sexta-feira, 17 de março de 2017

A ILUSÓRIA ESTÓRIA DA CAMISA QUE ENFIM VOLTOU...


Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou acontecimentos reais, terá sido mera coincidência...

Imaginemos, cogitemos que a camisa que pintei e atirei ao léu para um público frenético num show do Los Hermanos em Salvador, naquela noite holiday dum 12 de outubro de 2015, enfim regredisse aos meus braços duma forma inesperada, trazendo consigo uma linda fã do grupo e disposta a ser meu último romance...
Ué, e por que não?! Se Deus não é um Manoel Carlos, aqui posso certamente sê-lo – e sem tantos Leblons paradisíacos... Mas, diante tal spoiller que estou sendo desta estória, vou me reservar ao papel de contista e seguir pelo óbvio dos começos...

Houve o dito fato, propagandeou-se no Instagram a caça pelo paradeiro da tal camisa; contudo passaram-se dias, meses, um ano inteiro, outros meses vindouros do seguir dos tempos e nada, nada... Quando o fracasso se convertera numa amnésia desbotada, eis que foi dado algum sinal: uma mera resposta na rede social, um alguém, um rosto simétrico, nada baranga, assemelhando-se até com aquela moça de “As Vantagens de Ser Invisível”... Minto: parecia nada com a Emma Watson, talvez um tanto com a morenice duma Taís Araújo, sei lá... Aliás, parecia com ninguém conhecido, mas citou difíceis versos hermanos em suas postagens, isto já era o bastante pro meu calejado coração. Identificou-se como Chris, nome ambíguo, ora misterioso, talvez abreviação, homônimo masculino dum personagem de série de TV... Lembro que ouvia Beirut na hora, mas sinceramente não sei o porquê desta lembrança agora... Não chovia, já que o semiárido nunca esteve tão árido como agora, mas imaginei precipitações. Não sou dado a encantos Amélie Poulain, mas tudo pareceu dum púrpura purpurina, como orvalho que parece nevar... Do nada, um ser, assim tão anti-Sartre num dia/momento que prometia nada, onde imperava marasmo e maneirices...

(Deixe de prosopopeias, de exibição intelectual besta... Avance, autor !!!)

Bem, comunicamos por uns dias, encontramos semelhantes interesses, diversidades que só nos enriqueciam, pequenos tesouros compartilhados um com e para o outro... Havia distâncias, impossibilidades, preguiças, coisas que tornariam o cativo apenas um teclar digital... Contudo, o mesmo robótico parecia nutrido duma realidade gritante, visceral, pulsante, humano. Não seria algo que dissipa no ar: havia uma solidez que ia além duma citação marxista. Queríamos nossos corpos numa simbiose ora cósmica, deveras muito sexual... Confesso que trocávamos nudes, mas nudez de touch screen soa como mais um destes namoros de calendário da Pirelli... E deste alto termostato de tesão, não se sabia se Chris viria para o sertão ou se o contista iria ao mar... Ficamos nesta dialética semanas afinco, cada um alegando indisponibilidades profissionais ou de logísticas de alguma natureza... Pensei em desistir, acreditei que o máximo estava transparecendo frágil cancioneta, que tudo não passaria dum mero flerte de internet, enfim...

(Ai, seu contista de merda... Não li isto tudo para não ter um final feliz, né?! Vá, mude logo a rota desta prosa, mude...)

