domingo, 23 de dezembro de 2007

A CORDA PRO CORDEL

Para meu pai

Infância,
infantes.
Distância: distante...

A corda pra acordar,
Acordo cordado
A cor do corpo
A corda pro cordel...

Que é poema, isopor
De pôr e de usar.
Poema bom...
Poema de improviso
Poema de aviso
Poema pelo avesso...

A flor do caruá que enfeita a lapinha.
A jurema, unha-de-gato, são joão...
Flor de quiabento, ungüento minha macambira...
Leite do aveloz que faz ficar cego,
A barriguda que parece parir um mundo...
Chocalhar no andar mungido,
Do boi, do boitempo imemorial...
Coisa que, então, lembra meu pai.

A patativa no seu cotoviar,
O voar na beleza da caatinga verde,
Céu azul, nuvem negra carregada de chuva
Terra rubra, rachada de malva e sangue.

Cordel do bezerro e do bode,
Cordel do caboclo e da cachaça,
Cordel, da cor do tempo
Cordel do passa-tempo, passa-tempo, tic-tac...

Enquanto Deus,
Uma bailarina que dança no baile do tempo,
No compasso dos ponteiros,
Sapateando destinos
Ziguezagueando nos paralelos e paralelepípedos,
Perambulando pelas tabernas,
Procurando um xodó para ser feliz.

sábado, 22 de dezembro de 2007

FELIZ DIA DOS NAMORADOS

Desejar amar, desejar ser querida. Ela era velha, tinha mais de setenta certamente. Nem ela mesma sabia sua real idade, às vezes dizia ter menos, noutras mentia que tinha mais de cem.Desejava amar, desejava ser querida: em rugas e nunca um beijo dado ou recebido, nenhuma cartinha de amor, nem uma simples piscadela! Talvez já fosse bela na juventude, nunca se vai saber. Ainda maquilava-se. Carregadamente: mantinha muito rimel nos olhos, o batom num vermelho vulgar, quilos e quilos de pó-de-arroz nas bochechas cheia de traços... Usava os mesmo vestidos estampados com frutas tropicais. Os cabelos amarrados, unhas carcomidas, lavanda barata nos suores. Ia ao baile, mesma rotina de tantos anos. Casais envelheciam seus relacionamentos e ela ainda freqüentava o mesmo clube, sentava-se na mesa já cativa e pedia o sempre dry martini. Alguns velhinhos a chamavam para dançar, ela discretamente recusava. Queria rapazes, “brotos” como dizia.
Não percebia, todavia, que seus contemporâneos também envelheciam e que muitos amores do passado também estava grisalhos ou capengavam em suas bengalas. Orgulhava-se do pivô de ouro colocado às custas dos míseros centavos de sua aposentadoria. Naquele dia era um baile especial: era um sábado 12 de junho, dia dos namorados. Quantos dias como aquele já comemorara... Ou nunca comemorara, não tinha idéia de como dizer. Enfim, naquele dia tantos pares enchiam a quadra. E ela não gostava de lugares cheios: vai que o homem de sua vida esteja lá e ela não o encontrasse? Mas, como comecei a narrativa deste parágrafo: ela não percebia que o tempo passava para todos, inclusive para ela e para seus próximos.
Sentou-se na cadeira e todos a olhavam. Muitas vezes sentia-se como atração de um circo, tamanho era a curiosidade sobre sua figura. O garçom, um velho amigo, já trazia o pedido pueril numa travessa. “Será que nunca trocam os copos?”, pensou. Sorveu pouco e caçou quem deveria paquerar a principio. Era brincadeira entre os rapazes apostar quem a velha paqueraria primeiro. Encontrou um homem, faixa de quarenta e camisa listrada de botão. Mas reparara que em sua mesa havia uma bolsa feminina. Casado, confirmou-se logo quando alguém se aproximou dele. Uma mulher.“Lambisgóia!”, falou baixo.
O crooner anunciou que hoje só cantaria Nelson Gonçalves. E começou: “Boneca de pano/ Pedaço de vida/ Que vive perdida no mundo a rolar...”. O cantor parecia bêbado, a banda idem. Casais começam a lotar o palco em danças. A velha bebeu toda a bebida num só gole, olha e procura alguém solitário. Apesar de católica fervorosa, permitiu-se dizer um palavrão. Pegou um pequeno espelho de sua bolsa e viu-se como deveria se olhar: velha. Percebeu que alguns riam de sua desgraça, a todos quis amaldiçoar. Levantou a mão pediu uma segunda dose. Sentiu calor e tirou da mesma bolsa um leque exalante da mais oculta naftalina. Leu a faixa escrito acima do palco: um FELIZ DIA DOS NAMORADOS em vermelho, uma mensagem em aspas e vários balões formavam um coração ao lado do pano estendido. Alguns já murchos, percebeu.
Um senhor aproxima-se. Usava cachecol, apesar da alta temperatura. Tinha bigodes brancos, um chapéu-do-panamá já em desuso, mascava um nervoso chiclete. Pediu para sentar ao lado da velha, tinha elegância nos modos. Perguntou se ela não lembrava dele. Disse-lhe um confirmador não. Então o velho renovou a pergunta num “Tem certeza que não ?”. E ela, “Definitivamente não...”, embora não tivesse certeza da resposta: aquele castanho no olhar pareciam-lhe familiar... Ele então se revelou um antigo colega, dos tempos de ginásio. A velha disse “Mas é você mesmo !”. Aí percebeu que estava velha mesmo. O senhor ajustou seu óculos e disse que o tempo não passara para ela. “Até parece uma boneca de porcelana...”, mentiu sinceramente. A velha sorriu e exibiu o seu pivô de ouro. Logo de cara o velho declarou-se viúvo.“Há cinco anos !”, ressaltou com entusiasmo. A velha tentou não gostar da conversa, mas no fundo achou-o atraente. Talvez fosse este seu amor platônico de normalista. “Nem queiras gostar de mim/ Sem que eu te peça/ Nem me dê nada que ao fim/ Eu não mereça...”, a voz do crooner era visceral. O velho disse que esta era do seu tempo. Ela não queria lembrar o quanto estava velha. Então o senhor proclamou que Nélson Gonçalves que era cantor de verdade, o resto tudo era balela. Ela concordou balançando a cabeça, não sabia se dizendo sim ou não. “Tem um cantorzinho metido a bosta de hoje que canta requebrando...”, disse o senhor. Logo completou que requebrar era coisa de maricas. A velha achou-o vulgar no comentário. Ele perguntou se ela não queria algo. Disse não mas logo depois pediu outro dry martini. Veio-lhe a cabeça que só tinha dinheiro para dois copos e que era sempre bom abusar de que oferece um a mais. O garçom trouxe a bebida pedida e uma xícara de café. O café fora pedido dele. Então o velho tirou um cantil cromado, destes de uísque, e depositou o conteúdo dele na xícara. “Uísque só bebo dos meus !”, disse. Não entendeu a alquímica mistura, mas concordou que cada um com sua mania.
O senhor exclamou ao ar “Dia dos namorados, não é ?!”. A velha nada disse. “Antigamente eu costumava dar uma rosa para minha finada esposa nestes dias...”, continuou. Não parecia nostálgico. A velha olhou para o homem de quarenta para quem havia olhado antes. Pensou o quanto ele era bonito. Depois relutou e concluiu que ele era simples. “A juventude nos torna belo !”, findou em pensamentos. O senhor pigarreou, pegou um pano e limpou a face. Disse o quanto ela era graciosa nos seus tempos de colégio. “E ainda continua...”, malandro desta vez. A velha corou-se, mas não se percebeu pela quantidade de pó me seu rosto. Resolveu abanar-se novamente. O velho aproximava-se cada vez mais, estavam quase ombro a ombro. “Nunca fui beijada !”, disse em instinto.
O senhor, então, franziu a testa. Parecia ter escutado revelações de uma Nossa Senhora. “Não creio...”, falou. Ela procurava algo em vergonha. “Mas quer, certo ?!”, insistiu o velho. A velha não sabia o quê responder. Quis a boca do homem de quarenta, não o daquele que agora estava ao seu lado. Coçou a nuca, olhou os poucos casais que ainda haviam, o homem de quarenta já fora embora. “Tenho um bangalô aqui próximo. Você quer ir comigo ?!”, perguntou o senhor. Engasgou um pouco, alisou a medalhinha de Santo Antônio que mantinha no pescoço desde criança. Lembrou-se que era mais de meia-noite, já estavam no dia 13, dia do santo. No mesmo instante o senhor disse que estava disposto a casar novamente. Então passou os dedos pelos ombros nus da velha. Ela ficou arrepiada, mas não esboçou recusa alguma.
O mesmo garçom dissera que tinham que fechar o clube. Os músicos desmontavam seus instrumentos, o local recebia as primeiras faxinas. “Tomou alguma decisão ?!”, o velho parecia impaciente. A velha que desejava amar, que desejava ser querida, a velha que tanto recusara outros convites idênticos a este, a velha que cansara de chegar sozinha em casa e deitar-se após tomar um analgésico para relaxar seu intestino, a velha que se viu velha, a velha que agora andava de mãos dadas com o senhor viúvo. Enamorada, entregou sua velha virgindade no bangalô e agora não mais teria companhia para os últimos bailes que a vida lhe ofertaria.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O INÙTIL

