Esta
é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou
acontecimentos reais, terá sido mera coincidência...
Imaginemos,
cogitemos que a camisa que pintei e atirei ao léu para um público frenético num
show do Los Hermanos em Salvador, naquela noite holiday dum 12 de outubro de
2015, enfim regredisse aos meus braços duma forma inesperada, trazendo consigo
uma linda fã do grupo e disposta a ser meu último romance...
Ué,
e por que não?! Se Deus não é um Manoel Carlos, aqui posso certamente sê-lo – e
sem tantos Leblons paradisíacos... Mas, diante tal spoiller que estou sendo
desta estória, vou me reservar ao papel de contista e seguir pelo óbvio dos
começos...
Houve
o dito fato, propagandeou-se no Instagram a caça pelo paradeiro da tal camisa;
contudo passaram-se dias, meses, um ano inteiro, outros meses vindouros do
seguir dos tempos e nada, nada... Quando o fracasso se convertera numa amnésia
desbotada, eis que foi dado algum sinal: uma mera resposta na rede social, um
alguém, um rosto simétrico, nada baranga, assemelhando-se até com aquela moça de
“As Vantagens de Ser Invisível”... Minto: parecia nada com a Emma Watson,
talvez um tanto com a morenice duma Taís Araújo, sei lá... Aliás, parecia com
ninguém conhecido, mas citou difíceis versos hermanos em suas postagens, isto
já era o bastante pro meu calejado coração. Identificou-se como Chris, nome
ambíguo, ora misterioso, talvez abreviação, homônimo masculino dum personagem
de série de TV... Lembro que ouvia Beirut na hora, mas sinceramente não sei o
porquê desta lembrança agora... Não chovia, já que o semiárido nunca esteve tão
árido como agora, mas imaginei precipitações. Não sou dado a encantos Amélie
Poulain, mas tudo pareceu dum púrpura purpurina, como orvalho que parece
nevar... Do nada, um ser, assim tão anti-Sartre num dia/momento que prometia
nada, onde imperava marasmo e maneirices...
(Deixe
de prosopopeias, de exibição intelectual besta... Avance, autor !!!)
Bem,
comunicamos por uns dias, encontramos semelhantes interesses, diversidades que
só nos enriqueciam, pequenos tesouros compartilhados um com e para o outro...
Havia distâncias, impossibilidades, preguiças, coisas que tornariam o cativo
apenas um teclar digital... Contudo, o mesmo robótico parecia nutrido duma
realidade gritante, visceral, pulsante, humano. Não seria algo que dissipa no
ar: havia uma solidez que ia além duma citação marxista. Queríamos nossos
corpos numa simbiose ora cósmica, deveras muito sexual... Confesso que
trocávamos nudes, mas nudez de touch screen soa como mais um destes namoros de
calendário da Pirelli... E deste alto termostato de tesão, não se sabia se
Chris viria para o sertão ou se o contista iria ao mar... Ficamos nesta
dialética semanas afinco, cada um alegando indisponibilidades profissionais ou
de logísticas de alguma natureza... Pensei em desistir, acreditei que o máximo
estava transparecendo frágil cancioneta, que tudo não passaria dum mero flerte
de internet, enfim...
(Ai,
seu contista de merda... Não li isto tudo para não ter um final feliz, né?! Vá,
mude logo a rota desta prosa, mude...)
Calma,
calminha, minha persona auto-esquizofrênica... Muita água a de passar neste
chuê chuá. Num momento, um bom feriado e a combinação “grana no bolso”; venço
meus fantasmas dubitáveis e crio coragem: embarco no busão noturno para a
capital baiana. Sou questionado por todos os lados, família, amigos, minha
sensatez: será são ir em busca de um carinho desconhecido, duma garota que
ainda parece uma civilização montanhosa
num ambiente nublado, desta loucura que pode ser mais uma destas armadilhas
marginais ou mera pegadinha do destino (seria Chris um traveco?!), enfim caro
personagem-autor... Vais mesmo?!
