segunda-feira, 6 de junho de 2011

EQUÍVOCOS (A CARA DO AFONSINHO)

Os seres humanos estão no mundo pra comerem uns aos outros. Assim pelo menos pensava Tobias, mequetrefe metido a galã, pegador digno, nato e de carteirinha. Contudo ele será o antagonista desta história. Foquemos no seu antípoda, Fidípedes, que desembaraçadamente encontra-se naquele mesmo bar, reduto dos happy hours de alguns escritórios e empresas adjacentes...
- E aí, Fidípedes ?!
Este dá apenas um leve aceno e um “oi” inaudível.
- Tudo na paz, meu querido ?! Posso me sentar aqui ?! – apontando pruma cadeira vazia.
Fidípedes concorda.
- E aí, como vai esta caçada ?!
Ele estranha o termo “caçada”.
- Caçada ?!
- Sim, seu mané... Caçada de mulher, de sexo selvagem, me entende...
A pergunta soa como uma certeza de entendimento. Porém Fidípedes não entendia nada. A única coisa que ele queria era tomar seu chope em paz, pegar um táxi, chegar em casa, preparar algo no microondas, ver alguma série na TV (talvez até a National Geographic, cogitou...) e dormir cedo. Pensou em listar tudo isto para ele, contudo Tobias intervêm:
- Hoje é sexta, cara... Sexta !!! Sacou ?! Sexta-feira é dia de dar umazinha, é de lei, obrigação universal !!!
Sexo certamente era a última coisa na qual pensara. Não que fosse adepto à quaisquer celibatos, muito contrário disto: há tempos que se definira “na seca” e sentia uma certa necessidade de “dar umazinha”, conforme o dito por aquele que naquele momento estava numa intercomunicação com uma garota duma outra mesa...
- Bem, pelo jeito minha noite vai ser das melhores... – diz pondo a boca na tulipa de chope do outro.
Fidípedes dar uma olhada discreta pro lado e percebe uma loira, linda, tipo estagiária, 20 aninhos estourando... Tobias se levanta em direção a esta. Mas, antes, ainda diz pro inócuo:
- Cara, percebi agora: você é a cara do Afonsinho... Você deveria usar isto a seu favor. O carinha traçava geral...
Antes mesmo que Fidípedes pudesse questionar quem seria o tal mencionado, Tobias avança em direção à garota. Não tolerava aquele sujeito. Quer dizer, não que fosse uma má pessoa, muito longe disto... Era um garotão, destes que chegam na contabilidade ainda cheirando à mamadeira. Certamente tinha a inexperiência de não ter lido um Proust na vida... Mas, mesmo entendo se tratar dum infante, para Fidípedes esta criatura chegava ao terror dum nefasto ser do Hades !!!
Mal ele poderia imaginar o quão importante seria a informação lhe dada. Quando começava a abstrair o porquê duma possível coincidência facial com uma pessoa do qual não sabia da insígnia, uma moça – destas que nunca falaria com ele – chega e lhe aborda:
- Afonsinho, quanto tempo...
Embasbacado com aquilo, respondeu no automático:
- Não, a senhorita se confundiu... Não sou o Afonsinho...
Logo pensou o porquê de ter aplicado o artigo “o”, assim no definido, como se conhecesse este homem do qual carregaria a sina da semelhança... Contudo, mal assentado estava estes seus paradoxos mosaicos, chega uma outra, morena cor de jambo, mulata escultural... Enroscando-se em seu pescoço, logo sai exclamando:
- Afonsinho, seu puto... Cê tá sumido hein... Esqueceu-se da sua Íris aqui, foi ?!
Dádivo daquilo tudo, Fidípedes faz da honestidade um rícino que desce-lhe a goela:
- Queria até sê-lo, mas não sou este Afonsinho. Perdoe-me...
Logo a garota desgruda-se do cachaço alheio:
- Bem que eu percebi... Faltou-lhe a pegada do Afonsinho, sei lá... Eu é quem lhe peço desculpas. Foi mal...