Calma, calminha, minha persona auto-esquizofrênica... Muita água a de passar neste chuê chuá. Num momento, um bom feriado e a combinação “grana no bolso”; venço meus fantasmas dubitáveis e crio coragem: embarco no busão noturno para a capital baiana. Sou questionado por todos os lados, família, amigos, minha sensatez: será são ir em busca de um carinho desconhecido, duma garota que ainda parece uma  civilização montanhosa num ambiente nublado, desta loucura que pode ser mais uma destas armadilhas marginais ou mera pegadinha do destino (seria Chris um traveco?!), enfim caro personagem-autor... Vais mesmo?!
Bom, fui... Em Salvador contei com a ajuda e apoio de bons amigos: estadia, apoio, conselhos, um GPS verborreico de onde seria o local de encontro, enfim... O coração palpitante, borboletas na barriga, mãos suadas, insônia dum dia para o outro. Por aplicativo de celular ela também compartilha nervosismos. Estamos ansiosos um do outro...
No dia marcado, acordo bem mais cedo que meu costume. Após algumas horas de enrola na net, o bom amigo me chama pruma cerveja de “dar fome pro almoço”. Estas costumam vir cheias dum bom papo e orientações, acabou não sendo diferente disto: usar perfume bacana, pentear o cabelo, evitar mateusices, tentar ser o mais macho possível (“Sem filosofias de Pepeu Gomes nestas horas, seu cuzão !!!”), enfim... A cerveja desceu, o almoço mais ou menos... O encontro seria às quatro, num shopping popular da cidade. Sugeriram que eu fosse de táxi, mas optei pelo bom e básico BTU mesmo...  No ônibus assovio “Into The Groove”. Já imaginou se a danada invoca de ir com uma camisa estampada com o rosto da Madonna?! Seria uma boa duma filha-da-puta duma coincidência literária... Bem, a lógica seria a própria ir com a camisa motriz disto tudo, não?! Paro de teorizar coisas, o ponto se aproxima... O movimento não é dos maiores, indigno até de um XV de Piracicaba e Catanduvense. Ando piso a piso, subo e desço escadas rolantes, vou e volto ao nosso local marcado. Eu, com meu horrendo senso de chegar cedo demais aos compromissos, acabei me dando pelo menos uma hora de antecipados momentos de espera. Escolhemos uma famosa livraria, estou numa de suas prateleiras, folheio livros vagamente, alguns me chamam alguma atenção, conto instantes, olho para transeuntes... Chega a hora exata, nada... Passa um minuto, nada... Alguns outros depois e já julgo que pontualidade não era uma de suas qualidades... Foi quando, segurando uma biografia de Vinicius de Moraes, eu sinto uma outra mão a cutucar a minha... “Mateus?!”. Olho-a por segundos, frações que parecem perpétuos. Analiso-a: nem a camisa que pintei, nem a estampa da Madonna... Um vestido simples, meio hippie, bolsa a tiracolo, uma presilha em forma de laço, azulado... Não foi algo demorado, mas senti que ela também me analisava. Aquilo que me assusta: garotas quando me abstraem por minutos, geralmente predestinam ascos... “Chris?!”, gaguejo. Ela sorri. Como que querendo puxar assunto, ela abre sua bolsa e de lá puxa algo. “Reconhece?!”, diz sorrindo. Pego a camisa por mim customizada, vejo os desenhos... “Você vai achar meio bizarro, mas acredita que nunca lavei esta camisa?!”. Não acho estranho, na verdade não acho nada... Digo um “e é?!” que não soa desdém. Pelo menos eu acho... “Sempre me perguntava quem a pintou, com quê intuito, como será Irecê...”. Por mim aquela hora jamais terminaria...

(Podia deixar aqui uma enquete, só pra testar a audiência do meu blog né... Pedir pros meus poucos leitores escolherem um final, sei lá...)

(Uma voz meio Antônio Fagundes) Se você acha que Chris deve namorar Mateus, ligue para o número blá-blá-blá... caso não, ligue para o número blá-blá-blá...

(Sem surrealismos, autor !!!! Vamos voltar a linearidade, concordam?!)  

Já sentados numa mesa da praça de alimentação... Parecemos tensos.
“Pois é, né...”
“É...”, ela diz, enrolando uma ponta de cabelo, num vai e vem monótono, olhar vago para algum horizonte...

(Ah, seu porra !!! Não quero crer que li isto tudo pra chegar a isto?! Vamos, mude este destino de vocês aí, vá...)