E lá vinha o inútil. Caminhava placidamente pela casa, já eram onze da manhã. Acordava com o apitar da panela onde se cozinhava o feijão. Tinha 38 e um três-oitão guardado numa caixa. Nunca casara e nem apresentava suas namoradas ou casinhos. Cultuava uma barba e gostava de Vivaldi. Morava com a mãe, uma senhora de cabelos violetas e que mancava de uma perna. Esta ficara viúva não tinha nem dez anos. Desistira de usar roupas em luto e arranjou um romance. Vivia há nove anos com um gajo. Na verdade mantinha-o há mais de quinze, num mister de adultério conjugal e fantasias sexuais.
E lá vinha o inútil. Tinha um curso de graduação, mas por opção não trabalhava. Acreditava no seu talento medíocre de ser um poeta. “Dos parnasianos...”, declarava com o lápis em haste. Já publicara alguns em pasquins sujos, muitos com o pseudônimo “Arlequim tosado”, título de um de seus versos. O padrasto achava que ele era pederasta apenas por se declarar poeta. E o inútil sentia ódio do cara, por isso tinha o revolver guardado entre seus materiais pornôs.
A mãe insistia para ele fazer um concurso público, aulas de inglês, uma droga qualquer ! Mas aquilo quebraria a rotina vadia do inútil. Gostava de dormir muito tarde e acordar mais tarde ainda. Na casa havia um computador. O inútil passava horas na Internet. Sempre bebia uma Coca enquanto isto. Curtia navegar na web, o mundo virtual era uma redenção para o pecado da preguiça: sentia-se feliz enquanto mexia por páginas de chat e sexo. Escrevia poemas pobres para garotas que ele nunca vira. Algumas gostavam, o que lhe garantia encontros. Em poucos rolava transa, mas por todas ele sentia um pouco de platonismo. O padrasto jurava que ia matá-lo um dia. O inútil não via a hora de encravá-lo de balas...
“Isto não pode continuar assim...”, reclamava o padrasto.
“E o que eu vou fazer ?!”, dizia a mãe, enquanto limpava a mão num pano de prato imundo.
“Ué, tu é a mãe, não é ?! Acha um troço aí pra este merda fazer...”
“Ele é artista...”
“Viado, isto o que ele é ! Viado !”
“Não, ele é poeta. Já me fez uns versinhos tão bacanas...”
“Poeta o cu dele ! Este vagabundo tá é buscando respaldo pra vadiagem dele...”
A mãe ficava quieta. O padrasto acendia um fétido cigarro. A conversa era a mesma desde o dia do retorno do vadio. Fizera sua faculdade fora de sua cidade natal, um canto tão isolado quanto tudo. Cidade de merda, gente de merda, pequena cidade que só tinha pompas ridículas e alcunhas mais absurdas ainda. Gostara da capital, as boates, os néons, a prostituta Amália com quem viveu uns anos... Ainda sonhava com ela, chamava-a de musa e para ela dedicava muitas estrofes. O inútil não se adaptou a capital. Sentia asma e saudades. Voltou para a montanhosa cidade pequena e seu fardo completou-se.
“Minha vontade é de dar uma boa surra de bambu nele...”, o padrasto retornando a conversa.
“Enquanto eu for viva ninguém bate no meu filho !”
“Tu é uma pulha ! Como é que tu deixa teu filho viver desta maneira ?! Sua rapariga, puta !”
Neste instante o inútil intervém, supostamente escutando toda a conversa:
“Tu cala a boca, seu maldito !”
“Digo é na tua cara, seu bosta ! Tu é um bosta, um grandíssimo bosta...”
O superlativo atinge o ápice nervoso do inútil e ele reage de maneira bruta. O soco sai de forma descarregadora.O padrasto cai, mas logo se levanta:
“Safado de uma égua, tu ainda vai pagar caro por isto !”
“Enquanto eu estiver aqui ninguém xinga minha mãe não ! Tá, eu sou um bosta ! Agora deixa minha mãe em paz. Vaza daqui !”
Agora a mãe aparece:
“Pare, filho ! Não fale assim com ele ! Tenho certeza que ele já se arrependeu de tudo o que lhe disse. Venha, meu marido, vou fazer-lhe um curativo...”
O inútil não entendia a submissão da mãe. Teria o amor tal poder de cegueira ?! Amália era justamente o oposto: graças a ela entendia melhor o mundo, a compreensão era uma expressiva filosófica. Amar não pode ser sinal de regressão. Aquilo não era amor...
Então o inútil entrava no quarto e ligava seu computador.
A mãe disca alguns números.
“Ela vai ligar para Constância...”, pensou.
Constância era irmã do inútil.
“Aquela vaca...”, conclui o pensamento.
A irmã tinha um emprego. Um honorário trabalho de datilografa, que a própria denominava de secretária. Todos sabiam que ela dormia com o patrão.
“Alcoólatra, piranha !”, volta a pensar o inútil.
O inútil gostava da versão de "Chão de Estrelas" que os Mutantes cantavam. E era esta música que ele escutava no momento. Abandonou a cadeira defronte a tela e pegou a arma.
“Tenho 38 e um três-oitão...”, imaginou isto como um começo de conto.
O barulho de seu MSN desvia atenção do revolver. A mãe bate na porta.
“Espera, mãe !”, e o inútil esconde a guarnição.
“Tua irmã vem almoçar aqui...”
“Aquela vaca, alcoólatra...”, pensou.
“Tu devia deixar este computador. Olha, comadre Izildinha me disse que o fórum vai abrir concurso ainda este mês...”.
“Tô cagando pra este concurso, minha mãe ! Cagando ! Eu sou poeta, sou artista, não nasci pra trabalhar em repartição pública...”
“Mas tu precisa fazer algo na vida...”
“Tu vai dar razão pro canalha, é ?!”
A mãe senta na beirada da cama e afaga o cabelo do inútil.
“Tu tá a cara do seu pai...”, diz.
“Cruz-credo ! Tô parecendo com ninguém ! Imagina eu parecendo com aquele safado...”
“Ora, menino, respeita o finado do teu pai !”
“Respeito merda nenhuma. A senhora sabe que ele era um safado mesmo. Um grandíssimo filho da puta !”
A mãe então se calou. Concordava com as palavras do inútil: sofrera o pão que o diabo amassou por aquele homem. Não que não sofresse com o atual, mas pelo menos deste ela gostava. Ou amava, sabe-se lá... Ela deixa o quarto, era necessário por mais água no feijão.
O inútil ficava a olhar a porta entreaberta, sua mãe a cozinhar, tão velha, tão capenga... O padrasto anuncia que vai sair. A mãe pede por sua não demora. Ao revelar que Constância viria para o almoço o padrasto logo mudou a fisionomia de sua retórica: decidiu por ficar e não fazer desfeita.
“Bando de sujos, pervertidos...”, pensa o inútil. Ficava indignado pela mãe não perceber que o padrasto mantinha relações com a própria enteada. Nunca pela irmã, mas sim pela idiotice que era o tal amor que sua velha sentia.
Meia hora depois, mesa posta e Constância aparece. Usava maquilagens vulgar e vestido em igual tom. Mascava chicletes, parecendo mais uma prostituta urbana que alguém de moral. Abraçava a mãe e parecia dizer palavras sacanas para o padrasto. O inútil não a recepcionou. Manteve-se na posição do computador, quis concentrasse na "As quatro estações" que pôs em alto som.Queria deletar aquele mundo. Queria esquecer a mãe, o padrasto, a irmã...
“E aí, ô inútil !”, Constância entra no quarto.
Ele não reage. Quis anestesiar-se de Vivaldi.
“Tu vai acabar morrendo disto ainda... Deixa este treco, vai arranjar algo pra fazer na vida !”, diz a irmã acendendo um cigarro. “Tu ainda vai matar a mamãe...”, conclui.
“Já falou tudo ?!”, o inútil esquece os acordes do violino e entra novamente naquela horda...
“Olha, seu imprestável: tu tem que respeitar nosso padrasto. Ele é o sustento da nossa mãe, será que esta sua cabeça não entende ?!”
“Respeitar este cínico ?! Tu só tá falando isto porque tu dorme com ele...”
A irmã solta uma baforada. Logo contra-ataca:
“Tu pára de dizer o que tu não sabe... Acaso já me viu dormindo com ele ?!”
“Não é preciso ver. Nota-se nos seus olhares. Só a mamãe que é retardada pra isto...”
“Será que tu não vê que ele é a razão da vida dela. Se algo acontecer a ele, ela se escafede, tá percebendo ?!”
O inútil não tira os olhos da tela. Sem pudor observa garotas nuas. Algumas crianças, genitálias de bebê.
“Argh, que nojo ! Tu devia ter mais respeito ! Como é que fica vendo estas coisas ?!”, diz a irmã após o trago e a subseqüente baforada.
“E tu devia respeitar minhas taras...”
“Além de louco e vagabundo, ainda é pedófilo !”
“Vai te foder, sua vaca !”
A mãe entra e pede, por Deus, que tudo aquilo acabe. Constância caminha e tira a mãe do quarto. Esta diz para o inútil que o almoço será servido.
“Estou sem fome. Tem mais Coca aí ?!”, foi sua resposta.