E sai. Não entendia aquela lógica: quem seria Afonsinho ?! Seria um monstro que sugou-lhe a mais visível de suas essências, parte siamesa da qual fora abastado , fruto bom de suas ramificações genealógicas ?! Queria um cigarro, mas prometeu parar de fumar logo que soubera de algumas disritmias um tanto quanto inconstantes, pensou em pedir mais um chope, mas imaginou que a soberba poderia ser pecaminosa e os resultados, desastroso... Decide então ficar congelado no canto, esperando que aquela ironia do destino tivesse um prolongado fim. Bebe duma só vez o resto que havia em seu copo, olha as horas e manda às favas todos os seus tradicionais compromissos. Só não sabia se havia feito aquilo por ousadia ou medo da situação. Suas pernas tremiam. É o momento em que outra figura se aproxima.
- Afonsinho ?!
- Bem, se eu for ele, o que ganho ?!
A moça – sem pedir – senta-se ao lado e retruca:
- Como assim ?! Você é o Afonsinho ou não ?!
Ele bufa, quis esmurrar a mesa de ferro:
- É, você tem razão... Não, não sou o Afonsinho. Está feliz ?!
Sentindo que fora um tanto grosso, quase pede um “desculpa”. Emudeceu, esperando alguma reação newtoniana...
- Bem, assim... Feliz tou não, já que esperava o Afonsinho, mas... Cara, você é muito igual ao Afonsinho viu...
Então Fidípedes resolveu prolongar o “engano”:
- Posso te pagar uma bebida ?!
A moça dá um sorriso de canto, talvez pondera se seria uma boa, olha pro teto, pra janela, pra si mesma...
- Hum, bebida... Acho que não. Mas podíamos rachar uma bagana. Topas ?!
Aquilo estava indo muito além da sua ética. Fidípedes engole seco, logo raciocina: quando, em sã consciência, poderia pegar uma garota daquelas ?! Mas narcóticos, cara, narcóticos... Pensou na mãe assando biscoitos enquanto entoava cantos religiosos. E no avó, manco duma perna e que cantava, em basco, a Internacional socialista. Não sabia porquê viera assim a imagem do avó. Encarou como um sinal e perguntou:
- Maconha ?!
- Fala baixo, cara... – pedindo um certo cochicho – É, maconha... Curte ?!
A maldita balança de pesar consciências... Não sabia o que responder, suava frio, suas mãos estavam empapadas. Sabia que seria mané caso dispensasse uma gata só por questões . Contudo prometera que nunca botaria um entorpecente no seu organismo. Tentou pensar numa música, isto poderia abstrair a situação... Lhe veio então os violinos do The Verve em “Bitter Sweet Symphony”. Tentava em vão extrair algo dos olhos daquela garota...
- E então, seu zé-ruela ?! Vamos ou não ?!
E Fidípedes gagueja barbaramante uma resposta.
- Xi, pelo jeito é careta... Se fosse o Afonsinho não negava não...
Novamente lhe aparecia este fantasma estrangeiro, este nominável sem rosto... Ou pior, com um rosto sim: o do próprio Fidípedes !!! Não sabia o que fazer, sentiu-se como um fausto goethiano diante da perca do tudo...
- É, seu bundão, vou vazar. Ok ?!
Ela se levanta, mas agilmente nosso herói a agarra pelo braço, travando suas intenções.
- Espere um pouco. Que se foda este meu mundinho, que se foda por um momento o Fidípedes que sou... Só por hoje, neste exato momento serei o Afonsinho que não conheço, contudo me parece tão íntimo... – respirou bem fundo, a paralisia parecia findada e ele finalmente se levanta – Vambora fumar esta porra e depois vamos dar umas, baby !!!
Antes da moça sorri ou topar, ele anuncia em catarse:
- Fidípedes morreu e talvez ressuscite no terceiro dia !!! Viva ao novo Afonsinho !!!
E para espanto de Tobias e meia nação de gatos pingados daquele já batido boteco de esquina, Fidípedes sai entrelaçando seu braço numa bela e escultura cintura juvenil de nossos tempos...

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