quinta-feira, 24 de abril de 2008

POEMA-CHORO

Para mais uma desilusão amorosa minha...

Meu choro é o canto que declamo,
meu choro é flauta que soa,
você é passarinho mudo, desencantou...
você passou, devagarinho voa,
fez em mim tufão,
agora me faz chorar sem canção.

Meu choro não se escuta,
se aglutina, estanca, ferve...
Minha verve pede nervos,
minha alma não decalca sua epiderme,
espreme, expia, nada leva,
tão leve, seu amor sem pesos...

Meu choro, preciso é chorar
necessário batucar coração descompassado,
que chora a sua condição em mim - coisa que não quero !
Sendo bem sincero, indo com esmero ao proceder deste samba-enredo:
choro que não se ouve,
choro batido nas linhas dum cavaquinho,
choro bem devagarinho,
choro desaguado, choro de mar...

domingo, 20 de abril de 2008

PRA ÉLCIA, NADA MAIS

Tenho-a tão longe de meus olhos,
eles, cansados, nem choram mais...

Vejo-te num redemoinho de estrelas,
ou numa explosão de rosas,
em mil coisas gasosas, no sublimar dum pôr-do-sol,
Na proximidade de um sorriso,
em qualquer coisa que me lembre um terno carinho...

mas ainda sim a tenho tão longe de mim,
e talvez isto me persiga por toda o instante...

porém você se metamorfoseia em lua,
fazendo de mim apenas mais um que te contempla.
Construo templos, mil tempos para te amar,
um mar que nos aproxime, a imensidão que nos eternize...
destruo esta podre e pobre distância,
que insiste em aumentar minha ânsia
de te querer, nada mais...
acabo com tudo que nos desvia -
labirintos que sinto, procuro e não há seu guio.
Assim a tristeza se despe,
faz de mim um serviçal seu,
mas só em ti redimo-me,
e gozo pelo prazer de te escutar ali

sábado, 19 de abril de 2008

UM POEMA RES COGITA (2° VERSÃO)

"O que é, exatamente por ser como tal como é, não vai ficar tal como está" (Brecht)

Toda vontade é Schopenhauer,
todo suicídio é Camus,
toda caverna é Sócrates,
todo amor é Platão,
todo deus-morto é Nietzsche,
e toda existência é Sartre...

Toda mais-valia é Marx,
toda metafísica é Aristóteles,
todo passar no rio é Heráclito,
todo pai é Tales,
todo ser-aí é Heidegger,
e todo Estado é Hobbes...

Todo cogito é Descartes,
todo positivo é Comte,
todo juízo é Kant,
todo ideal-racional é Hegel,
e todo príncipe é Maquiavel....

E tudo (isto) é falácia...

E todo professor é sofista,
e todo calouro é copista
de Copi, Copi
(de livro amarelo nas mãos, o mundo é um engano, o mundo é um apelo a piedade...)

E toda dúvida...
E toda indagação...
E todo ceticismo...
E toda dialética...
E todo dogma... E todo ente é filosofia,
toda essência...
toda matéria... toda matéria-prima

prima ou filos,
todos são filos...
filhos, não importa a mãe:
ninfas ? Ariadne ?
Heloísa ? Diotima ?
Simone de Beauvoir ? As amantes de Rosseau ?
Sofia ?

Filosofia ?
Incesto monumental !

E que São Lázaro nos proteja !

(Janeiro, 2004)

P.S: Ditos da época - Para toda comunidade FFCH/UFBA, em especial a Anael e Gabriela, grandes entusiastas do meu modesto trabalho...

Saudade de todos !!!!