Enquanto comiam, discutiam sobre o inútil. Ele ainda estava no computador, agora sem a sua bebida. O padrasto sugeriu uma boa sova, a irmã uma clínica psíquica. A mãe apenas escutava, ora concordando, ora descrendo dos defeitos do filho.
“Ele é demente, mãe !”, disse Constância.
“Escuta tua filha ao menos desta vez, mulher !”, clamava o padrasto.
“Mãe, sabe a tal de Amália que ele tanto diz ser a musa dele ?! Pois esta não existe, é pura imaginação deste doido !”, a irmã frisava a última qualificação dada num gritar silábico.
“Ele é poeta...”, a mãe o defendia numa voz quase inaudível.
“Poeta a bunda dele !”, dizia o padrasto, “Poeta é Vinicius, é Drummond... Aquilo que ele escreve é esterco de quinta categoria ! Obra chinfrim !”
Nesta o inútil levanta-se e se dirige à mesa.
“Eu não sabia que um verme como tu entendia de poesia...”, diz.
“De poesia, não. Entendo do que é bom. E eu sei que aquelas palavrinhas que você escreve não passa de limpa-cu dos outros...”
“Sabia, mãe, que este imoral fica vendo bucetinha de criança na internet...”, intervêm Constância.
“A conversa ainda não entrou no puteiro...”, responde o inútil.
Mais que rapidamente Constância levanta e aponta a faca para o irmão:
“Repete, seu descarado, repete se você respeita este cunhões que tu tem !”
O inútil observa o reluzir da faca. O computador toca a "Barcarola Opus 60", de Chopin. A mãe pede clemências, quer a paz, pelo amor de um Deus que parece não habitar ali. Cai copiosamente num pranto em soluço.
“Viu o quê tu fez, seu inútil ?! Se mamãe morrer, eu te mato !”, dizia Constância dando assistência à mãe. O inútil entrava num alfa de luz e odores. Lembrou-se da infância em que se masturbava ouvindo música clássica: não sabia se aquilo era recordação ou invencionice, mas achou bonito a visão. Assim como, pela única vez na vida, gostou de ver Constância numa pietá às avessas: escorava a dor de uma mãe que parecia refugiada do mundo, descrente das felicidades, querendo apenas cicatrizar mordazes chagas...
A mãe parecia mais controlada. O padrasto não esboçou ação alguma: apenas usava um palito para sua higiene bucal. Constância sentou a mesa e juntou as mão em concha, logo levando sua cabeça ao encontro destas. Levantou o rosto e olhou para o inútil, dizendo:
“Tu tá precisando é de tratamento no hospício ! Você tá doido, pirado, entende ?! Esta puta que você diz ser apaixonado é alucinação tua, ela não existe !”
“Não, tu tá mentindo ! Ela existe sim, é meu amor, minha eterna musa...”
“Existe não, meu irmão ! Eu vasculhei, pedi ajuda a amigos pra encontrar a tal da Amália... Não há, você tá doido !”
O padrasto levanta-se. Tinha braços gordos e uma enorme pança. Usava uma regata cheia de manchas de graxa. Barba por fazer, um monstro de olhos claros e um certo loiro na calvície. E então se dirige para o inútil:
“Tu tá desmiolado, pinel, maluco ! Vai embora, ninguém te quer aqui não ! Tu mata sua mãe de desgosto, é isto que tu quer ?! Seu traste, inútil ! Não vê tua irmã ?! Empregada, ganhado seu sustento, sendo gente na vida ! E tu, o que é ?! Um merdinha que se diz poeta, um fracassado, um inútil ! Me diz uma coisa: pra quê este teu diploma ?! O que eu disse de sua poesia eu repito pra este teu diploma: não serve nem pra limpar bosta do mais vil mendigo !”, dizia buscando fôlego.
“Isto é um complô, mãe ! Este dois estão junto pra me destruir ! A senhora nunca percebeu que eles tem um caso...”, o inútil gesticulava insanamente.
“Mãe, eu não sou obrigada a ouvir isto não...”, tenta defesa Constância.
“Os dois tem um caso sim ! Mãe, me ouve ! Vamos fugir disto tudo. Eu prometo estudar prum concurso, faço cursos, me endireito... Me ouve, mãe ! Vamos embora !”
O inútil ajoelha-se ao lado da mãe. Pareciam dizer alguma linguagem muda, sem sinais ou visões. Estavam niilistas, embora nunca soubessem. O padrasto pega-o pelo braço com força:
“Olha, seu doido... Tu deixa sua mãe na paz da velhice, não queira pô-la em porra de aventura nenhuma ! Enquanto eu for vivo tu não tira minha mulher de casa !”
O inútil dirige olhares para mãe, esta submissa a toda ação. Não movia-se, uma paralisia que parecia um sim para a permanência. O computador emudece. Aquilo faz as pernas do inútil mexer-se. Caminha para o quarto, põe a "Marcha ao Suplício", de Berlioz.
“Desliga esta droga ! Vá ouvir música de pessoa normal !”, alguém grita do outro aposento. Ele não distingue a voz. Tira da caixa, que estava abaixo de sua cama, o 38. Coloca-o por entre a calça e sai.

