de dente no final da tarde...
a sede que não passa, o passo que engata...
o amor é o que fere, dá febre, o que mata...

o amor é o ódio que sinto por não amar...