PATOLOGIA

O seu amor me deixou doente,
de cama,
dodoí.
O seu amor doí,
o seu amor me matou.
O seu amor contaminou a cidade
o seu amor me deixou em estado de enfermidade
o seu amor fraturou meus ossos,
o seu amor é infecção,
o seu amor, obturação.
O seu amor é mercúrio-cromo,
o seu amor é patologia,
o seu amor é hipocondríaco,
o seu amor é um remédio,
o seu amor é a febre,
o seu amor é a taquicardia
o bip-bip do eletrocardiograma
o seu amor é um coração
um transplante
uma ponte de safena
o seu amor é o branco do médico
o termomêtro da enfermeira
o exame de fezes
o seu amor é um vômito
um comprimido
o seu amor é prancheta
o sangue a ser doado
o seu amor é gaze, esparadrapo
o seu amor é soro
a cicatriz
a vacina
o seu amor é anestesia
a recaída
pressão alta
o seu amor é operação de fimose
a recuperação
uma maternidade
o seu amor é um parto cesarino
um bisturi
um estetoscópio
o seu amor é o velho morrendo
a eutanásia
um ser em coma
o seu amor é UTI
o plano de saúde
a amputação
o seu amor é um cádaver
a rápida visita
um corredor frio
o seu amor é revistas de medicina
a recepção
e a recepcionista...

O seu amor é uma doença.

(2004)

POEMA

"...Não te aconselho o amor. O amor é fácil e triste. Não se ama no amor, senão o seu próximo findar. Eis o que somos: o nosso tédio de ser..." (Ferreira Gullar)

És meu irmão,
és meu amigo,
és minha namorada,
és meu confidente,
és a foda perfeita,
és meu vinho,
és meu "cão engarrafado", poema !
És íntima, és notável
és única, és anti-depressiva
és segredo,
és número,
és cabala, poema !

És condutor, és princípio,
és linguagem,
és céu,
és minha companheira,
és meu abrigo, és meu aborto,
és meu canto, poema !
De tudo és tudo -
a lágrima, a folha, o caminho reverenciado,
a ficante, o extasy, o fim... poema !

Os beijos que quero, viva a vida que briga !

Poema, não me abandones...
Poema, prostituta que me permites o repouso em teu seio, colegial que deixais ver a calcinha, mãe do colo, ama-de-leite...
Meu consolo, meu solo, minha pose,
meu nome,
poema !

(2004)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

MUDA HISTÓRIA PRA LAVRAR PALAVRA

Rosa, cidadão, RG de vários números, um monte de letras que formam as siglas de suas dívidas cotidianas, 42 pra 43, nesta sopa amálgama que forma esta criatura, este ser, esta vida a ser descrita e escrita, cunhada aqui nesta muda história que em nada mudará a muda, o irá dos outros... Pois bem, a insignificância da personagem não é além de sua curiosidade enquanto figura. Necessário aqui é registrar a vida e os passos deste sombrio que em tanto foge e dissipa luz para uma narrativa contundente e vivaz. E, sem rodeios ou quiproquós, começo aqui este meu contar-conto, ponto e pronto !

Apesar de carregar feminilidade no nome, saliento que Rosa é homem e sexualmente bem definido: hetero, pai de família e de duas crianças bem nutridas e bonitas, uma esposa amável, algumas décadas de um casamento estável... Vendedor ambulante de enciclopédias, destes que batem em várias portas dia-a-dia, Rosa sua pela sua sobrevivência, um típico comum dentro das coisas comuns que há no mundo. Toda manhã acorda antes do sol, escova os dentes, liga o rádio, faz o café, desperta a esposa com o barulho das xícaras e colheres, come o pão de ontem com manteiga ou geléia, quando têm. A esposa sai do banheiro, ele entra. Toma o banho e faz suas necessidades. Veste-se no quarto enquanto a esposa requenta o café. Sai de casa despedindo-se da esposa. Sem beijá-la, contudo. Pega duas conduções e chega na revendedora. Lá pega uns dois exemplares, põe-nas numa mochila, veste-se de camisa branca e uma gravata negra, coloca o crachá na região do bolso, passa uma dose de gel nos cabelos, penteia-os e dirige para a rua destinada naquele instante. Às vezes pega mais um ou dois ônibus, noutras gosta de caminhar sentindo o cheiro das flores, o calor do asfalto ou o frio das pessoas que passam sem olá. Intervalo pro almoço um pouco depois do meio dia, um PF vizinho do local onde bate ponto, bastante feijão, ovo e verdura. Tem dias que dispensa o arroz pois colocavam ervilha, o que ele detesta. Toma um suco, ora cupuaçu, ora mamão com laranja. Paga em ticket e ainda dá tempo pruma respirada. Então fuma um cigarro sentado na praça e espera o tempo ir junto com suas baforadas. Olha o relógio, dez para uma. Levanta-se, mais um ou dois transportes, bate porta, “bom dia senhora”, campainha, “não quero, não preciso, não posso...”, alguns cachorros, uma venda, dia sim, dia não... Expediente termina às cinco e meia, na revendedora de livros onde deixa os cupons de vendas, alguns poucos preenchidos. Ônibus apertado, agonia, olha pro relógio, engarrafamento, mais outro ônibus, aperto, uma reza inconsciente pra chegar bem em casa, quase duas horas depois e o destino final: cumprimenta a esposa e os filhos. Vai ao banheiro, toma mais um banho, a janta básica, o noticiário na TV, a novela das oito, cochilo no sofá, ir para a cama sem beijar a esposa. Rola na cama de lá pra cá, levanta-se, urina, pega um antiácido e toma-o com água. Logo deita e olha pro teto até o sono chegar, uma ou duas da manhã no relógio da cômoda. E então o ciclo repete-se, repete-se, repetindo...