Bom,
fui... Em Salvador contei com a ajuda e apoio de bons amigos: estadia, apoio,
conselhos, um GPS verborreico de onde seria o local de encontro, enfim... O
coração palpitante, borboletas na barriga, mãos suadas, insônia dum dia para o
outro. Por aplicativo de celular ela também compartilha nervosismos. Estamos
ansiosos um do outro...
No
dia marcado, acordo bem mais cedo que meu costume. Após algumas horas de enrola
na net, o bom amigo me chama pruma cerveja de “dar fome pro almoço”. Estas
costumam vir cheias dum bom papo e orientações, acabou não sendo diferente
disto: usar perfume bacana, pentear o cabelo, evitar mateusices, tentar ser o
mais macho possível (“Sem filosofias de Pepeu Gomes nestas horas, seu cuzão
!!!”), enfim... A cerveja desceu, o almoço mais ou menos... O encontro seria às
quatro, num shopping popular da cidade. Sugeriram que eu fosse de táxi, mas
optei pelo bom e básico BTU mesmo... No
ônibus assovio “Into The Groove”. Já imaginou se a danada invoca de ir com uma
camisa estampada com o rosto da Madonna?! Seria uma boa duma filha-da-puta duma
coincidência literária... Bem, a lógica seria a própria ir com a camisa motriz
disto tudo, não?! Paro de teorizar coisas, o ponto se aproxima... O movimento
não é dos maiores, indigno até de um XV de Piracicaba e Catanduvense. Ando piso
a piso, subo e desço escadas rolantes, vou e volto ao nosso local marcado. Eu,
com meu horrendo senso de chegar cedo demais aos compromissos, acabei me dando
pelo menos uma hora de antecipados momentos de espera. Escolhemos uma famosa
livraria, estou numa de suas prateleiras, folheio livros vagamente, alguns me
chamam alguma atenção, conto instantes, olho para transeuntes... Chega a hora
exata, nada... Passa um minuto, nada... Alguns outros depois e já julgo que
pontualidade não era uma de suas qualidades... Foi quando, segurando uma
biografia de Vinicius de Moraes, eu sinto uma outra mão a cutucar a minha... “Mateus?!”.
Olho-a por segundos, frações que parecem perpétuos. Analiso-a: nem a camisa que
pintei, nem a estampa da Madonna... Um vestido simples, meio hippie, bolsa a
tiracolo, uma presilha em forma de laço, azulado... Não foi algo demorado, mas
senti que ela também me analisava. Aquilo que me assusta: garotas quando me
abstraem por minutos, geralmente predestinam ascos... “Chris?!”, gaguejo. Ela
sorri. Como que querendo puxar assunto, ela abre sua bolsa e de lá puxa algo.
“Reconhece?!”, diz sorrindo. Pego a camisa por mim customizada, vejo os
desenhos... “Você vai achar meio bizarro, mas acredita que nunca lavei esta
camisa?!”. Não acho estranho, na verdade não acho nada... Digo um “e é?!” que
não soa desdém. Pelo menos eu acho... “Sempre me perguntava quem a pintou, com
quê intuito, como será Irecê...”. Por mim aquela hora jamais terminaria...
(Podia
deixar aqui uma enquete, só pra testar a audiência do meu blog né... Pedir pros
meus poucos leitores escolherem um final, sei lá...)
(Uma
voz meio Antônio Fagundes) Se você acha que Chris deve namorar Mateus, ligue
para o número blá-blá-blá... caso não, ligue para o número blá-blá-blá...
(Sem
surrealismos, autor !!!! Vamos voltar a linearidade, concordam?!)
Já
sentados numa mesa da praça de alimentação... Parecemos tensos.
“Pois
é, né...”
“É...”,
ela diz, enrolando uma ponta de cabelo, num vai e vem monótono, olhar vago para
algum horizonte...
(Ah,
seu porra !!! Não quero crer que li isto tudo pra chegar a isto?! Vamos, mude
este destino de vocês aí, vá...)
“Então
quer dizer que você é professor de Filosofia?!” – alguém precisava quebrar o
gelo.
