domingo, 28 de outubro de 2007

CHORANDO PELO LEITE CONTAMINADO

Um choro em silêncio, apenas um cavaco e nada mais. Uma voz mais aguda e a agonia: chorando pelo leite contaminado. É quando o operário, depois de mais um diário em labuta, chega em sua casa, pão e a caixa de leite em mãos. Orgulhoso por poder comprar tal sustento do lar, recebido com festas pelos filhos e com carinho pela esposa, após a barba feita e o prazer de sentar em sua poltrona, o sopetão do jornal: o leite, aquela caixa que custou algum por cento de seu salário, está contaminado com soda cáustica e água oxigenada. Que mal fez o trabalhador comum pra tal fim ? Com que justiça conclamará pelo direito de pagar por um bom serviço ? Não terá ele o simples direito de alimentar decentemente seus filhos (já igualmente fora seu suor no trabalho) ?
O episódio recente e tão em voga na mídia duma fábrica de leite que adulterou caixas de longa vida com substância que não deveria estar na sua cadeia alimentar desencadeia toda uma discussão sobre até onde o capitalismo vigora sobre o lógico-humanitário. Será que os donos desta indústria láctea não imaginou que um de seus entes poderia tá ingerido soda cáustica e água oxigenada no lugar dos nutrientes do leite ? Então no capital impera a lei do “pimenta no olhos do outro...” ? Ou então a lei do Gérson, aquela do levar vantagem em tudo ? Porra, só chorando mesmo... Chorar um Ernesto Nazareth, um Zequinha de Abreu, um Pixinguinha na flauta de Altamiro Carrilho... Chorar esta lágrima de ser brasileiro, este protesto mudo, este estardalhaço sem sentido, chorar pela fome, pelo desemprego, pelo sossego de tá em minha casa enquanto muitos têm o céu como teto e o sereno como cobertor... Chorar pelas moedas que dou ao mendigo e o resto do tomate que deixo de comer no almoço e que vai para a cestinha de lixo da cozinha, chorar o político corrupto que elegi e pelo líder estudantil que não prestei atenção, chorar pelo Youtube que tenho, chorar pela exclusão digital, afalbética, moral, de criticar... Chorar por ser filhinho de papai, por hippie que têm papai e mamãe para manter meus vícios, minha bagana, minha Montilla, por ser duro e nem ter dinheiro pro Halls de beijar a menina mais bonita, chorar pelo toque duma canção, da alma, da aula de filosofia que me despertou pro outro e pro outrem, pelo ontem que não valorizei, pelo pôr-do-sol que nunca dei a mínima bola, pelo papel jogado no chão, na rua, pela rua de meus tempos de brincar, pela morte do avô que eu não dava o devido valor, chorar a desgraça alheia, o rebento que nasceu, pelo aleijado que passou no Teleton, pelo casalzinho da novela, pelo Zé do Caroço que lá está, grita e eu não o ouço... Chorar, enfim, a desconfiança do que vou comer ou beber, do duelo entre carnívoros, vegetarianos ou herbívoros, pelos poderosos que se acham mais pau que todos nós e se acha no direito de nos enganar com misturas que parecem feitiço de bruxa...
Choro este choro e produzo esta coisa anti-literária, coisa de causar horror nos academicistas e nos intelectualoídes que criticam texto por MSN (bobocas que não sabem o que é tomar um sorvete na praça ou namorar no portão – destes que só sabem falar mal dos políticos, do mundo, da gente... Ah, vão cagar esta gente toda !!! Quero poder escrever minha joça em paz !!!!!), este anti-texto, coisa podre, pequena, menor, pobre, sem sentido ou estilo, nunca digno de “Carta Capital” ou “Cult” ou qualquer panfleto universitário de fora-alguém, choro meu protesto, meu proclamar, meu desabafo, minha saudade, minha putalidade, minha vontade de gritar, meu silêncio, minha redundância, meus erros de português, minha preguiça...
Todo choro pela bebida degustada, que deixa doidão ou com raiva... E é como diz Raul no seu disco voador: “E quando eu olho/ O mar com petróleo/ Eu rezo a Peixuxa que ele fisgue esta gente...”

(Texto meu publicado no site "Rizoma Tapuia", no dia 26/10/2007)

2 comentários:

Anônimo disse...

Mateus, Venha logo para SSA que eu to doido para tomar uma mais vc.

Anônimo disse...

Por que nao:)