“Não faz isto com tua mãe...”
“Não dá mais, mãe...”
“Tu é meu filho, é parte de mim...”
“Também sou parte sua...”
“Faz um esforço, fica... por mim...”
“É pela paz da senhora que farei o que será feito...”

“Vá logo, inútil...”
“Inútil...”

O tiro.

domingo, 16 de dezembro de 2007

SUICIDOU-SE COM BARBITÚRICOS

Quero um poema dos antigos,
destes com farmácia com “ph”.
Destes que, numa nota de jornal amarelado,
tem lá em letras garrafais:
“CORPO DE MULHER ENCONTRADO. SUICIDOU-SE COM BARBITÚRICOS.”

Quero o poema dos aromas de ácaros.
Quero um poema com fragrância de lavanda.
Quero o poema para o vestido da Joana...
Quero o poema do fraque de Oswald...

Quero o poema demodée.
Poema velho, cheio de rimas e métricas que desagradem os modernos.
Quero o soneto alexandrino.
Quero a poesia cheio de lamúrias e paixões proibidas, não-correspondidas, imorais...

Quero o poema encontrado, folha dobrada,
num exemplar de um clássico, página tal, junto a pequena flor amassada...
Poema achado pelo neto,
poema do avô para a avó,
na época em que eram Lininha e Josué,
meros namorados,
uma fotografia em desboto: datada, 1926.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

CORAÇÃO PARADO

"A outra pessoa é um enigma. E seus olhos são de estátua: cegos."
(Clarice Lispector)


Ele pesava mais de três centenas de quilos. Gordura mórbida. Não mais andava, vivia deitado sob uma cama revestida de tijolos por debaixo dela. Era cuidado por uma filha adotiva, Bernadete, chamada carinhosamente por Bé. Mal levantava os braços, fazia suas necessidades em enormes fraldões geriátricos. Tinha a respiração ofegante e alimentava com mais de trinta pãezinhos francês por dia. Sobreviviam com uma aposentadoria por invalidez e com ajuda de alguns vizinhos. A casa não tinha grandes luxos, dois quartos e uma cozinha com parede a reboque. Bé era uma linda moçoila, uns 25 ou até menos. Amorenada, cabelos encaracolados, vestia-se com severidade.
No quarto dele havia uma TV preto e branco. Gostava de assistir desenhos e acompanhava todas as novelas. Acima do criado-mudo muitos remédios. Tomava uns catorze por dia, muitos de tarja preta. Bé recortava fotos dos galãs. Gostava do Santoro, sentia que já o havia visto sem nunca tê-lo visto antes: fora num sonho e ele era um príncipe das Arábias que a seqüestrava para uma isolada cabana do deserto. Guardava todas as fotografias num surrado caderno. Colava-as e escrevia ditos amorosos. O gordo chamava-se Ulisses e engordara duma hora para outra. Antes trabalhava numa metalúrgica. Era feliz. Adotou Bé ainda criança de colo. Não sabia se tinha sorte ou arrependimento disto. Quando a TV lhe causava tédio olhava para as rachaduras do teto donde dormia. Imaginava seu coração parado, qual sensação será ? Queria um infarto que nunca chegava. Viver, para quê ? Não podia mais bater a pelada de sábado, nem ir aos churrascos de amigo, nunca mais... Vivia aos choros, queria dar menos trabalho a Bé.
Bé comprava os pães diariamente. O dinheiro não dava, pendurava às vezes. Ganhava a maioria gratuitamente. O padeiro da rua chamava-se Vitalino e por ela guardava uma grande estima. Sempre que possível a ajudava nos asseios ao pai. Sempre era preciso de gente para trocar-lhe as fraldas. Vitalino tivera um irmão gêmeo que falecera. Chamava-se Vital e algumas pessoas ainda o confundiam com ele. Para evitar isto passou a usar bigodes. Bé não simpatizava homens de rosto peludo. O irmão morto era o oposto de Vitalino: mulherengo, irresponsável, doidivanas completo. A timidez de Vitalino era tamanha que o único beijo que dera na vida fora de uma garota que, nas adolescências, o confundira com o finado Vital. Bé começou lendo romances água-com-açúcar, destes vendido em banca. Por recomendação de um conhecido, leu Lispector. Achou-a nojenta e resolveu ler a Bíblia. Hoje retornou a ler Lispector. A via crucis do corpo, seu livro de cabeceira.


