quarta-feira, 3 de outubro de 2012

COISAS DE ELEVADOR




Na espera do elevador, ela acabara de chegar. Há um sujeito parado, na mesma situação...
- E então ?!
Ela não atende.
- Você não vai gritar, enlouquecer, pedir autógrafos? – ele insiste.
A moça continua sem entender...
- Vai dizer que você não me conhece?
Ela o observa como se fosse míope, apertando o olhar...
- Senhor, confesso que não...
Com certo descontentamento, ele diz:
- Tem certeza? Não é possível...
- Mas por que eu teria que conhecê-lo? Já nos vimos antes? O senhor por acaso é pai de algum ex-namorado meu? Ai, se for me desculpe...
- Não, eu nunca te vi na vida... Mas é obrigação sua me reconhecer. Ah, talvez eu deva cantar um dos meus sucessos...
E começou a cantarolar algo.
- Ah, que legal... – ela diz – Então o senhor é cantor ?!
- Como assim ?! Eu sou “o” cantor!!! Chacrinha me apelidava de “A Voz”...
O nome do apresento lhe fez concluir que aquele homem devia ser bem velho... Não comentou nada, apenas escutava:
- Aposto que você já deve tá lembrada de mim...
- Sinceramente não... Nunca ouvi esta música. Ela já tocou na rádio?!
- Como “já tocou na rádio”? Ela foi a música mais executada de 19... ah, não importa!!!
Neste exato momento o elevador chega.
- O senhor me dá licença, mas vou descer... – disse, querendo muito se afastar daquela esdrúxula criatura...
- Eu também vou descer... – diz, entrando no mesmo recinto.
Ela tenta esconder o certo descontentamento, mas acabou aceitando aquilo tudo com um certo bom humor...
- O senhor se chama...
- Santa ignorância!!! Eu sou Olano Barbosa...
- Olano Barbosa?! – franziu a testa, fez biquinho.. – Nunca ouvi falar...
Com ar dramático, ele diz:
- Como não?! Não há brasileiro que não conheça ou não tenha escutado Olano Barbosa...
Ela quer esconder o riso. Então pega o celular e faz uma pesquisa rápida na internet:
- Como é mesmo seu nome? Orlando Barbosa?!
- Olano – diz alto, soletrando as sílabas...
- Hum, certo... peraí... ah, tá aqui no Google: Olano Barbosa...
- Finalmente... Onde você vai querer o autógrafo?!
- Cara, você fez sucesso a muito tempo atrás... Não me surpreende seu ostracismo...
A última palavra lhe é desferida como um tapa:
- Ostracismo, eu?! De onde tira isto?! Eu continuo famoso!!! Estive no Ratinho semana passada...
Como que querendo rever a possível gafe, ela comenta:
- Vou ligar pra minha mãe. Quem sabe ela não lembra do senhor?!
O elevador chega ao seu destino. Ambos saem para dar acesso à outros que esperavam no andar alcançado. Ela com o celular num dos ouvidos:
- É, mãe: Olano Barbosa... A senhora se lembra dele? Ele tá aqui na minha frente...
Ele sua, na espera duma resposta...
- Ok, mãe, ok... Também te amo. Tchau...
E desliga o aparelho, logo virando-se para ele:
- Cara, ela se lembrou do nome sim...
O fadado cantor faz uma pose positiva, erguendo os ombros, sorriso de canto de boca...
- Mas... – a boca da moça parece dizer aquilo em slow motion, voz de rícino, dilacerante... - ...fazia tempo que ela não ouvia falar do senhor. Ela até achou que o senhor tivesse morrido!!!
A pose se desfaz, inaudivelmente ele pergunta:
- Ela ao menos pediu um autógrafo?!
Apressada – talvez para evitar algum desembaraço – ela vai, atarefada:
- Me perdoe, mas tenho pressa... – dá dois beijos na face do “famoso” - ...outro dia a gente se vê...
E sai correndo para a portaria. Ele a observa fazer isto, observa o solo e segue sua sina de subir e descer elevador – aquela era sua rotina diária de alguns anos, algo de terapêutico, de vital: a busca de um reconhecimento já mofado pelo insucesso vil...

Um comentário:

Jôse disse...

Essa história prendeu minha atenção, imagino a necessidade de reconhecimento, para se sentir vivo,feliz, com seu ego sofrido buscando sem sucesso. o sucesso.