terça-feira, 12 de abril de 2011

AMORES DE BAR II

Chovia, ele adentra o bar. Marcara encontro, certamente iria atrasar – o trânsito, o temporal... O tempo passa, um passado atrás do outro, mais um futuro, mais um passar...
Poucos no recinto, o normal dum dia de chuva. Ele se senta numa cadeira de balcão, pede um conhaque (que esquenta o corpo em dias de frio). A junkie box toca uma de sua adolescência, INXS, The Smiths, Tears for Fears, não sabia ao certo... Então se lembra de Martha Rocha, de Nice, de Leandra... Parecia ainda sentir os calafrios duma mão boba heróica, as Grapettes quentes da mercearia de Seu Osmar, o mar de Paquetá enquanto empinava pipa com o avô... No ar aquela música de Karatê Kid – odiava o filme, mas a canção ficara gravada em seu âmago como tatuagem buarquiana.
É quando ela entra...
O passar traz o passado: não sabia se era Martha Rocha, Nice, a menina do primeiro beijo (do qual o nome lhe fugira da memória...). Mesmo sendo imemorial, ele sabia que aquele rosto não fora estranho a ele em momento algum... Ela se senta ao lado dele, parece procurar algo na bolsa. “Fogo ?!”, pergunta. “Não, obrigada... são meus cigarros, sei que estão por aqui e...”, responde enquanto o outro lhe oferece um de seu maço. “Agradeço, mas não é de meu feitio aceitar coisas de homens estranhos... apesar que este seu rosto...”. Ele diz o nome dele, ela faz uma onomatopéia, meio que demonstrando incredulidade... “Você é a Martha Rocha ?!”. “A miss ?!”, diz rindo. Ele acha um pouco engraçado, esmiúça um sorriso amarelo. “Não, não sou a Martha Rocha...”. Tenta então a segunda opção: “Nice ?!”. Ela nega com a cabeça, enquanto afirma que finalmente encontrara seus cigarros. “Você tem isqueiro, não é ?!”. Ele oferece o artefato e usa a última carta de sua manga – “você tá me parecendo a Dira... ou estaria muito nova pra ser ela ?!”. Ela encara isto como cantada e sorri. “Prazer, Leandra...”. Imaginou que este seria seu próximo chute. “Leandra... Leandra Saputi, aquela de aparelho na coluna, que estudou no Duque de Caxias, colega do Danúbio ?! Ôrra, você tá enxutaça !!!”. Ela ri, reclama do garçom pela demora do seu chope, volta-se pra ele e responde: “Não, não sou esta não... meu nome é Leandra, Leandra Leal. Sou atriz... o senhor nunca viu algum trabalho meu na TV não ?!”. O futuro, o passado, aquela marca no canto da boca...
Ainda grogue com aquilo tudo, ele observa suas mãos enrugadas, alisa sua aliança – não a tirava mesmo divorciado à dois anos, hábito talvez... – olha para Leandra Leal, tenta reconhecê-la de algum lugar, o passado e o futuro... o relógio marca dez pras dez, noutra olhada já são dez e dez, uma piscadela e descobre que na verdade que ainda nem havia chegando as oito... “O senhor está passando bem ?!”, pergunta a jovem. Odiara o “senhor” daquele discurso, não sabia se estava bem ou se passara, passará ou o passarinho de Quintana... “Tem certeza que você não é a Martha Rocha ?!”. A junkie box engancha numa melodia qualquer, o passado se repetindo, uma criação do futuro ?!

A chuva começa a cessar, “bem, já vou... adorei conversar contigo. Você tem MSN ?!”, pergunta a moça. Com o fim da tempestade alguns saem do recinto, ela acompanha a multidão, dizendo que ele fora um cara super legal... “Leandra Leal...”, ele repete.
O encontro chega, pede desculpas, culpa o trânsito... ele, catatônico, nada diz. “Querido, sou eu...”. “Hãn, quem ?! Martha Rocha, Nice, Dira ?!”. “Não, seu tolo... sou eu, Leandra...”. Ele se espanta: “Leandra ?! Leandra Leal ?!”. Ela gargalha. “Leandra Leal ?! Não, seu louco... sou eu, Leandra Saputi, se esqueceu ?! Do Duque, colega do Danúbio... Você não se lembra que a gente se reencontrou ontem, aqui neste bar e marcamos de nos ver hoje ?!”. Estava confuso, não sabia qual passado, qual futuro, qual das coisas correspondiam ao real... “Bem que você me confessou que sofre alguns momentos de surtos esquizofrênicos... Cê tomou seus remédios hoje ?!”. Quis fugir, estava paranóico, não se reconhecia...

Mas resolveu aceitar o mais cômodo: pediu desculpas por aquele quiproquó, logo depois outro conhaque - e um suco de limão para ela - na junkie box toca Manhattans. “Você lembra ?!”. Fechando os olhos, diz sim...

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