De uns tempos pra cá, Bé havia de acordar encharcada. No começo não se lembrava do que sonhara. Achou que eram lombrigas, tomou um remédio e começou a obrar verde. Abandonou a medicação, mas continuara a suar. Tudo mudara duma hora para outra. Estava mais displicente nas higienes do pai. Só trocava-lhe os fraldões quando o exalar do fedor impregnava o casebre. Não sabia porquê. Começou a sentir-se mal quando tratava do pai, enjoava-lhe apenas a simples visão dele. Resolveu então rasgar as fotos do Santoro. Inconscientemente.
Um dia, contudo, teve um sonho nítido: via o pai com excitação, beijava-lhe o rosto, logo os lábios. Lascívamente. Então tirava o pobre vestido sem renda alguma. Exibia os pequeninos seios, ainda estava de calcinha. Subia no montanhês corpo e acariciava-lhe o órgão genital. Aí acordou, novamente em líquidos. Tentou rezar uma Salve-Rainha, não tinha concentração. Tomou um copo d’água e, pé-antepé, encaminhou-se para o quarto de Ulisses. Este dormia, roncava alto. Percebeu que a excitação ultrapassava o onirismo, não acreditava que poderia um dia ver o pai com tamanha indecência.
Friamente dirigia-se a ele. Apenas o alimentava e cuidava de seu hábito com os remédios e as assepsias. Ulisses achou que fosse um efeito natural de quem havia percebido o estorvo que era tratar de alguém em tal patologia. “Como Bé está linda a cada dia...”, pensava. E, no destravar do eterno, concebia-se anestesiado pelo platonismo de um amar ainda maior... Não a via somente como fruto seu: desejava enquanto carne, tinha-lhe libido, imaginava ereções apenas por ela, em seus delírios havia um aroma de pecado e a falta da ascese qualquer, destas litúrgicas, destas de pai... A sua razão ordenava-lhe, amoral : “Entrega-te ! Não és tua filha original ! Tu destes teus centavos de vida por ela ! Cobre-lhe de ósculos culposos, faça-lhe diáfana destes teus martírio, ame-a como nunca amaste mulher alguma ! Mostra-lhe quão viril és...”. E, catatônico, ouvia a voz como se esta fosse do padre em catequese duma distante nostálgica infância. Ulisses engordava mais a cada dia, chegara talvez aos 400 quilos. Aquilo não era vida. Seus olhos eram repletos de lágrimas e dor. Queria, esperava apenas a morte como consolo de todo seu sofrer. Esperanças findadas, enxergava vil os calendários e as horas. Em crise, pedia para ver álbuns antigos. Bé, sabendo do clamor que seria aquelas averiguações, escondia-os. Não adiantava; aí era aumentar seu penar. Então liberava e as simples passadas naquelas fotos amareladas, tempos de metalúrgico, tempos da pelada de sábado, tempos de Bé ainda no colo, tempos do bigode, do início da calvície, tempos do churrasco, tempos da vida... O pranto era sem controles. Deseja um infarto, o coração parado...
Bé lia um trecho do livro pousado na cabeceira. Estava sublinhado em caneta vermelha: “...A morte é de grande escuridão. Ou talvez não. Não sei como é, ainda não morri, e depois de morrer nem saberei. Quem sabe se não tão escura. Quem sabe se é um deslumbramento. A morte, quero dizer...” . Não sabia o porquê da frase. Sentia emoções ao lê-la. Lispector sempre a emocionava. Mas não temia sua própria morte. Não gostava era de imaginar a morte do pai. Ainda tinha aqueles estranhos sonhos. Pensou em procurar um padre ou o pastor do templo perto de sua rua. Este sempre o ajudara com cestas básicas. Também percebera o jeito como ele olhava para suas pernas. Decidiu então se macular em masturbação.

Naquela manhã, Ulisses acordou sem acordar. Abriu os olhos com dificuldade, mal respirava. Tentava puxar ar, mas aquilo lhe fazia doer os pulmões. Sentia pontadas no coração. Fortes pontadas. Um misto de felicidade e torpor atingia seu sorriso amarelo. As pontadas cresciam em intencionalidades. Fortes pontadas. Não gritou, sentiu que o infarto estava chegando. O coração parado. Mas teve uma hora que não deu. O urro era o sinal que sua paz era então desejada. Berrou a dor, gritou a alegria ! Bé, automaticamente, levantara e vira a cena: o rosto do pai estava cinza, parecia sufocado. A respiração ofegante, um grito ! A dor do obeso mórbido era sua própria dor.
Saiu, ainda de camisola, pela rua a clamar por ajuda. Ainda era muito cedo, muitos dormiam. Aos poucos uns e outros apareciam para saber que mal havia. Bé dirigiu-se para a casa de Vitalino, batendo na porta com aflição. Este parecia que anestesiado em graça: que beleza eram os pequenos seios de Bé que transpareciam pela seda tosca de seu decote ! Distinguira com nitidez os mamilos negroídes, intumescidos pelo frio das seis... Pela primeira vez a via com os cabelos desgrenhados, natural de seu despertar, parecia uma princesa que acordava de feitiço após cem anos de latência. Observava isto tudo do olho-mágico, mal percebendo a insistência das batidas. Abriu a porta e logo Bé conclamou do acontecido.
Foram preciso mais de quinze homens para a remoção do corpo. Fez-se necessário derrubar paredes para que Ulisses recebesse o socorro. Tudo era liderado por Vitalino, que dividia a atividade consolando a indócil Bé. A moça misturava uma estranha paralisia com choros leves, agudos, ácidos... Com trabalho colocaram-no numa ambulância.
Na rua só havia um posto de saúde, bastante modesto. O grande hospital público ficava distante, temiam que Ulisses não sobrevivesse à viagem. No posto de saúde só havia um clínico geral, mesmo assim ainda estagiário. Também tinha um obstetra. O clínico geral estava em seu horário de folga, o obstetra, sem saber o quê indicar, recomendou o entubamento do paciente. O rosto acinzentava cada vez mais, estava inconsciente e quando não, gemia. Bé dizia que a morte do pai era a morte dela também. Naquele momento só havia Vitalino, que fumava para esquecer os fatos. Nunca fumara, mas guardava um maço para uma certa ocasião. Recebeu reclamações da enfermeira e acabou apagando o cigarro num vaso de planta. Bé escondia o rosto em seu próprio colo, parecendo buscar uma posição fetal. Finalmente o clínico geral chegou. Não desaconselhou o ato do obstetra, mas disse que pouco havia o que se fazer com o dantesco obeso.Era preciso uma cirurgia e ele não era especialista, nem havia condições no posto de saúde para tal.Aquilo apunhalava Bé aos poucos. Ainda estava de camisola, mas agora coberta com um casaco. Vitalino deu-lhe água num copo plástico e saiu vagarosamente.
Sabia Vitalino que a única chance de salvar Ulisses era pagando uma clínica particular. Sabia que salvá-lo era restabelecer vida à sua amada. E então sacou o pouco que tinha em cadernetas de poupanças e penhorou dois relógios ganhados em herança. Pôs no prego também a sua padaria. Conseguiu pouco montante, o suficiente para a cirurgia e um dia de internação num bom centro cardiovascular. Quando soube da transferência de seu pai, sentiu-se Bé miraculosa. O transporte de helicóptero foi bastante ágil.
Já na recepção de um bom hospital, Bé esperava notícias. Pensou, pela última vez, no pai eroticamente. Repudiou-se. Vitalino ofereceu-lhe o terço que sempre trazia em seu pescoço. Bé segurou-o e Vitalino arrepiou-se com o breve tocar de dedos. A moça segurava o terço, mas não tinha fé alguma. Segurava-o e não via Deus algum: apenas lembrou-se de um conto de Lispector, Melhor do que Arder. Gravara-o por inteiro, recitava-o de cor. Fez dele uma ave-maria e concentrava-se para que nenhuma palavra fugisse de sua memória. Durante sua baixa reza, pensou em mãos segurando os seus seios. Olhou para Vitalino, este parecia cochilar. Queria que aquelas mãos fossem dele.
Seguiu-se a segunda hora da operação. Bé aceitou o café que Vitalino lhe trouxe. Agora batia as mãos em seus joelhos. Tivera tempo de trocar a camisola por um vestido. Vitalino trouxe-lhe da casa da moça. Mantinha o terço como amuleto fiel, não o desatara entre dedos. O médico aparece. Tinham manchas de sangue na roupa branca que usava. Com uma só mão tirara a máscara de seu rosto. Perguntou por Bernadete e esta apresentou -se. “Com dor, eu lamento...”, falou o médico pausadamente, quase que adestrado.

