segunda-feira, 4 de julho de 2011

LANGERIE

Uma conversa de mulheres por telefone:
- Dalva, você já sabe o que vai ganhar no Dia dos Namorados ?!
- Hum... Nem faço ideia. Pra falar a verdade, eu nem sei se o Rafael vai me dar algo este ano...
- Ah, eu desconfio que ele vai dar sim, amiga...
- Ué, e por que você desconfia disto ?!
- É que eu o vi saindo ontem duma sex shop...
- Sex shop ?! O Rafael nunca foi dado disto...
- Bem, sempre tem uma primeira vez né... Talvez ela tenha lhe comprado uma langerie...
- Langerie ?! Não, não... O Rafael nunca foi dado a isto...
- Pára de falar isto, Dalva !!! Como já lhe disse, sempre se tem uma primeira vez...
- Será, amiga ?! Não... O Rafael é tão polido em sua timidez, tão sisudo em suas morais e tal...
- Moça, vai por mim... Vai que ele queira dar uma apimentada na relação... E outra: o que ele faria numa sex shop ?! Foi comprar jornal ?!
Dalva emudece por instante. A amiga insiste, temerosa:
- Dalva, você taí ainda ?!
- Hãn ?! Ah, tou sim...
- E então ?!
- Perdão, Bárbara... É que é tudo tão confuso pra mim...
- Amiga, deixa de neurose. A questão é simples: o Rafael vai te dar algo de sex shop, imagino que uma langerie...
- Mas é que é tão raro Rafael se lembrar de datas, de presentes... E quando se lembra, é sempre a mesma coisa que ele me dá: uma caixa de bombons baratos e um cartão.
- Ah, Dalva... Sei lá, este ano ele quis dar uma inovada. São quantos anos mesmo de casados ?! Doze ?!
- Quatorze. Faremos quinze anos em setembro. A mesma idade de Lígia, a minha mais velha...
- Tá bom então... Ah, o presente é pra você mesma. Ou você desconfia que ele tem uma amante ?!
Ficou com aquela pergunta na mente, ecoante como pedido de socorro numa caverna. O Rafael, daquele jeitão que só ele, com uma amante ?! Não, descogitou aquilo no imediato... Despediu-se da amiga e desligou o telefone.

Dia dos Namorados, noite. Dalva está deitada em sua cama, fingindo ler uma revista. Seu pensamento estava no presente que, até agora, não havia ganho... Logo adentra Rafael, pacote em mãos. Beija levemente a boca da esposa e diz:
- Feliz Dia dos Namorados, amor... – entrega-lhe o presente.
Ela, em êxtase:
- Ah, querido, não precisava...
E desenrolava o pacote com fervor. Mal poderia esperar pra ganhar...
- Bombons ?! Cartão ?!
- Ué, não gostou ?!
- Não, não é isto... Mas é que...
- Qué que foi, meu bem ?! – diz, beijando na nuca.
- Ah, Rafa... Sei lá... É que eu pensei que este ano você ia me dar...
- Dar o quê ?!
- Assim, sabe... Algo bem diferente, mais, mais...
- Mais ?!
- Ah, você nem faz ideia ?!
- Ideia ?! Ideia do quê ?! Não tou lhe entendendo, Dalva...
Ela se levanta da cama, já fula da vida:
- Rafael, a Bárbara me disse que te viu saindo duma sex shop dia destes... O que o senhor foi fazer por lá ?!
Rafael fica multicolor:
- Bárbara... sex o quê ?! Não tou entendendo...
- Eu que quero uma explicação aqui... A Bárbara não é dada a mentir ou ter enganos. Se ela te viu saindo duma sex shop, é porque você saiu duma sex shop. Eu só quero saber o que o senhor tava fazendo por lá... Aposto que não estava rezando, né ?!
Rafael balbucia algo, anda em círculos, como se procurando uma resposta...
- Foi a Bárbara quem viu ?! Você jura: foi ela mesma ?! Não foi ninguém que viu e contou a ela, né ?!
- Foi sim, homem... Por favor, me explique logo este quiprocó. Rafael, se você tem uma amante, se você tem uma... – não conseguia completar seu gaguejo.
- Bem, vou ter que contar mesmo né...
- Você tem mesmo uma amante, Rafael ?!
- Eu ?! Eu não, coração... Vem cá, vem... – e aproxima-se da esposa, repousando-a de leve na cama. Explana:
- Você quer realmente saber toda a verdade ?!
- Claro... – diz, choramingando.
- Bem, é difícil de dizer...
- Não, não é, Rafael... Basta você me dizer que tem uma amante e aí eu saio de sua vida, levo as crianças, vou morar com a mamãe...
- Não, eu não tenho amante, já lhe disse...
- E então ?!
- Bem, eu realmente fui numa sex shop...
- Tá vendo, eu não disse ?!
- Calma, deixa eu me explicar... Bem, eu fui na sex shop, mas não comprei presente pra amante alguma...
- Ah, Rafael, conta outra !!!
- É sério, amor... Fui na sex shop...
- E comprou uma langerie, acertei ?!
- É, foi...
- E ainda confessa, seu cafajeste... Aposto que esta sua amante deve ter uns vinte anos ou menos. Ai, maldição...
- Me escuta, Dalva... Não tem amante nenhuma, friso...
- A casa caiu, Rafael... Confessa logo, diga logo toda a verdade. Prometo suportar...
- Dalva, acredite em mim: não tenho amante nenhuma. Meu coração e meus olhos só tem atenção pruma mulher só, querida...
- Você ainda não me disse o que foi fazer numa sex shop... Se você comprou uma langerie, certamente era pra mim... Ou não, seu sacana, filho duma...
- Tá, comprei a langerie... Mas ela não era pra você...
- Pronto, assinou a confissão...
- Não era pra você e nem pra nenhuma amante minha...
- Como ?! Vai me dizer então então que você a comprou pra si mesmo ?!
- Oras, claro que não...
- E então...
Bufa no ar, esmurra a porta do armário, faz cena e diz:
- Eu a comprei pro Ary...
- Ary ?! Marido da Bárbara ?!
- Sim, ele mesmo...
- Mas pra quê ele iria...
- Ele é que tem uma amante na verdade... Uma ninfetinha, um pouco mais velha que a Lígia...
- Credo, que safado...
- Pois é... Ele queria comprar um agrado pra ela e não tinha coragem de ir numa ex-shop. Então eu fui, só como favor de amigo...
- Coitada da Bárbara, meu Deus...
- Pois é... Não queria contar, sabe... coisas de amigo, enfim...

Rafael e Ary num bar, no dia vindouro:
- Você o quê ?!
- Chapa, tive que improvisar... A Dalva nem pode imaginar que o presente na verdade era pra minha outra neguinha...
- E pra isto você precisou ferrar o meu lado ?!
- Ué, e o quê é que têm ?! Você mesmo não disse que tá querendo se separar da Bárbara. Pronto: agora você tem um bode-expiatório...
- Mas, Rafael... É que agora a situação é outra, eu já tou me entendendo com a Bá... E tem um outro inconveniente...
- Qual ?!
- É que eu dei um presente de Dia dos Namorados pra ela...
- Sim, e ?!
- Você não tá curioso pra saber o quê foi, não ?!
- Não me diga que foi uma...
- Sim, uma langerie... Sei lá, aproveitei sua ideia e quis apimentar meu lance...
- Ah, bandido !!!
E bebeu sua bebida, torcendo que a coisa não fedesse mais pro seu lado...

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