quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O OLHAR DO SENHOR

É então que percebo... O olhar daquele senhor, só eu e ele estávamos no metrô naquele momento. Tenho mania de conversar sozinha. E era o que fazia no instante em que noto o olhar daquele senhor.
O que pensava ? Será que me achava louca ? Mas não era um olhar punista. Nem era, tampouco, fraternal... Era um olhar niilista. Um vago olhar sem qualidades. Não havia cor em seus olhos. Continuei a falar comigo mesma, insonoramente para os exteriores. E se ele lesse lábios ? Estaria então sabendo de meus segredos ? O nome de meu amor secreto, minhas atitudes inibivéis, os poemas de Elliot que declamo ?...
Comecei a agoniar-me. A cabeça doía, tiro uma aspirina da bolsa e tomo-a. O estranho olhar percebera ? A fisionomia de seu rosto nada denunciara...
A dor não passa, nem a agonia daquele olhar. E o meu maldito ponto não chega. Olho para o relógio, ainda era cedo. Pensei em mudar de lugar. Não conseguia sair de minha cadeira. . E ninguém entrava no metrô, era como se tudo conspirasse para que somente existisse eu e ele.
E eu não parava de conversar com ninguém. Aliás, eu falava com alguém... Ora, ou era comigo ou era com aquele senhor... Ou com todo mundo, explanando ao ar universal minhas palavras... E o incômodo olhar, falava eu à ele ?
Deu-me vontade de gritar, reclamar daquele olhar, denunciá-lo como tarado... Mas os olhos dele oscilavam. Do nada passou a algo, algo que passou a me aliviar, sentia agora a necessidade de ser olhada por aquele senhor. O olhar agora dava-me vida, sentia existência (ou a minah própria existência...), culto, hipnose, respostas, alma... Quis transmitir isso ao senhor. Mas aí ele levanta-se, ajeita o chapéu (desviando, pela primeira vez, o seu olhar de mim...), pede o ponto e desce, sem olhar a mim, saindo completamente de meu campo de visão...
Agora eu era vazia. Estava vazia. Sentia o vazio que aquele olhar me completou. Eu e minha bolsa, a cartela de aspirinas, os poemas que decorei e agora dito-os em voz alta para esse mesmo nada...

(2004 ?)

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