“Então quer dizer que você é professor de Filosofia?!” – alguém precisava quebrar o gelo.
“Pois é, né...” – digo, meio acanhado.
“Ah, deve ter seus encantos né... Profissão desvalorizada, mas ainda sim muito nobre...”
“Pois é... é aquele velho jargão de que todo profissional passa pela mão do professor...”
“Pois é, né...” – e volta a entrelaçar aquela maldita ponta de cabelo...

(Não acredito que vamos voltar pro mesmo ponto...)

“Aquele show do Los... foi o primeiro que você foi?!”
“Não, não... foi meu terceiro”
“Caraca, o meu também...”
“Sem contar o de Camelo no Café Hall em 2013...”
“Também estive neste...”
“Jura?! Pôxa, estávamos nos mesmos shows dos barbudos e nunca nos encontramos?!”
“Pois... (Pare aí: se você soltar mais um “pois é, né...” eu lhe meto este conto goela abaixo !!!)
    
(O papo evoluiu, muito bom... Los Hermanos realmente é um ótimo filão. Mas o autor, muito do filho da puta, não mencionou de quem são as falas... De quem será o último tique de marasmo?! Avance, avance !!!)

“Pois... Pois então...
“Fale mais de você...”
“Ah, minha vida é tão maçante, cara...”
“Ué, a minha também... Quer dizer, as vezes, sei lá...”
“Bem, tenho dois trabalhos na escola: sou professor, como você já sabe, e também trabalho na secretaria da escola, na digitação, como também já devo ter lhe dito...”
“Sim, você me disse...”
“Ah, sei lá... curto Los Hermanos...”
Chris solta um “dãã” e ri.
“Realmente desta eu nem desconfiava...”, ironiza.
“Ah, tenho uma mania boba: curto ver coisas antigas no Youtube...”
“Coisas antigas?!”
Creio que ferrei com tudo. Por quê fui falar logo disto?! Todos me falam pra realçar minhas (mínimas) qualidades e ocultar os (excessivos) defeitos... me salva desta, Fernando Mendes !!!
“Tipo comerciais?!”, ela insiste.
“Também...”
“Ah, né bobo isto não... sei lá, se te faz bem...”
“Também vejo programas infantis dos meus tempos de crianças, desenhos, enfim...”
Caguei tudo, com certeza... É, a mina perfeita diante de mim e eu solto logo isto?! Nestas horas meu brother Wesley deve tá querendo um boneco de vodu meu...
Ela ri e solta um “certo, certo...”, logo sorvendo o líquido de seu longo copo de papelão.
“Vou adorar assistir estas coisas ao seu lado...”
Cara, inacreditável: há um brilho em seu olhar, a fala é acompanhada dum estático hipnótico, como se houvesse alguma petrificação duma Medusa... Mas não é nada inerte: há um certo flerte sacana naquela boca que umedece os lábios... Questiono se devo beija-la ou não...

(Como assim “questiono”?! Porra, seu otário, beija logo esta mana !!! Saulo de Deus, vá e dá uns tabefes neste bostão aí...)
“Se você não me beijar, eu vou ter que cometer o desatino de fazê-lo por conta própria...”
“Ué, cometa...”, diz, repetindo o mimetismo.
Me inclino, dobro meu pescoço e... (ahhhhhhh, você vai descrever um beijo aqui, é?! Diz logo que beijou a pequena e pronto !!!) (tossindo) Posso continuar?! Bem, avanço com uma certa malícia, ela afasta também de fora marota, passo a mão em sua nuca e a beijo. Bem, não sai um Burt Lancaster e Deborah Kerr naquela clássica cena de filme preto e branco, mas soa mais como o colorido primeiro do Bentinho na Capitu, sei lá... Filosofias a parte, foi bom e intenso, mesmo que um tanto rápido...
“Agora fiquei envergonhada...”
Eu apenas sorrio e pergunto se ela gostou...

(Cristo, que caia um raio na cabeça deste pamonha !!!! Isto é coisa que se pergunte?!)