Bé não chorou tanto. Vitalino não sabia o que dizer, nem como agir. Deu socos na parede, quis demonstrar o mínimo de raiva que a notícia lhe causava. Não que fingira, mas sentiu que encenara pra caramba. Bé quis ver o corpo do pai, mas indicaram-lhe que o já cadáver agora passava pela burocracia da necropsia. Ulisses morreu com quase meio mil quilos e teve três paradas cardíacas durante a operação.

Um enterro bonito. Não sabiam como, mas conseguiram colocar o corpo num caixão comum. Havia poucas flores e nenhuma coroa. Umas quinze pessoas, alguns amigos da metalurgia, ninguém das antigas peladas. Bé trajava luto em preto e um jeans. Primeira vez que usava calças. O caixão estava lacrado e não se via o rosto do moribundo. Será que serraram-no ?! Vitalino não cogitou isto. Aproximou-se de Bé em consolo. Saíram do cemitério de mãos dadas.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

POEMINHA

Limar, da pedra, o ferro
da fruta se fazer, limão
da montanha, a coisa que assanha
do causo, um mito
da causa, o desminto
E da vida, uma cor que,
decorada de cor
descolore
qualquer sol
qualquer céu
qualquer lar
o quer me quer,
sem mal
nem bem
tem sal
é mar..

Vivo porque ainda não conheço.
E teço
muitos terços
que meu corpo quer
a-brigar.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

URBANIDADES II

“O conhecimento da alma humana passa por um campo de futebol” (Albert Camus)