“Pois
é, né...” – digo, meio acanhado.
“Ah,
deve ter seus encantos né... Profissão desvalorizada, mas ainda sim muito
nobre...”
“Pois
é... é aquele velho jargão de que todo profissional passa pela mão do
professor...”
“Pois
é, né...” – e volta a entrelaçar aquela maldita ponta de cabelo...
(Não
acredito que vamos voltar pro mesmo ponto...)
“Aquele
show do Los... foi o primeiro que você foi?!”
“Não,
não... foi meu terceiro”
“Caraca,
o meu também...”
“Sem
contar o de Camelo no Café Hall em 2013...”
“Também
estive neste...”
“Jura?!
Pôxa, estávamos nos mesmos shows dos barbudos e nunca nos encontramos?!”
“Pois...
(Pare aí: se você soltar mais um “pois é, né...” eu lhe meto este conto goela
abaixo !!!)
(O
papo evoluiu, muito bom... Los Hermanos realmente é um ótimo filão. Mas o
autor, muito do filho da puta, não mencionou de quem são as falas... De quem
será o último tique de marasmo?! Avance, avance !!!)
“Pois...
Pois então...
“Fale
mais de você...”
“Ah,
minha vida é tão maçante, cara...”
“Ué,
a minha também... Quer dizer, as vezes, sei lá...”
“Bem,
tenho dois trabalhos na escola: sou professor, como você já sabe, e também
trabalho na secretaria da escola, na digitação, como também já devo ter lhe
dito...”
“Sim,
você me disse...”
“Ah,
sei lá... curto Los Hermanos...”
Chris
solta um “dãã” e ri.
“Realmente
desta eu nem desconfiava...”, ironiza.
“Ah,
tenho uma mania boba: curto ver coisas antigas no Youtube...”
“Coisas
antigas?!”
Creio
que ferrei com tudo. Por quê fui falar logo disto?! Todos me falam pra realçar
minhas (mínimas) qualidades e ocultar os (excessivos) defeitos... me salva
desta, Fernando Mendes !!!
“Tipo
comerciais?!”, ela insiste.
“Também...”
“Ah,
né bobo isto não... sei lá, se te faz bem...”
“Também
vejo programas infantis dos meus tempos de crianças, desenhos, enfim...”
Caguei
tudo, com certeza... É, a mina perfeita diante de mim e eu solto logo isto?!
Nestas horas meu brother Wesley deve tá querendo um boneco de vodu meu...
Ela
ri e solta um “certo, certo...”, logo sorvendo o líquido de seu longo copo de
papelão.
“Vou
adorar assistir estas coisas ao seu lado...”
Cara,
inacreditável: há um brilho em seu olhar, a fala é acompanhada dum estático
hipnótico, como se houvesse alguma petrificação duma Medusa... Mas não é nada
inerte: há um certo flerte sacana naquela boca que umedece os lábios...
Questiono se devo beija-la ou não...
(Como
assim “questiono”?! Porra, seu otário, beija logo esta mana !!! Saulo de Deus,
vá e dá uns tabefes neste bostão aí...)
“Se
você não me beijar, eu vou ter que cometer o desatino de fazê-lo por conta
própria...”
“Ué,
cometa...”, diz, repetindo o mimetismo.
Me
inclino, dobro meu pescoço e... (ahhhhhhh, você vai descrever um beijo aqui,
é?! Diz logo que beijou a pequena e pronto !!!) (tossindo) Posso continuar?!
Bem, avanço com uma certa malícia, ela afasta também de fora marota, passo a
mão em sua nuca e a beijo. Bem, não sai um Burt Lancaster e Deborah Kerr naquela
clássica cena de filme preto e branco, mas soa mais como o colorido primeiro do
Bentinho na Capitu, sei lá... Filosofias a parte, foi bom e intenso, mesmo que
um tanto rápido...
“Agora
fiquei envergonhada...”
Eu
apenas sorrio e pergunto se ela gostou...
(Cristo,
que caia um raio na cabeça deste pamonha !!!! Isto é coisa que se pergunte?!)