Mas tudo isto mudou...

Num destes dias de pouca vendagem, Rosa sentou-se num banquinho defronte de um parquinho infantil. Tirou o maço dos bolsos e pegou um cigarro. Acendeu-o olhando para um grupo de meninos que se revezavam na descida de um escorregador. Deixou a mochila ao seu lado. Levantou a cabeça e percebeu uma nuvem, logo o vôo duma andorinha e o seu pousar num galho de árvore. Então tirou uma das enciclopédias que levava como amostra e que estava dentro da mochila. Geralmente não gostava de ler. Folheava o jornal, via a parte de política, mas nada de tão sério. Gabava-se de dizer que nunca lera um livro por completo a não ser “O Guarani” (e na época de escola !). Mas o momento parecia-lhe certo para tal ato – o que lhe custaria, senão alguns minutos de ócio ? Abriu aleatoriamente, viu a definição de “física quântica”. Achou chato, mas deliciou-se com as junções de palavras, as frases criadas, frankensteins de fonéticas e idéias. Partiu então pra outra coisa e deparou-se com outros conceitos, alguns que animaram sua alma descabida, outros que lhe fizeram passar o olhar desenfreadamente. E vendo seu homônimo, compreendeu que não era só signo duma coisa só – poderia ser flor, cor, símbolo que representa pontos cardeais... Conheceu também um pouco da vida de um Rosa famoso, de primeiro nome Guimarães, mineiro, tão homem quanto ele – maior talvez pelo fato de ser um verbete de enciclopédia. Lírico lhe foi a definição de seu contexto literário: “destaca-se sobretudo pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais. Tudo isso, unindo à sua erudição, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas...”. Leu e releu aquilo, pareceu-lhe mantra, descoberta, sonho, qualquer sentimento de dificil descrição. Interessou-se e marcou numa agenda a bibliografia do autor biografado. O dia parecia correr devagar, divagou isto e pensou na contradição das significações das palavras – ora, ninguém corre devagar ! – mas achou poético dizer aquilo e fez anotação. Lembrou-se de uma biblioteca por perto e decidiu perder algumas vendas, o horário do almoço e do cigarro, da suadeira e das batidas nas portas de desconhecidos que lhe negaram compra. Dirigiu-se então e lá pediu os exemplares do Rosa. Acabou por pegar “Saragana”, talvez pela peculiaridade do título , ou então pelo número de páginas, sabe-se lá...
Não sabia que tinha um mundo em mãos, mas sentiu isto enquanto carregava o livro. No começo, sentado num banco de ônibus, passou os olhos pela capa e passou-lhe suavemente a mão. Virou e viu a contracapa, onde alguém descrevia a importância do autor para a literartura nacional. Pensou então que ninguém havia descrito a sua importância no mundo – nem redações dos filhos, nem em reuniões de trabalho, nem em cartas da esposa na época de namorados... Ele também Rosa, um Rosa desbotado, mas agora grandioso por saber que teria mundos e mundos em suas mãos. A coincidência dos nomes lhe fez comprar uma rosa, decidido dá-la para a esposa. Chegou em casa e percebera que seu ciclo viciante ainda não cessara: cumprimentar os entes da casa, o banho, a janta, a TV... Mas, depois do cochilo no habitual sofá, ao chegar em seu quarto, deparou-se com o “Saragana” de capa avermelhada e grossa. Sentou-se a cama, acendeu o abajur, pegou o livro que estava sob o criado-mudo e abriu as primeiras páginas, lendo-as, capítulo a capítulo, “O Burrinho Pedrês”, “A volta do marido pródigo”, “Sarapalha”... Demorou-se a dormir, a esposa reclamou da luz acesa e da espera em vão por algum momento mais romântico, depois de recebido a flor que adornava um vaso estacionado na estante de sua cabeceira. Terminou o livro numa só noite, olho o relógio e viu que era tarde. Levantou-se para tomar o antiácido, lavou o rosto, voltou pro quarto e viu a esposa dormindo. Do lado onde deveria estar deitado encontrava-se o exemplar, assim pousado, pesado de saberes, algo que lhe tornara mais ser, uma muda história para lavrar palavras, uma mutação quieta, feito casulo, feito explosão de estrela, tipo metáforas que ainda não eram de seu feitio, feitiço tecido, roupa de cavalaria, fortaleza, proteção...
O hábito não separou-se de Rosa, em nada mudou o seu cotidiano. Mas sentia-se mais firme, mais Rosa, mais algo do mundo, uma roca no mosaico da humanidade... Decidiu ler de duas a três vezes por semana, começando por pequenos clássicos, depois indo mais além. Fez de sua vida o livro que deveria ser lido, lidando com tudo e trazendo mais cor e esperança ao tudo tautológico, lógico e cheio de falácias a serem decifradas e solucionadas. Lendo sabia que poderia ser patrão, gigante, potente, também fraco, também cálido, cândido, quieto. Mil antagonias enfim... E assim seguiu, caminhou, fez sua vida, fez-se na vida, levou, passando passado e presente, sendo manhãs e noites. O mundo o leu, leu o mundo e assim dormiu, acordou, viu e encarou as palavras...
Findou-se.

