segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O SUBORNO DO GATO



E chega o torpedo do homem. A namorada está deitada, o gato em cima da sua barriga. A preguiça, a distância do aparelho (quiçá até a sua não localização), o ronronar do felino... Como é felpuda, pelúcia e gostosa cada partezinha do animal, o pêlo espesso, as ações e contrações do bichano... A namorada pensa: “tenho que responder...”, “tenho que responder...”, “tenho que responder ?!”, e o gato a andar gostosamente por entre o corpo dolente da moça. “ah, vou deixar pra depois, daqui uns minutos, uns minutinhos, não demoro, daqui a, ahhhhh...”, o gato esfrega e espreguiça-se na área quadrada daquela que deveria ser do homem, homem distante, pinta o grilo: “ah, devo torpedar, ele espera resposta, devo ahhh... pára, bichano, pára...”. Ela fecha os olhos como num flash, fecha-os num flash, parece enxergar mesclado a realidade e o sonho que virá... Um mosquito macunaíma, o sofá tá bom demais, verões virão mais tarde, deixa-os...
Chega o segundo torpedo do homem. Pelo curto tempo entre ambas, certamente é grave, a namorada têm que atender, o gato suborna-a com carinhos e jeitinhos, meiguices e patinhas ajeitando uma cama invisível pra dormir. Cai uma chuva, ela percebe pela janela, tudo é propício prum princípio de sono, um sono sonar, nana neném... Ela boceja, arregala os olhos querendo ser mais forte que a malemolência, o gato lhe faz uma massagem inconsciente e natural, “se ele torpedar de novo, eu respondo...”
O homem torpeda pela terceira vez. Aquele barulho do celular se torna martírio, tudo está bom demais: o gato, o sofá, um dormir... “é, posso dormir e aí terei um argumento... não, não é justo enganar o menino, ah meu homem... deixa de ser chato e se entregue a beleza desta fleuma, desta lombra...”. Falou isto e pensou em enrolar um bagulho, fritar um nugget, mas este maldito e delicioso gato, esta gastura, esta gostosura, este gato andando pelo mapa que agora ela era... de repente se encomoda: “se não chegar mais torpedos é bom... mas isto pode significar que ele está puto comigo... ou que se cansou e resolveu sossegar, o que é bom... será que bom mesmo ?! Ah, gato danado, saia... gato gostoso, saia, não não, fique... ande mais, massageia-me... massageia-me como as mãos do meu homem, assim... ele ficará feliz em saber que pensei nele nestas horas... mas como ele vai saber ?! tenho que torpedar, Cristo me dê forças, ah que delícia...”. No seu segundo bocejo chegou, em segundos, o quarto torpedo do homem... mas podia ser da operadora de celular... ou da irmã, dum amigo, uns daqueles golpes que promete mundos e fundos... não, certamente era dele, tava no horário, não sabia as horas, o tempo, seria boa noite ?! O gato resolve dormir em seu dorso, a namorada pensa e repensa: “vou, não vou, santa preguiça, meu Deus !!! Ai, dá pra tirar o gato bem de leve, ele nem vai acordar...mas tá tão ótimo aqui, pregui...”. Mais um quinto torpedo e seria uma guerra !!! Mais um torpedo...
“não, tenho que atender mesmo...” e o números de “es” acompanhou o seu próximo sossego, os olhos mareavam, Morfeu a chamava, o mofo, a chuva, o frio, os pêlos do gato... o apelo agoniado do homem, o drama que fará, arma do amar ?! não quis pensar em poesias ou teorias, queria uma hercúlea força de vencer as manobras desta moleza... e então dormiu...

sexto torpedo do homem...

sétimo torpedo do homem...

último torpedo do homem...
ela acorda com o corpo virado, contorcionista ao estilo possuída de “O Exorcista”, baba escorrendo, olhos com remela... olha pela janela, não sabia distinguir lua ou sol, o gato já saíra de sua barriga, agora dormia num canto quente do quarto. Lembrara que sonhara com vôos, sorriu e levantou espreguiçada... mexeu o pescoço tentando estralá-lo, estralou também as mãos com leve facilidade, olhou um canto e outro, colocou suas havaianas e foi ao banheiro. Fez suas necessidades, tomou um banho gelado, lembrou-se dum trabalho de faculdade neste período e apressou na escovação dental. Penteou o cabelo, olhou-se no espelho, passou desapercebida pelo celular...
coçou a barriga do gato, a sua própria, trocou de camisa, destrocou-a por achá-la inapropriada, pensou em ver as horas, mas censurou-se num “não sou obrigada”. Sentou na cama, observou a bagunça, ligou o computador e pôs uma canção das suas favoritas. Cantarolou alguns versos, riu sem saber do quê, lembrou do homem... tinha algo que devia lembrar, seria o homem ?! o gato acorda, sobe em sua cama, adestra um carinho, ela responde com sua mão destra, disse-lhes mimos e rimas tolas, espanta-o logo depois com um “xô”. Ao pensar no trabalho acadêmico, lembrou do celular: “putzs, o celular...”, e levanta sem calçar as sandálias, procura-o dizendo vários “deve estar aqui...”, encontra chaves, um bloco de anotações, lê um recado do amigo de apartamento dizendo ter ido comprar algo no mercadinho, uma filipeta sobre um curso de informática... acha o celular, se assusta com tantas chamadas, lê a primeira, rapidamente a segunda, um pouco com desdém a terceira, pula a quarta – já deduzindo repetições de assunto -, abriu e fechou logo o quinto, desistiu no sexto... pensou no que escrever, seria breve mas sincera, como sempre fora... lá fora fazia calor, abriu a janela e sentiu o mormaço seco entrando como bafo, falou um palavrão, olhou pro visor, parou no meio da palavra e deixou tudo para amanhã.

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