“Ah,
foi bem bom...” – diz, polidamente.
“E
agora, o que fazemos?!”
“Sei
lá, o autor disto tudo é você...”
Estranho
a metalinguagem. Soa metafísico, nem Heidegger explicaria isto...
Procuramos
algum lugar para olhar. Volta e meia eles se entrecruzavam, após apenas
sorrisos desgostosos e tímidos. Devo apelar pr’aquele “na sua casa ou na
minha?!”?! Cara, como queria coloca-la numa redoma e trafica-la para Irecê...
“Bem,
não posso abandonar tudo e ir para Irecê contigo assim, né?!”, Diz Chris, como
que abortando meu querer. Nada respondo, solto somente um “é, é mesmo...”
“Mas
moro sozinha... Poderíamos ir lá pra casa, sei lá...”
(Goooooooooooool
do feminismo !!! Obrigado, liberação sexual, obrigado anos 60 por queimarem
sutiãs em praças públicas e agora nos proporcionando momentos como estes...
“Casa,
eu, você?!
“Algum
problema?!”
(Uma
escopeta, por f...)
Calma,
calma, eu já sei o que vou fazer...
“Não,
jamais...”
“Moro
nos Barris... Qualquer coisa você dorme por lá...”
“Não
vou atrapalhar?!”
“Nunca...
Vou adorar ter a sua companhia...”
Bem,
a narrativa alongou-se demais, né?! Vou abreviar então: detalhar tudo aqui pode
cair num marasmo literário... Bem, compramos vinhos, fomos (de ônibus) para a
casa dela (de mãozinhas dadas, trocando bitoquinhas, ai, ai...), lá fizemos de
alguns Miojos nosso fondue e de lareira, as estrelas vistas de uma janela de
andar. Após alguns cálices, calamos nossas bocas com ardorosos e libidinosos
beijos (ai, ai...) e acabamos indo pro obviamente... Amanheceu, acordei cedo
(ah, meu maldito relógio biológico...), a observei dormi por minutos, desejei
de verdade cristaliza-la num âmbar e leva-la para Irecê, tive vergonha de usar
o banheiro (santo Deus, pra quê estes detalhismos?!), enfim... Ela acordou
perto das dez vestindo a camisa como uma camisola (liiiiiiiiinda !!!), quis
preparar um café da manhã caprichado, mas me contentei apenas com um
descafeinado... Era um sábado bem Vinicius de Moraes, passarinhos cantavam num
incomum silenciar da cidade cosmopolita... Queria abrir o WhatsApp e dizer pra
todos os meus chegados desta minha conquista sexual, mas ponderei e achei que
apenas o fato d’eu não ter dormido em casa já seria dizer o fato nas
entrelinhas... Fizemos programinhas de namorados, ela quis me mostrar um pouco
do mundo dela, saber tudo o que for possível do meu, planejamos viagens,
sabíamos que era algo do tipo “pra sempre sempre acaba”, mas vivemos de forma
intensa este dádivo (ou autoral) juntar de destinos...
Foram
só dois dias. Ela ainda foi à rodoviária se despedir de mim, me deu um chaveiro
escrito love (muito Raul, mas teve isto não – no chaveiro tinha, na verdade, um
ursinho), senti uma leve umidade em suas bochechas, afirmamos nossos planos de
viagens, subi no ônibus e fui... Por semanas ainda nos comunicamos, sempre
jurando saudades um do outro, mas o cruel tempo foi transformando momentos em
sépia, o “amor” se transformou em bom dia, vê-la não era mais tão bacana quanto
à semana passada... Numa arrumação de armário acabei reencontrando o tal
chaveiro, veio a tona lembranças, um suspiro e sorrio amarelo. Será que Chris
lembra-se de mim?! Só o destino, este escroto, para acionarmos
novamente...
E
2 comentários:
A camisa voltou, mas, Cris ficou (que pena).
Abraços do seu amigo, saudades!
Cara que texto, diagno de um filme de Almodóvar, devorei este conto!
Postar um comentário