domingo, 17 de fevereiro de 2008

DIVIDINDO O MESMO MP3

Por um daqueles sem por que do destino, ele foi sentar ao lado dela.
Era uma noite agradável, uma lua escondia-se pelos prédios da pequena cidade média. Estavam na praça, que não estava tão cheia. Outros bancos isolados havia ali.
Mas sem nada ou motivo, ele acabou sentar ao lado dela. Ela, mocinha ainda, tinha uma prancheta em mãos. Na prancheta, alguns A4. No A4, rabiscos e desenhos: os velhos daquela praça, os garotos de moicanos que andavam de skate, outras garotas como ela. Naquele exato momento desenhava um misterioso pássaro noturno. Mas este pássaro não estava ali, apenas imaginou-o...
Ele escutava algo no seu mp3.
E sentou-se, assim como um qualquer, ao lado dela.
No começo não a percebeu, mas ela notou os cravos que havia no nariz dele. E, sem pedir licença, acendeu um cigarro. O rapaz. Tinha o olhar vago, olhava para uma direção incerta, percebera os velhinhos, os garotos skatistas, as garotas como aquela garota que ele não percebera. E então olhou o céu. Talvez tenha sido o Sinatra que soava em seus ouvidos, aquele poema do Bilac que fala em ouvir estrelas e que ele tanto gostava, um vento frio que de repente bateu na sua nuca.

“Ei, dá um teco...”, ela.
“Teco ?!”, ele. Logo tirou o cigarro da boca e ofereceu.
“Não...”, ela riu, “Não fumo...”
“E então ?!”
“Do som. Posso escutar o outro fone ?”
“Ahhhh...”, em assombro, “Tá, pode sim...”
E ofereceu o outro fone a ela.

“Tá ouvindo o quê ?!”, ela.
Ele não respondeu. Ela coloca o fone no seu ouvido direito.
“Nossa, música de coroa !”
“Posso mudar, se cê quiser...”
“Precisa não. A música tá boa pra eu terminar de desenhar o pássaro...”
Achou estranho. Não havia um pássaro naquele lugar. Até porque dificilmente se via um pássaro noturno por ali. Mas, afinal, existia pássaro de hábitos noturnos ?!
“Cê devia parar de fumar. Faz mal...”
Nada pior prum fumante que escutar que fumar faz mal.
“É, tou tentando. Quem sabe um dia eu pare, né ?!”
Ela soltou um longo sopro.
“Nyna.”, disse.
“O quê ?! Menina ?!”
Ela ri.
“Não, bobo... Meu nome. Nyna...”
Só depois da revelação do nome é que ele percebera nela. Bonita, magra, sardas, olhos-turmalina, boca rubra, feito pitanga... 16, talvez 17. Certamente de menor...

“Você sabia que a turmalina é verde que nem seus olhos ?”
Ela riu brevemente.
“Não...”
“Quer dizer... Há turmalinas de outras cores. Castanho, azul, preto, rosa... A verde é também chamada verdelite.”
“Tu não me disse seu nome...”
“Edivaldo. Nome de velho, né ?!”
Nyna ri e ele percebe a arcada dentária dela.
“Posso te chamar de Ed ?!”, pede.
“Sim, claro. Eu ia te pedir isto...”
“Tem outra música neste mp3 ?!”
“Ah, sim...”, e começa a operar no aparelho. “Curte soul ?!”
“Sei lá... Sim ?!”
E colocou Nina Simone.
“Esta cantora tem o seu nome...”, disse timidamente.
Ela fez um “ah é ?!” bem prolongado. Ed entendeu aquilo como tédio. Pensou nalguma coisa boa pra dizer...
“Topas um chopinho ?”
Ela soluça levemente.
“Pô, de fú ! Ela canta bem pacas. Pirei na voz da minha xará...”, disse depois.
“Não tem como não se encantar como Nina Simone...”
“Como se chama esta música ?”
Ed respira para caprichar no inglês.
“Keeper of the flame.”
Depois desta, pensou no quão fundamental foi namorar com aquela gringa hipponga que conheceu lá no Capão, em seus tempos primaveris. Fora a americana que lhe apresentou Nina Simone, com o argumento de “boa música pra traçar meninas...”, com aquele sotaque anglo-abrasileirado.
“E o quê significa ?!”
“O quê ?!”
“O título da música. Cê sabe traduzir ?”
Gaguejou, tossiu, cambaleou, fixou o olhar brevemente prum casal de namorados que se beijavam.
“Topas um chopinho ?”
“Hã ?!”
“Se você quiser, claro. Ou puder...”
“Beber ?!”
“Sim. Será que dá grilo ? Você deve ter o quê... 17 ?!”
“19. Não pareço, né ?! Quer ver meu RG ?!”
“Precisa não. E então: topa ?!”
“Você me paga um copo de vinho ?!”
Jogou a quase guimba do cigarro no chão e concordou com a cabeça.
“Mas peraí. Deixa terminar esta faixa. Qual o nome desta ?!”
“Work song”, e antecipou-se, “Canção do trabalho !”
Ela riu e disse:
“Terminou a música. E eu acabei o desenho. Toma...”, arrancando o papel, “...é seu !”
Ed agradeceu.
“É um pássaro...”
“Você me disse...”, desliga o mp3.
“Vamos tomar o vinho agora ?!”
“Vamos sim...”

Naquele dia Ed dormiu com Nyna. Realmente nenhuma mulher resiste a um vinho barato acompanhado de um Nina Simone. Tentem com I love baby. Irresistível !

(2007)

3 comentários:

Anônimo disse...

A coloquialidade como discurso e recurso de amplidão. o texto cola que nem grude novo. Cola de sapateiro, professor!

Grande mestre, sempre nos presenteando...

Muito bom.

Germano

Mateus Dourado disse...

O que mais falar ?!

Obrigado pelas visitas constantes, caro amigo...

Abraços !!!!

Mateus Dourado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.