Foi num destes agostos de calor. Seguro o canudo com força, recebo os abraços de meus familiares. Só faltava o dos grandes amigos. Foi com dificuldades que me formei doutor. E agora era mais uma nova decolada em minha vida... E assim como desejei, compareciam todos aqueles que estimava, inclusive “Os Tartarugas”, o grande time do bairro de minhas lembranças
Um deles já morreu. Outros estavam presos, alguns moravam em lugares distantes ou mesmo fora do país. Contudo os mais chegados estavam na cerimônia de minha diplomação. Eu de beca, o Biscoito com uma pólo cor de manga. Foi meu primeiro abraço, como ele engordara !
- Dicó !!!! - grita - ...quer dizer, Doutor Alberto...
Dei uma gargalhada e exclamei:
- Ah, seu puto ! Pode me chamar do que quiser...
Biscoito compartilha da risada e logo fui em direção a mesa em que os outros se encontravam. Enquanto abraçava os restantes, ele tirou uma fotografia do seu bolso: “Os Tartarugas” daquele verão de 82: Maloca, Ivinho, Mesma-roupa, Nariz e Boca de cisterna; Biscoito, Guilherminho e Metido-a-Zico; Borra-shorts, Pomba e eu. Que timão ! Quantos hematomas contavam aquelas histórias... Tinha uma cicatriz na testa de uma dividida com o Come-lama, um marrento beque do “Brasilzinho”...
- O Come-lama ?! Puta que pariu ! Nem lembrava mais dele. – disse Metido-a-Zico, hoje chamado por seu nome de batismo, Cristóvão.
- Pois é. Morreu... – comentou Boca de cisterna, hoje Aderbal.
- Morreu ?! – disse – Puxa vida... E de quê ?!
- Tiro. Mexia com tóxico...
- Ele tinha talento pra bola... - puxou Guilherminho, ainda Guilherminho. Não mudara nada, nem o tamanho.
- O Come-lama era melhor que muitos zagueiros de hoje... – esboçou Biscoito. Hoje era Assis, tinha uma pequena empresa e estava casado. E calvo...
- Ele ainda fez teste pra jogar no Bahia, né Biscoito ?! – digo.
- Fez sim. Mas acabou reprovado. Sei que ele jogou ainda no juniores do Galícia...
- Mas aquele ali não se remendava... – exclama Guilherminho.
- É... Preferiu mexer com tráfico. Taí: morreu com menos de 24 anos. – conclui Biscoito.
- Pois é, pois é... Mas vocês lembram quando ganhamos do “Becão Futebol Club” ?!
Não sei quem mencionou isto, mas foi como se transportasse todos aqueles ainda remanescentes dos “Tartarugas” para um dos grandes jogos de nossa vida. Eu ia completar nove anos quando nosso time venceu o primeiro jogo de sua breve existência. E justamente contra o “Becão Futebol Club”, invicto até então. Devo lembrar que os “Tartarugas” era o time mais popular do bairro. Nunca soube o porquê, mas as meninas sempre torciam por nós. Inclusive a Madalena, meu primeiro namorinho platônico. Talvez fosse pelo fato de nunca termos ganhado nada. E ganhar nada num Brasil em processo de redemocratização significava ser o próprio espelho do país... Logicamente havia também o fato de termos perdido a Copa daquele ano do jeito que foi. Lembro que chorei pacas quando o Paolo Rossi fez aquele terceiro gol e tirou-nos o grito entalado de doze anos sem ganhar um tento mundial....
De repente nos vimos numa mesa rodeada de cervejas e outros porres. Os cinco últimos restantes dos “Tartarugas”. Jogávamos sem uniforme, portanto era exigido que cada um usasse uma camisa de mesma cor. Como o Mesma-Roupa só usava uma surrada camisa verde, foi então estabelecido que todos jogariam de verde. E descalços, vale salientar.
- Ah, o jogo contra o “Becão”...
Não lembro quem puxou esta nova conversa, mas eu repeti a tal exclamação. Como era saudoso aquele clássico, tarde de domingo numa pós-chuva de sábado. O campinho era um lamaçal que só !
- Teda, David, Bufa de véi, Plínio e Cobra... – puxou o antigo Boca de cisterna, ainda com o hálito que o caracterizava.
- Damião, Fusca, Medroso e Catarro, Altamiro Canalha e Todo-Duro ! – terminou Biscoito a escalação do “Becão F.C”.
Imediatamente brindamos e logo me lembrei do último nome citado. Todo-Duro era um gigante de uns 14 anos que batia em menininhos e ainda era louquinho pela minha Madalena ! Meu maior algoz de infância... Na época éramos pirralhos de nove, dez anos e os garotos mais velhos e mais fortes sempre causavam frisson nas meninas. Não sei se a Madá (como a chamavam-na carinhosamente) tinha ou não interesse no Todo-Duro, mas o simples fato de vê-los conversando em intimidades já me causava uma vontade de socá-lo...
- Jogão, né ?! – puxa Biscoito.
- Ô se foi... – lembro – dois a um...
- E de virada !!! – exalta Metido-a-Zico.
- E o último gol de quem foi ?! Hein, hein ?! – interroga Guilherminho.
Todos gritam em uníssono: “Nariz !!!!”
- Poxa... Finado Nariz... – indago.
- Ele morreu de quê mesmo ?! – pergunta Biscoito.
- Infarto. Faz pouco tempo... creio q uns três meses. – responde Boca de cisterna.
- Poxa, e eu nem fui ao velório... – digo.
- Nem tu e nem ninguém ! O cara ainda morava no Sussuarana...
- Jura Aderbal ?! – espanta-se Guilherminho.
- Pois é. Só fui saber da morte dele acho que um mês depois...
- Então vamos fazer um minuto de silêncio em homenagem ao grande Nariz...
E todos calaram. Mas o minuto converteu-se em apenas alguns segundos.
- E foi de cabeça né ?! – lembra Biscoito.
- Foi. Logo do Nariz, o maior perna-de-pau do Sussuarana... – digo.
- Bons tempos do Sussuarana...
- É mesmo Biscoito...
Damos uma suspirada que parecia mais um alívio. Alguns bicam da cerveja quente num copo plástico, outros petiscam uns restos de salgadinhos ainda existentes numa bandeja estacionada ali na mesa. Biscoito roça a foto com os dedos, como se querendo afagar nossas lembranças. É ele quem recomeça a conversa:
- O jogo contra o “Becão”... Cês lembram bem do jogo ?! Confesso que esqueci alguns detalhes...
- Ah, eu lembro que o campo tava uma lama que só... – diz Boca de cisterna.
- E eu lembro que fui eu quem cruzou a bola na área pro gol do Nariz... – fala Guilherminho.
- Epa ! Não foi o senhor não !!!! Foi eu quem cruzou... – digo.
- Claro que não. Foi eu sim ! Me lembro como se estivesse vendo o jogo aqui na minha frente... Pomba recupera a bola no nosso campo, avança um pouco e toca pra você. Aí você faz tabelinha com Metido-a-Zico, que passou pra mim. Aí eu cruzei pro Nariz e pimba !
- Claro que não foi assim, Guilherminho... – indago – Primeiro que o gol foi no segundo tempo e o Pomba saiu logo no começo do jogo...
- É, o Dicó tá certo... – diz Boca de cisterna. - ...O Pomba se machucou ! Foi numa dividida com o Fusca, filho do finado Zacarias sapateiro...
- Há controvérsias aí... Cê tá duvidando da minha memória ?! Me lembro sim: foi o Pomba que passou pro Dicó...
- O Boca tá certo sim... – lembra Biscoito - ...tou recordando agora. O Pomba saiu com o joelho inchado. Aí a gente colocou o Barbie...
- Barbie, o viadinho !!! Claro que eu me lembro... – grito – Poxa vida... Por onde anda esta criatura ?!
- Moço, a última que eu soube dele é que ele se tornou artista plástico de grande destaque no cenário internacional. Inclusive namora com uma modelo que é um avião !!!
- Não brinca, Biscoito ?!
- Juro...
- Deve ser fachada. Ali era a maior bichona...
- Peraí ! Vocês tão é doido !!! O jogo que o Barbie entrou foi contra o “Flamenguinho de Pau da Lima”... – insiste Guilherminho.
- Nunca !!!! – exclamo – O jogo contra o “Flamenguinho” foi bem depois...
- Verdade... E neste jogo o Barbie nem jogou...
- Cê tá certo Biscoito... E o Barbie só jogou contra o “Becão” porque o Pomba machucou. Ele era outro perna-de-pau, todo fresquinho...
Neste momento aparece a turma de formados e pede minha presença para tirar fotografias de praxe. Peço licença pra turma e retruco que mais tarde eu apareceria para concluirmos as lembranças do clássico “Os Tartarugas versus Becão”...
- Então tá bom... Foi o Dicó que cruzou pro Nariz... – aceita, meio na birra, Guilherminho.
- Pois é, logo o Nariz...
- É, cara... O Nariz... Zagueiro... – gagueja Biscoito.
- Zagueiro só porque era PDB...
- Qualé, Guilherminho ?! Eu era zagueiro e não era pior do baba coisíssima nenhuma !!!! Aliás, eu era um baita zagueiraço, um Luís Pereira...
- Cê, um Luís Pereira ?! Bosta, Boca de Cisterna...
- É... Tu não dava nem pro chulé... Cá entre nós: tu jogava mal pacas... Nossa sorte era que o Maloca era bom pra caralho...
- O Biscoito tá certo. Cara, o Maloca... Tu lembra que ele era apaixonado pela Simony do Balão Mágico ?!
Todos riem. Biscoito então fala:
- Era mesmo... Cês lembram que ele chorou quando a gente inventou que a Simony tinha morrido num acidente de avião ?!
- Putz grila... Foi mesmo ! Mas ele era o mais novo da galera, né ?!
- É. Ele tinha uns dois anos a menos... Mas pulava na bola que mais parecia um gato...
- Muito melhor que o Waldir Peres !!!!
Novamente todos riem. Chego perto da mesa novamente.
- Pronto, “Tartarugas”... Já tou livre pra resenharmos até raiar o dia...
- Ai,ai... Tamos aqui lembrando do Maloca... – comenta Guilherminho.
- Maloca ?! – cantarolo – “Canta também, Pimpão... Pelo salão...”
Todos gargalham e brindam.
- Moço, o cara chorava ouvindo a Simony cantando esta música...
- Puta que pariu !!! Era mesmo... – lembra Cristóvão.
- Grande Maloca... Foi o único que engrenou mesmo no futebol, né ?!
- E não foi ?! Falei com ele há pouco tempo. Tá treinando um time de Minas, da segunda divisão...
- E ainda jogou nuns times do interior paulista...
- Chegou a ser reserva do Sidmar na Portuguesa !!!!
- Caralho, Boca... Mais fundo do baú que lembrar o Maloca é lembrar-se deste Sidmar...
- Porra, Biscoito ! O Sidmar era um puto como goleiro. Pegava barbaridade !!! Jogou até no “Baêa”. Tenho o autográfo dele e tudo...
Depois deste comentário foi um jogo de “ai,ai” prum lado, um prolongado silêncio do outro... Cada um se concentrou em seu copo de plástico de cerveja, que, aliás, já enchia de garrafas a mesa em questão. Peço pro garçom servir mais salgadinhos, no que sou brevemente atendido. Olho minha esposa, mas penso em Madá, minha Madá... Lembro, como em taipe, da Sussuarana onde nasci, do bairro de pouca iluminação onde se criava até bodes ! Revejo então o campo de lama, as Tubaínas que seu Ezeclias patrocinava depois de cada partida (mesmo naquelas que perdíamos), do gol do Nariz no jogo contra o “Becão”, no vento que um dia levantou a saia e eu pude ver a calcinha rendada da Madá...
- Cês ainda lembram da Madá ?!
- Claro, da Madá... Como esquecê-la, né ?! – indaga Biscoito.
- Morena bonita... Eu era louco por ela...
- E quem não era louco por ela, né Boca ?!
- E destaco que era nossa grande torcedora... – destaco.
- E não era ?! Poxa... Ela criou até torcida organizada e tudo. Como era o nome mesmo da torcida ?!
- “As Tartarugas dos Tartarugas” !!! – digo rapidamente, já com o dedo em haste.
- Era mesmo... Tinha até faixa, grito de guerra e as porra tudo.. – ri Metido-a-Zico, o mais lacônico da galera. -... Mas o que me deixava mais intrigado é que ela tinha uns doze na época e ainda sim tinha uma paixão pelo time...
- Uma paixão por mim, você quer dizer... – gaba-se Guilherminho.
- Aonde, aonde ?! – remenda Boca – Ela gostava era de mim !!!!
Antes que começasse um bate-boca por ali, Biscoito interfere:
- Calma, gente... Eu sinceramente acho que ela curtia era o Dicó...
Estranho saber que eu ruborizei no instante que ele falou nisto. Fora se como a mais de vinte anos atrás...
- Do Dicó ?! Porra nenhuma !!! O Dicó era magrela demais. Ela era doidinha por mim isto sim...
- Por tu, Guilherminho ?! Tu tinha pança de barriga d’água, lembra não ?! – completa Cristóvão, o eterno Metido-a-Zico.
Todos riem. Então pergunto:
- Ai,ai... Mas que fim ela levou?!
- A Madá ?! Tá casada com o George...
- George ?! Que merda é George ?!
- O Todo-Duro, do “Becão”... Tu não lembra mais não ?!
E foi como um soco de supetão, muito pior que aquele dado por ele próprio quando eu dei um beijo à força na Madá... Aquela revelação agridoce do Biscoito me causou espanto e um abismar: quão irônico pode ser o destino... A Madalena, nossa musa Madá, meu primeiro amor, a “Winnie Cooper” de todos nós dos “Tartarugas”... Madá e Todo-Duro, caraca... É, quando a coisa tem quer ser, ninguém pode impedir né ?! Lembro que por causa dela eu aprendi a dedilhar no violão “As canções que você fez pra mim”, que pela Madá eu nem dormia direito, escrevia poemas tolos, cantarolava as músicas de corno que rolava na Sociedade, olhava pras estrelas, até chorei... Fiquei uns dois anos nesta nóia, pensei que ia morrer sem gostar de outra garota. Claro que assim não aconteceu, muita água rolou por debaixo desta ponte... Acreditam que a prostituta com quem perdi a virgindade também se chamava Madalena ?! E não foi mero acaso: um puteiro na Baixa de Quintas, com meus 16, eu e uma galerinha do Central fomos lá... Escolhi a dedo. Esta Madalena em questão tinha uns 50, poucos dentes e ainda era estrábica. Mas quando eu soube do seu nome, foi nela que fui... Ah Madá... Imaginava-a com qualquer tipo de vida, com qualquer homem, menos com meu algoz de infância...
- Pois é... Irônico destino né... – concluo.
“Os Tartarugas” ali restantes nada falaram. Cada um ficou com sua lembrança, cada um com sua maquininha projetando imagens, cheiros, gostos, gols... A grande graça de chegar a uma formatura, a graduar-se médico, especializar-se em algo, é você olhar pra trás e perceber que houve um passado. E saber que tudo na vida é uma etapa e que é necessário galgar cada degrau dela. Reunir aqueles cinco fazia-me um bem quase que ególatra. Mas eu sabia que não era um bem só meu: no fundo cada um deles sente-se feliz em saber um do outro, de ver sucessos e chorar fracassos, estar de mãos estendidas pra qualquer ajuda e lágrimas no rosto por todas as glórias... Biscoito guarda a foto no bolso da camisa e dá uma batidinha, como se confirmando que nossa infância estivesse em seu coração. E quando aquele símbolo é escondido do atual instante, aí sabemos que é a hora de cada um se levantar, o amanhã será mais um hoje e o hoje não podia parar... Todos se levantam, alguns tontos de recordação e cerveja, e cumprimentam-se. Unânime também são os parabéns dados ao Dicó, o Doutor Alberto... Recebo-os com carinho e prometo ligação o mais breve possível. E então fico só.
É quando minha esposa se aproxima. Dá-me um beijo na testa e logo outro na boca, bem de leve...
- Então aquele é o famoso “Os Tartarugas”...
- Já lhe disse que te amo hoje, Rita Madalena ?!
Lembro-me então duma frase de Camus que ouvi um dia: “O conhecimento da alma humana passa por um campo de futebol”. Acho que ele estava com toda a razão