LOVE LOVE EU TE AMO

Para uma antiga pinchação de paredes de Irecê (BA)

Amor, amor
Amo-te, te amo
E isto pincho nas paredes cruas
Torno-as nuas
Assim como a face da lua
Que nossos olhos vãos não querem enxergar.

Love love eu te amo
Está lá, em azul,
Do norte ao sul
E todas as pessoas olham agora
E sabem deste nosso amor oculto.

E todos agora entendem este meu desejo,
Meu desejo te quer...
Meu desejo se mostra...
Meu desejo, anseio de tocá-la...
Ou de demonstrá-la...
Ou de tê-la,
Tela mácula,
Muros que eternamente gravaram este coisa que sinto
A coisa murada, cercada deste ego que divido:
Love love:
Eu te amo !
E amo o amor que desenho,
O amor que grafito,
Amor que gravita,
Engravida de vida as praças vida,
Este tal amor clandestino
Meu destino é te amar
E nunca se apagar
Como estas paredes cruas que tanto quis dele ilustrar.

(2006)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

BALADA DA MENININHA

Menina de trança
não transa;
ela trepa
de mangueira em mangueira
buscando sabe-se Deus o quê...

Menina de trança
tão suja,
parecendo traça
ou traço, uma reta
céu e inferno duma amarelinha,
a maré e a linha
alinhando,
menina que corre-corroí;
e minhas retinas
procuram, desatinas,
brincaderinhas com conchas
e algas
em suas coxas
será algo ?
será lago ?
será logo ?
um pequenino corpo que vejo, sereia
sumir na areia,
tornar-se seu namorado
um tornado,
estrelinha
duma só linha -
menininha.