“Ah, foi bem bom...” – diz, polidamente.
“E agora, o que fazemos?!”
“Sei lá, o autor disto tudo é você...”
Estranho a metalinguagem. Soa metafísico, nem Heidegger explicaria isto...
Procuramos algum lugar para olhar. Volta e meia eles se entrecruzavam, após apenas sorrisos desgostosos e tímidos. Devo apelar pr’aquele “na sua casa ou na minha?!”?! Cara, como queria coloca-la numa redoma e trafica-la para Irecê...
“Bem, não posso abandonar tudo e ir para Irecê contigo assim, né?!”, Diz Chris, como que abortando meu querer. Nada respondo, solto somente um “é, é mesmo...”
“Mas moro sozinha... Poderíamos ir lá pra casa, sei lá...”
(Goooooooooooool do feminismo !!! Obrigado, liberação sexual, obrigado anos 60 por queimarem sutiãs em praças públicas e agora nos proporcionando momentos como estes...
“Casa, eu, você?!
“Algum problema?!”

(Uma escopeta, por f...)

Calma, calma, eu já sei o que vou fazer...

“Não, jamais...”
“Moro nos Barris... Qualquer coisa você dorme por lá...”
“Não vou atrapalhar?!”
“Nunca... Vou adorar ter a sua companhia...”  

Bem, a narrativa alongou-se demais, né?! Vou abreviar então: detalhar tudo aqui pode cair num marasmo literário... Bem, compramos vinhos, fomos (de ônibus) para a casa dela (de mãozinhas dadas, trocando bitoquinhas, ai, ai...), lá fizemos de alguns Miojos nosso fondue e de lareira, as estrelas vistas de uma janela de andar. Após alguns cálices, calamos nossas bocas com ardorosos e libidinosos beijos (ai, ai...) e acabamos indo pro obviamente... Amanheceu, acordei cedo (ah, meu maldito relógio biológico...), a observei dormi por minutos, desejei de verdade cristaliza-la num âmbar e leva-la para Irecê, tive vergonha de usar o banheiro (santo Deus, pra quê estes detalhismos?!), enfim... Ela acordou perto das dez vestindo a camisa como uma camisola (liiiiiiiiinda !!!), quis preparar um café da manhã caprichado, mas me contentei apenas com um descafeinado... Era um sábado bem Vinicius de Moraes, passarinhos cantavam num incomum silenciar da cidade cosmopolita... Queria abrir o WhatsApp e dizer pra todos os meus chegados desta minha conquista sexual, mas ponderei e achei que apenas o fato d’eu não ter dormido em casa já seria dizer o fato nas entrelinhas... Fizemos programinhas de namorados, ela quis me mostrar um pouco do mundo dela, saber tudo o que for possível do meu, planejamos viagens, sabíamos que era algo do tipo “pra sempre sempre acaba”, mas vivemos de forma intensa este dádivo (ou autoral) juntar de destinos...

Foram só dois dias. Ela ainda foi à rodoviária se despedir de mim, me deu um chaveiro escrito love (muito Raul, mas teve isto não – no chaveiro tinha, na verdade, um ursinho), senti uma leve umidade em suas bochechas, afirmamos nossos planos de viagens, subi no ônibus e fui... Por semanas ainda nos comunicamos, sempre jurando saudades um do outro, mas o cruel tempo foi transformando momentos em sépia, o “amor” se transformou em bom dia, vê-la não era mais tão bacana quanto à semana passada... Numa arrumação de armário acabei reencontrando o tal chaveiro, veio a tona lembranças, um suspiro e sorrio amarelo. Será que Chris lembra-se de mim?! Só o destino, este escroto, para acionarmos novamente...  
E

2 comentários:

Victor Pimentel disse...

A camisa voltou, mas, Cris ficou (que pena).
Abraços do seu amigo, saudades!

Atilio Dourado disse...

Cara que texto, diagno de um filme de Almodóvar, devorei este conto!