HOMENAGEM

Augusto
dos Anjos

Ao gosto
dos anjos

augusto
dos anjos...

dos demônios
dos morcegos
dos umbrais
da morte
do carbono e do amoníaco...

E tudo mais...

E daquele pé de tamarindo...
que, rindo-rindo
parece até gosto de anjo...

gosto
dos anjos

degustar
dos anjos

Num agosto
dos anjos...

Augusto
Dos Anjos.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O QUE DESEJO

Para situações escutadas por alunos/alunas de meu antigo colégio de ofício.

Amar
com “A” maiúsculo
mesmo sendo tão minúsculo,
tão micro,
sentir-se tufão
algo no aumentativo
comparativo a um titã
Amar...

Amar como a vastidão do mar
sentir-se um mar
mesmo quando somos moscas,
(mera e vegetativa criatura
tão vil que ninguém vê)
amar como a força de um deus
sentir-se na potência da opulência
duma explosão nuclear,
ou tão leve quanto uma nuvem
que vem, que vai
que chega com o bradar de trovões
ou a calma anunciação de chuva, chuvisco,
da invernagem sertaneja,
das enchentes urbanas...

Amar porque os instantes são breves,
Amar já que a memória é eterna,
Amar ternamente,
raivosamente na busca do algo amado
Amando eternamente e brevemente,
Amando como um soprar em bolhas
O Amar duma criança no seu primeiro amor,
Amar feito a velhice dos últimos amores,
Amar
feito a beleza de se enxergar
na cegueira do amor,
de ver no feio a beleza que nunca quisera olhar,
molhar de amor este amar inocente
crescer na fortaleza deste momento –
Ser rebento, detento da condição,
dependente incontido da situação,
viciado deste cio,
querendo tão somente o assovio de gritar o seu nome.

Amar por querer
Amar pra querer amar
Amar porque preciso remar
neste mar, neste rio
Amar porque rio da sua risada
Amar porque há sua lágrima e seu suor
Amar por soa sinos quando a vejo...

Amar, simplesmente
E pronto !
nunca está tão pronto
ou sempre estar de prontidão:
Amar com paixão,
apaixonar-se e amar
quedar de céus
e cair nos seus cabelos –
Sê-lo
a maior proteção
contra a dureza do chão.

Amar, por fim
Amar enfim
Amar amar...